Editoriais
Auxílio ineficiente
Folha de S. Paulo
Mesmo com aumento de valores, desenho mal
concebido reduz impacto do benefício
A criação do programa Auxílio Brasil —uma
necessária ampliação do Bolsa Família— acabou por degradar a
qualidade de uma política pública de renda eficaz em atenuar os
efeitos da extrema pobreza.
Esse aviltamento tem um duplo aspecto. O
lançamento do novo benefício social, em agosto de 2021, serviu de pretexto para
as manobras que desmoralizariam o teto de gastos. A ampliação dos valores
pagos, posta em marcha neste mês, foi outra penada
nas leis de controle da despesa pública.
O Auxílio Brasil tem valor praticamente
único, hoje de R$ 400 e com elevação
esperada para R$ 600 mensais, pago para cada responsável por família
que consiga o benefício —isto é, não importa o número de pessoas na família nem
o nível de renda per capita.
Além da óbvia iniquidade, é um incentivo
para que pessoas em situação de desespero criem núcleos familiares artificiais
com o propósito de receber cifras maiores. Com efeito, multiplicaram-se as
famílias de uma pessoa apenas.
O programa menospreza o Cadastro Único, o
que deteriora a qualidade das informações sobre as condições de vida dos mais
pobres. A política do governo Jair Bolsonaro (PL) em geral sabota os conselhos
de participação e fiscalização que faziam parte da arquitetura do Bolsa
Família.
Este era também um programa de conhecimento das necessidades das pessoas de baixíssima renda, de diálogo e acompanhamento.
Ainda que com defeitos, alguns corrigidos
ao longo de 20 anos de prática, o cadastro é uma base de dados nacional,
coletada pelos municípios —uma espécie de censo contínuo das condições de
emprego, moradia, saneamento, saúde e educação da população carente.
Suas informações subsidiam outros programas
de assistência ou infraestrutura social. Na nova versão digital, que poderia
ser um avanço, os dados perdem qualidade ou pouco são levados em conta.
O aumento de valores e alcance do Auxílio
Brasil, com duração até o fim do ano, em nada trata desses problemas. Deve
tirar pessoas da fila de espera, mas limita a entrada de outros necessitados.
Esse, aliás, foi sempre um defeito do Bolsa
Família. Como famílias entram e saem de situação de grande pobreza com
frequência, conviria criar um sistema flexível quanto a valores e
elegibilidade.
Os "incentivos ao esforço individual e
à emancipação produtiva", nas palavras do governo, não passam de fantasia.
Tampouco existe avaliação de desempenho.
Improviso interesseiro e ignorância das
boas técnicas da administração, da experiência e dos estudos de políticas
sociais reduzem a eficiência de um programa de renda essencial. Dito de outro
modo, gasta-se além do necessário para os resultados que são obtidos.
Mesmo ambiente
Folha de S. Paulo
Desmate e fogo seguem em alta, sinal de que
saída de Salles não fez diferença
O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite,
conseguiu aquilo que parecia impossível. Alçado ao comando da pasta há um ano,
no lugar de Ricardo Salles, investigado pela Polícia Federal sob suspeita de
favorecer exportadores de madeira ilegal, ele vem colecionando resultados
ainda piores que os de seu turbulento predecessor.
Tome-se, por exemplo, os incêndios na
Amazônia, cuja expressiva alta a partir de 2019 deflagrou uma crise
internacional e calcinou a imagem do Brasil no exterior.
Apenas em maio, a floresta amazônica
registrou 2.287 focos de incêndio, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe) —um crescimento de assombrosos 96% em relação a maio de 2021 e
a maior quantidade de queimadas para o mês desde 2004.
Considerados os primeiros cinco meses, o
salto no número de fontes de calor foi de 22% na comparação com o ano passado.
No cerrado, a situação se mostra ainda mais
alarmante. Os 3.578 incêndios anotados em maio não só representam um aumento de
35% em relação ao mesmo mês do ano passado como constituem o maior número no
bioma desde o início da série histórica, em 1998/1999.
O descalabro também se repete nos índices
de destruição florestal. Em abril, os alertas de desmatamento na Amazônia
emitidos pelo sistema Deter, do Inpe, indicaram uma área devastada de 1.012,5
km², um aumento espantoso de 74% na comparação com o mês correspondente de
2021.
Trata-se de um recorde dentro da série que
começou em 2016 e a primeira vez em que o corte raso ultrapassa a barreira dos
1.000 km² em abril, mês no qual as chuvas na região dificultam a derrubada.
Verdade que ao menos as controvérsias
públicas diminuíram, já que o estilo falastrão e belicoso de Salles deu lugar
aos modos mais discretos e conciliatórios de Leite. A despeito disso, como explicitam
os dados, os danos ao patrimônio natural só fizeram crescer.
A sinistra façanha não surpreende, dado que
o desmantelamento dos órgãos de fiscalização e controle, um dos legados mais
funestos de Salles, segue a todo vapor. Ibama e ICMBio continuam manietados,
carentes de respaldo institucional e com diretorias repletas de policiais e
militares.
Trata-se de política, ou falta dela,
inspirada por Jair Bolsonaro (PL), não por este ou aquele ministro.
‘PEC do Desespero’ não prioriza pobres
O Estado de S. Paulo
Auxílio para caminhoneiro e taxista não é programa social. É privilégio para a base eleitoral de Bolsonaro. Oposição não pode apoiar uma PEC cujos meios e fins são antidemocráticos
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
1/2022 é uma violência contra as regras do jogo eleitoral. É incompreensível
que senadores não alinhados ao bolsonarismo tenham aprovado a criação, no texto
constitucional, de um estado de emergência para burlar a legislação fiscal e
eleitoral. Para piorar, os parlamentares autorizaram essa aberração jurídica
motivados por uma mentira: ao contrário do que o governo diz, a PEC, destinada
na prática a comprar votos para a reeleição do presidente Jair Bolsonaro, cria
benefícios sociais para profissionais de classe média, e não para a população
carente e desempregada.
O foco da PEC 1/2022, apelidada
corretamente de “PEC do Desespero”, tem pouco a ver com os pobres. Ela cria
auxílios, por exemplo, para caminhoneiros e taxistas – que, por mais que
estejam sofrendo as consequências da crise social e econômica, não fazem parte
da população necessitada no Brasil.
Na verdade, caminhoneiros e taxistas só
estão na “PEC do Desespero” porque são supostamente parte da clientela eleitoral
de Bolsonaro. Sendo assim, e como o desespero bolsonarista é grande diante das
pesquisas de intenção de voto, nada impede que outras categorias profissionais
(e eleitores em potencial) entrem no pacote de bondades com dinheiro alheio: o
relator da matéria na Câmara, deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), quer
agora incluir motoristas de aplicativo. Sabe-se lá quem mais será beneficiado
até a votação da PEC. Só se sabe que não serão os mais carentes.
Há muitos pobres no Brasil. Recente estudo
da FGV Social mostrou que, no ano passado, 62,9 milhões de brasileiros (29,62%
da população) estavam abaixo da linha da pobreza. De acordo com critérios
consolidados internacionalmente, essa linha é de US$ 5,50 per capita por dia, o
que, ajustada por paridade do poder de compra, equivalia a R$ 497 mensais no
ano passado. Nas faixas mais pobres, eram 33,5 milhões de brasileiros vivendo
com até US$ 3,20 por dia, e 15,5 milhões de brasileiros com até US$ 1,90 por
dia. Essas pessoas, no entanto, mal estão contempladas pelos benefícios que a
PEC 1/2022 cria.
A PEC tem, portanto, escasso conteúdo
social e abundantes privilégios – que, uma vez concedidos, dificilmente poderão
ser retirados sem criar ressentimentos. Logo, como a mudança constitucional
vale só até o fim do ano, supõe-se que haverá muito ressentimento em 2023. Já
os pobres, bem, estes continuarão pobres.
Ou seja, a PEC 1/2022 não é a escolha de um
caminho errado – violação das regras fiscais e eleitorais – para um fim
supostamente bom. Ao dar dinheiro para determinadas pessoas, sem nenhum
critério social, apenas por motivo eleitoral, a “PEC do Desespero” reforça
desigualdades, com a produção de novas distorções. Essa disfuncionalidade é
rigorosamente contrária ao papel do Estado, que não tem poder nem competência
para atuar assim. No seu art. 3.º, a Constituição define que um dos “objetivos
fundamentais da República” é “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais”.
Tudo isso só faz aumentar a perplexidade
perante a votação quase unânime da PEC 1/2022 no Senado. Apenas o senador José
Serra (PSDB-SP) foi contrário. Qual é o sentido de a oposição apoiar a criação
de privilégios para a base eleitoral de Jair Bolsonaro? Talvez alguém possa
achar que o aumento temporário de R$ 200 no benefício do Auxílio Brasil, também
previsto na PEC, justificaria todo o restante. No entanto, esse acréscimo,
longe de representar algum conteúdo social, só reitera a natureza eleitoreira
da “PEC do Desespero”.
O valor de R$ 200, como tudo o que parte de
Bolsonaro, foi definido arbitrariamente, sem nenhum estudo prévio nem qualquer
vinculação com as reais necessidades da população. Além disso, a implosão do
Cadastro Único, que o governo Bolsonaro vem causando, escancara o objetivo de
destituir de sentido social – de proteção da população mais vulnerável – todas
as políticas públicas sociais em funcionamento para transformá-las em meras
plataformas de compra de votos. Tal aberração, vergonhosamente apoiada pela
oposição, não merece nenhuma condescendência.
Bolsonaro, o birrento
O Estado de S. Paulo
Ao cancelar reunião com o presidente de Portugal de modo grosseiro, Bolsonaro confirma que não pensa no País, só em si
O presidente Jair Bolsonaro mostrou, mais
uma vez, que não tem estatura para ser um chefe de Estado ao ordenar que o
Ministério das Relações Exteriores cancelasse de última hora o encontro que
teria em Brasília com o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, na
segunda-feira passada. O motivo não poderia ser mais mesquinho: tratou-se de
uma espécie de “retaliação” de Bolsonaro ao presidente português pelo fato de
este ter se reunido com o ex-presidente Lula da Silva na véspera.
Ora, de crianças é esperado que façam birra
quando contrariadas. De adultos, não. Menos ainda de um presidente da
República, que deveria ser alguém capaz de separar muito bem as suas emoções e
interesses pessoais dos interesses do Estado e da sociedade.
A bem da verdade, a grosseria não pode nem
sequer ser classificada como um incidente diplomático. É apenas uma grosseria
mesmo. A rigor, não houve incidente algum. Afinal, todos sabem quem é
Bolsonaro, todos conhecem seus maus modos e a estreiteza de seus horizontes,
inclusive no outro lado do Atlântico.
“Quem convida para almoçar é quem decide se
quer almoçar ou não”, respondeu Marcelo Rebelo ao ser questionado sobre o
cancelamento. “Se o presidente da República Federativa do Brasil entende que
não pode, não quer ou não é oportuno (almoçar comigo), não entra na sua
programação. Eu respeito quem deixa de convidar pelas razões que queira”, disse
o presidente português, que seguiu sua agenda no Brasil mantendo encontros com
os também ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer e
prestigiando a Bienal do Livro em São Paulo, que neste ano homenageia
escritores portugueses.
Se os laços entre as duas nações irmãs não
haveriam de ser enfraquecidos pela pequenez política e diplomática de
Bolsonaro, não deixa de ser escandaloso o absoluto descaso do presidente da
República pelos interesses dos cerca de 210 mil brasileiros que vivem em
Portugal e pela manutenção de relações, se não amistosas, ao menos civilizadas
com o chefe de Estado de um país cuja relevância é enorme para o Brasil, por
razões óbvias demais para serem descritas.
Não que ainda houvesse dúvidas, mas o
episódio de descortesia com sua contraparte portuguesa é mais um a revelar que
Bolsonaro não se importa com os interesses do Brasil e dos brasileiros, tanto
os que vivem aqui como os que vivem em Portugal. No raio de alcance de sua
visão só estão seus interesses pessoais e familiares. Todas as suas ações e
omissões como chefe de Estado e chefe de governo têm sido orientadas não pelo
interesse público, mas por seus objetivos particulares, sobretudo seu interesse
eleitoral. Nesse sentido, para Bolsonaro, qualquer pessoa que se encontre com
seu principal adversário até o momento, não importa o motivo, só pode estar
conspirando contra ele.
Mas Bolsonaro passará. Muito mais do que
entre os dois chefes de Estado, as relações entre Brasil e Portugal serão para
sempre relações entre dois povos amigos, fortemente atados por laços
históricos, culturais, econômicos e afetivos.
A safra, o apetite global e as barreiras
O Estado de S. Paulo
Produtores terão substancial crédito para plantar, abastecer o País e continuar exportando, mas cresce o risco de mais protecionismo europeu, sob pretexto da preservação ambiental
Setor mais eficiente da economia
brasileira, a agropecuária terá dinheiro para continuar produzindo, na próxima
temporada, comida mais que suficiente para o mercado interno e para a
exportação, se os R$ 340,88 bilhões definidos para o crédito forem liberados a
tempo e bem aplicados. O valor fixado para o Plano Safra 2022/23 é 36% maior
que o do período anterior. Os empréstimos serão parcialmente subsidiados e isso
deverá atenuar os efeitos da elevação dos juros. Com financiamento adequado, o
agronegócio poderá continuar faturando com a crescente demanda internacional de
alimentos, prevista para aumentar ao ritmo anual de 1,4% até 2031.
Não basta, no entanto, no caso do mercado
interno, garantir produção suficiente para abastecer as bancas de feiras e as
gôndolas de supermercados. Segundo a Fundação Getulio Vargas, em 2021 cerca de
23 milhões de pessoas, 10,8% da população brasileira, estavam abaixo da linha
da pobreza, correspondente a R$ 210 per capita. Foi o quadro mais grave desde
2016. Agravada pelo desemprego, pela baixa remuneração e pela alta de preços, a
pobreza tem resultado em fome para dezenas de milhões, embora haja muito
alimento nos estoques e em oferta no varejo.
Do lado internacional, as perspectivas
continuam boas para os produtores e exportadores brasileiros. Em maio, o setor
faturou US$ 15,11 bilhões com as vendas externas. Esse novo recorde foi
facilitado pela alta das cotações. Em 12 meses houve aumento de 29,2%, segundo
a FAO, órgão das Nações Unidas para agricultura e alimentação. Inflados pela
retomada econômica pós-pandemia, esses preços tendem a recuar e a
estabilizar-se, de acordo com estudo conjunto da FAO e da Organização para
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas a demanda continuará a
crescer, puxada principalmente pelas economias emergentes e em desenvolvimento.
A oferta global de alimentos deverá
aumentar cerca de 1,1% ao ano, segundo esse relatório, e os países da América
do Sul e do Caribe terão, provavelmente, uma participação importante nesse
movimento. Um papel de relevo é previsto para o Brasil.
Se a agropecuária continuar a investir e a
modernizar-se, a participação brasileira quase certamente ficará bem acima da
taxa de crescimento – 1,1% ao ano – estimada para o conjunto. Segundo projeção
do Ministério da Agricultura, a produção nacional de grãos deverá passar de
262,1 milhões de toneladas, volume então atribuído à safra de 2020/21, para 333
milhões na temporada 2030/31, com expansão anual média de 2,4% ao ano, ou 27,1%
no período. Para a produção total de carnes foi calculado um aumento de 27,4
milhões para 34 milhões de toneladas nesse período, com variação acumulada de
24,1%.
Pelas mesmas estimativas, a área destinada
ao plantio de grãos no Brasil passará de 68,7 milhões de hectares para 80,8
milhões, com acréscimo de 17,6%. O volume colhido continuará, portanto,
aumentando muito mais que a área ocupada, como no último meio século. Os ganhos
de produtividade agrícola, no País, têm resultado principalmente do trato do
solo, condição para o aumento da produção por hectare.
Sendo poupadora de terras, a eficiência da
agricultura favorece a preservação do meio natural, incluídas, é claro, as
florestas. Conhecida há muito tempo, essa característica da produção nacional é
desprezada ou negada quando políticos, produtores e consumidores europeus
acusam os brasileiros de devastação florestal.
Essa política, mantida e expandida a serviço do protecionismo comercial, pode ser reforçada com a bandeira do desmatamento zero, recém-levantada por ministros do Meio Ambiente da União Europeia. Essa bandeira será apresentada ao Parlamento Europeu para a proibição de importações de vários produtos, incluídos carne bovina, soja, cacau, café e madeira. Não basta um bom Plano Safra. Cabe também ao poder central, por meio da diplomacia, combater o protecionismo e preservar a imagem do agronegócio, manchada principalmente, é preciso lembrar, pela política antiambiental do presidente Jair Bolsonaro.
Congresso precisa acabar com farra de
emendas do relator
O Globo
Não tem cabimento o texto da Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado na Comissão Mista de Orçamento do
Congresso, que obriga o próximo presidente da República a pagar as famigeradas
emendas do relator, também conhecidas pela sigla RP9. A ideia de, no jargão
orçamentário, torná-las “impositivas” não pode prosperar quando for analisada
pelo plenário da Câmara e do Senado. Passou da hora de quebrar a máxima “não
existe nada tão ruim que o atual Congresso não possa piorar”.
As emendas do relator já provaram ser uma
péssima maneira de alocar recursos. Foram ressuscitadas do tempo do escândalo
dos Anões do Orçamento e usadas pelo governo Jair Bolsonaro como moeda de troca
com o Legislativo. Mesmo que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha ordenado a
divulgação dos parlamentares responsáveis pela indicação das verbas, tirando
seu caráter secreto, isso não elimina a ineficiência na alocação do dinheiro.
No lugar de critérios técnicos, prevalecem apenas interesses paroquiais de
aliados do governo.
Na semana passada, o Tribunal de Contas da
União (TCU) emitiu alertas sobre o “risco de incompatibilidade do planejamento
governamental” e afirmou que a distribuição das emendas para as áreas de saúde
e assistência social “não atende a critérios objetivos previstos constitucional
e legalmente para alocação dos recursos da União nessas áreas”. O município de
Arapiraca (AL) foi citado como um dos agraciados com um montante
desproporcional. Reduto eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP),
recebeu transferências 5.230% superiores ao ano anterior.
As emendas do relator continuam a ser
usadas sem a transparência exigida pelo STF e se tornaram um celeiro de
indícios de irregularidades. Um dos principais focos é a Companhia de
Desenvolvimento do Vale do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), vinculada ao
Ministério do Desenvolvimento Regional e controlada pelo Centrão. Com a devida
investigação, é bem possível que a Codevasf ultrapasse o MEC em suspeitas de
corrupção.
Em valores atualizados a dezembro passado,
os gastos empenhados pelas emendas do relator em 2020 e 2021 somaram R$ 38,1
bilhões, num total de R$ 71,7 bilhões de todas as emendas parlamentares. Para
este ano foram previstos mais R$ 16,5 bilhões e, para o ano que vem, já se fala
em R$ 19 bilhões. O aumento de R$ 200 que será dado ao Auxílio Brasil até o fim
deste ano custa R$ 26 bilhões. Suprimir as emendas do relator teria sido uma
boa forma de no mínimo amenizar esse estouro no teto de gastos.
O Congresso tem o dever de pôr fim a elas.
Em vez disso, o senador Marcos do Val (Podemos-ES), relator da LDO, propôs
torná-las impositivas. Se o texto for aprovado, não poderão ser
contingenciadas, e seus beneficiários não poderão ser alterados (a legislação
atual não obriga a liberação e permite realocação).
A experiência do governo Bolsonaro mostrou
que é péssima ideia deixar o Orçamento para investimentos à mercê das
lideranças do Congresso, interessadas apenas em obras em seus redutos
eleitorais. O governo dispõe de recursos exíguos, precisa saber gastá-los com
critério e inteligência.
Medalha do Livro para Daniel Silveira é
nova trincheira cultural bolsonarista
O Globo
A concessão da Medalha da Ordem do Mérito
do Livro pela Biblioteca Nacional ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ),
condenado pelo Supremo por atos antidemocráticos e indultado pelo presidente
Jair Bolsonaro, somou um capítulo revoltante à guerra cultural travada contra a
esquerda pelo bolsonarismo. É um escárnio. Com a homenagem, Silveira — mais
conhecido pelo uso de armas e músculos que pelas palavras ou por pendores
literários — se junta a personalidades como Carlos Drummond de Andrade ou
Gilberto Freyre. O próprio deputado disse ao GLOBO não saber por que foi
condecorado.
Entre os homenageados estavam também
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e
parlamentares do PL. Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo que morreu em
janeiro, recebeu homenagem póstuma (este ao menos poderia argumentar ter alguma
relação com o universo dos livros).
A honraria concedida a Silveira causou
indignação até entre os próprios agraciados. Marco Lucchesi, ex-presidente da
ABL, declinou a homenagem. Disse que o presidente da República “persegue
políticas do livro e destruiu bibliotecas”. “Não participo dessa loucura e
desse surrealismo”, afirmou. A família de Drummond informou que, vivo fosse,
ele devolveria a medalha.
Não surpreende a forma como o governo usa
as instituições em prol de sua guerra cultural. Recentemente, a Fundação
Nacional do Índio (Funai) concedeu a Medalha do Mérito Indigenista a Bolsonaro,
ao ministro da Justiça, Anderson Torres, e ao presidente da fundação (e
policial), Marcelo Xavier. Nada mais contraditório num país onde falta proteção
às comunidades indígenas, como demonstrou o recente assassinato do indigenista
Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.
Aplicando de forma radical a cartilha
governista, a Fundação Palmares cancelou homenagem a quase três dezenas de
personalidades negras que não comungam com o bolsonarismo. Entre os excluídos
estão Gilberto Gil, Milton Nascimento e Elza Soares, além de adversários
políticos. No ano passado, a Câmara aprovou um projeto que suspende os efeitos
do cancelamento.
Nada escapa. Em maio, Bolsonaro vetou
projeto de lei que incluía a psiquiatra Nise da Silveira no livro “Heróis e
heroínas da pátria”. A própria Secretaria da Cultura se transformou em
trincheira da guerra cultural bolsonarista, e vetos descabidos se tornaram
comuns. Em 2020, fechou as portas da Lei Rouanet para o Festival de Jazz do
Capão, na Bahia. Motivo? O cartaz do evento anunciava o show como “antifacista
e pela democracia”.
Compreende-se que os governos queiram dar sua cara às instituições — os do PT faziam o mesmo. Mas elas não deveriam ser usadas de forma tão despudorada. Esse patrimônio não pertence a governos, mas aos brasileiros. É natural que, na lista de mais de cem agraciados com a medalha, estejam aliados de Bolsonaro. Mas concedê-la a Daniel Silveira, que nada fez em prol da instituição ou dos livros, é uma ofensa à história da Biblioteca Nacional.
Incerteza econômica põe em dúvida melhora
do emprego
Valor Econômico
O rendimento do trabalho, que está 7,2%
menor do que era em 2021, também põe em xeque a firmeza do mercado
O primeiro semestre marca uma reviravolta
no mercado de trabalho, após meses de estagnação em consequência da pandemia e
da instabilidade da economia. Dados de maio surpreenderam as expectativas e
mostram que a contratações crescem, sustentadas pela reabertura da economia,
recuperação dos negócios, especialmente dos serviços presenciais, e até pelos
salários mais baixos. Os dados positivos vieram tanto do Ministério do Trabalho
e Previdência quanto do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas
(IBGE).
Primeiro foi o Cadastro Geral de Empregados
e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho que registrou, em maio, saldo
positivo de 277 mil carteiras assinadas, acima da média projetada pelo mercado
financeiro. Os novos postos com carteira assinada foram abertos principalmente
no setor de serviços (43%), seguido por comércio (17%) e indústria (mais 17%).
De janeiro a maio, 1 milhão de postos de trabalho foram criados e o governo
prevê que o ano vai fechar com 1,5 milhão. Os números são sujeitos a revisões
que podem trazer surpresas.
A melhora foi confirmada pela Pesquisa
Nacional por Amostras de Domicílio (Pnad Contínua), levantada pelo IBGE, que
inclui empregos informais, e constatou a queda na taxa de desemprego para 9,8%
no trimestre móvel de março a maio, em comparação com os 10,5% dos três meses
anteriores, de fevereiro a abril. O desemprego ficou menor do que o mercado
esperava. A taxa é a menor para maio desde 2015, quando o país entrou em
período de recessão que durou dois anos. Caiu para o patamar de um dígito pela
primeira vez desde o início de 2016, quando escalou para os dois dígitos, mesmo
depois de o PIB voltar ao terreno positivo, em 2017, até agora.
A taxa estava em 11,8% no trimestre
encerrado em fevereiro de 2020, último antes de qualquer impacto da pandemia no
país. A partir daí, se acelerou e atingiu 14,9% no trimestre encerrado em março
de 2021, recorde de toda a série histórica da pesquisa, iniciada em 2012. Nessa
penosa montanha-russa para os trabalhadores, voltou a declinar lentamente nos
meses seguintes, melhorando neste ano, quando o aumento da vacinação conteve a
pandemia e permitiu a reativação dos negócios.
Algumas instituições financeiras acreditam
que o desemprego pode diminuir ainda mais nos próximos meses, mas deve voltar a
subir até o fim do ano, podendo retomar os dois dígitos. Um dos motivos é o aumento
da taxa de participação da população em idade de trabalhar no mercado de
trabalho. Antes da pandemia, em 2019, ela chegou a 63,7%. Depois caiu e ficou
ao redor de 62% desde o segundo semestre de 2021 e subiu agora para 62,7%. A
redução do desemprego apesar do aumento da participação é um fator que denota a
força do mercado de trabalho. No entanto, o contingente de desempregados e de
desalentados ainda é elevado e a movimentação dessas pessoas vai testar essa
firmeza do mercado.
Segundo a Pnad Contínua, no trimestre
terminado em maio, o número de pessoas ocupadas alcançou 97,5 milhões, 9,4
milhões a mais do que um ano antes, e recorde da série da pesquisa, iniciada em
2012. Os desempregados somaram 10,6 milhões, 4,6 milhões a menos do que no
mesmo período do ano anterior. Mas há 4,3 milhões de desalentados, que nem
buscam emprego por acreditar que não vão encontrar. Se forem incluídos os que
gostariam de trabalhar mais, chega a 25,4 milhões o número de subutilizados,
que podem pressionar o mercado. O governo defende sua política econômica e diz
que 14,9 milhões de empregos foram criados desde agosto de 2020, mas ainda há
2,8 milhões fora do mercado na comparação com os números anteriores à pandemia.
O nível elevado da informalidade, apesar do
crescimento do número de empregados com carteira assinada, é um ponto fraco. No
setor privado, os empregados com carteira assinada somam 35,6 milhões, 3,8
milhões a mais do que um ano antes. Os informais seguem em número maior e
chegaram a 39,1 milhões de pessoas, ou 40,1% da população ocupada, incluindo
quem trabalha por conta própria sem CNPJ.
O rendimento do trabalho, que está 7,2% menor do que era em 2021, também põe em xeque a firmeza do mercado. Se, por um lado, os salários mais baixos animam as contratações, de outro, denotam que o mercado não está tão firme quanto indicam outros números. A inflação elevada também contribui para corroer a renda dos trabalhadores. Mas a principal preocupação e ameaça ao emprego é a situação da economia, que pode perder fôlego à medida que fizer efeito o aperto monetário, freando a recuperação do mercado de trabalho.
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