O Globo
O Senado aprovou a PEC Kamikaze. Sem surpresa: um Senado que, para ser Senado,
para instaurar uma CPI, direito da minoria, precisa da vara do Supremo. O
Senado da CPI da Covid, de tantas provas contra o governo, o mesmo Senado que
reconduziu Aras — o empecilho a que o material coletado resulte em denúncia —
ao comando do Ministério Público Federal.
Esse Senado — gostosamente emparedado pelo
ardil populista — tinha de aprovar a PEC Kamikaze.
Assim votaram os senadores, em síntese: o
projeto é inconstitucional, transtorna o já precário equilíbrio econômico na
disputa eleitoral, é nocivo para a previsibilidade fiscal, de resto tratorando
o rito de tramitação parlamentar que materializa a própria atividade política;
mas logo vem a eleição, tenho medo de perder e voto sim.
É PEC golpista — J’accuse! Voto sim.
Parabéns aos rebolantes. Mulheres e homens
públicos incapazes de ir a campo para defender posição impopular. A exceção,
honrosa e lúcida, foi José Serra — que não disputará reeleição e, parece, não
mais concorrerá a cargos eletivos.
Na forma e no conteúdo, o Senado fiou a
irresponsabilidade — não somente fiscal — de governos com vocação autoritária;
de Bolsonaro ou de qualquer outro.
Todo mundo ali sabe — ou já deveria saber, não sendo burro ou cínico — como procede o bolsonarismo no poder, manobrando com o tempo e os limites legais, empurrando aos outros a tomada de decisão, jogando com a urgência da pobreza, manipulando pressões, forjando impasses, impondo fatos consumados.
Era possível — necessário — se antecipar. A
crise dos combustíveis não surgiu agora, a três meses da eleição. A três meses
da eleição surge apenas desespero. A crise não é consequência da agravante
invasão da Ucrânia. Remonta — se pensarmos na história da bateção de pezinhos
por Bolsonaro — ao começo de 2021, do que resultou a queda do presidente da
Petrobras, o primeiro de uma sequência de três ceifados em menos de ano e meio.
O que se fez desde então, senão espuma e
gambiarra? O que não se fez, para que se chegasse ao oportunismo de fabricar
estado artificial de emergência?
Na ausência de governo, onde estava o
Senado? Onde estava ativamente, que não na gestão do orçamento secreto, para
articular medidas sustentáveis e circunstancias em benefício dos pobres? Só
conseguiu se mobilizar sob a vara do Planalto, no improviso?
Naquela ocasião, com um 2021 inteiro
adiante, não se feriria a Lei Eleitoral. E o ataque à Lei Eleitoral é grave.
Que trilha ficará formalizada para que candidato à reeleição, já com a vantagem
de estar sentado na cadeira de presidente, acione estados emergenciais e se
alavanque?
Não será atentado a cláusulas pétreas da
Constituição uma emenda que perverte a paridade de armas na peleja eleitoral?
Estão os senadores preocupados em defender o sistema eleitoral, as urnas
eletrônicas, das agressões de Bolsonaro? E que violência à saúde do processo
eleitoral pode ser maior do que essa lançada por uma autorização legislativa a
que o governo de turno, instituindo a desigualdade na derrama de créditos
extraordinários, torre pelo menos R$ 60 bilhões daqui até o fim do ano?
Que estado de emergência é esse, defendido
por um governo cujo Ministério da Economia apostou que não haveria segunda onda
da peste, negligenciou a compra de vacinas e chancelou — em dezembro de 2020,
ante, aí sim, calamidade orgânica inescapável — o fim do auxílio emergencial,
que só voltaria, no susto, em abril de 2021?
Que estado de emergência é esse, se o
Ministério do Banco Central — que só recentemente passou a exercer algo da
independência conquistada há mais de ano — ignorava o enraizamento da inflação
e lhe oferecia, na forma de juros de 2% (até março de 2021!), mais
profundidade?
Esse é o estado de emergência — puxadinho
de incompetentes, embusteiros e pilantras — que o Senado aprovou. Emergência
para quem? Para quê?
O Senado aprovou a PEC Kamikaze de Paulo
Guedes, o do estado de desespero. Quer dizer: a PEC, originária do Senado, que
era kamikaze, suicida, no começo de 2022, a PEC do descalabro fiscal, isso de
acordo com o ministro, mas que de repente se tornou solução para a criatividade
liberal do resistente Guedes, aquele — injustiçado — que nos protege da
alternativa pior. Qual seria?
O que seria pior do que um ministro da Economia
que contrata mais inflação e mais juros — que destelhou o teto de gastos e
aterrou a Lei de Responsabilidade Fiscal, o pai da PEC dos Precatórios, matriz
do bundalelê — para dar competitividade artificial a um projeto autocrático de
dilapidação da República como o de Bolsonaro? (Não estará mui distante daquele
Plano Marshall de Braga Netto...)
Pior que um ministro da Economia cuja servidão dá nisso só um Senado cuja covardia anaboliza — maquiagem que os pobres pagarão em fome — a musculatura de um projeto autocrático de dilapidação da República como o de Bolsonaro.
Um comentário:
Como diz o outro,isso é uma vergonha!
Postar um comentário