segunda-feira, 1 de agosto de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

A rejeição feminina a Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

É provável que ela seja fruto menos de suas ofensas e mais de seu desgoverno, que prejudicou a vida de mulheres responsáveis pelo bem-estar familiar num ambiente de privação

Todas as pesquisas eleitorais apontam que o índice de rejeição a Jair Bolsonaro é expressivamente maior entre mulheres do que entre homens. À primeira vista, o dado pode suscitar uma conclusão óbvia e, por isso mesmo, incompleta. Seria uma resposta a um presidente que não perde a chance de proferir piadas machistas ou reproduzir discursos misóginos. Essa atitude de Bolsonaro, no entanto, precede a vitória que o presidente obteve no pleito de 2018 – e, se essa visão fosse majoritária, ele jamais teria se sagrado vencedor da disputa em um país em que as mulheres são maioria.

Poucos são os que exploram com profundidade as razões por trás dessa avaliação tão negativa. Um deles foi o cientista político Felipe Nunes, diretor do instituto de pesquisas Quaest. Em entrevista à jornalista Thaís Oyama, do UOL, ele sugeriu que a resposta pode estar no papel central que as mulheres têm no gerenciamento doméstico e na relevância que o eleitorado feminino dá a políticas públicas.

Pagar contas, fazer compras e administrar um lar não é uma atribuição exclusiva das mulheres, mas é inegável que a divisão de tarefas entre a maioria dos casais não é equilibrada, algo que transcende a questão da renda. Portanto, é sobre as mulheres, sobretudo as mães, que recai a responsabilidade de lidar com um orçamento doméstico apertado ante a alta dos preços, de administrar a escassez quando o desemprego afeta a família e de recorrer a serviços públicos de qualidade duvidosa para cuidar da saúde e da educação dos filhos.

É certo que isso ajuda a explicar o fracasso das tentativas de aproximação que Bolsonaro faz com esse público. Há poucos dias, num almoço com cerca de 50 empresárias em São Paulo, o presidente disse que em seu governo as mulheres “praticamente conseguiram quase tudo que queriam”. Diante de um público previamente selecionado composto por simpatizantes, Bolsonaro foi aplaudido, mas certamente não seria se ali estivessem algumas das inúmeras mulheres anônimas que têm escassa ajuda para enfrentar o desafio de cuidar da família num cenário de carestia e de serviços públicos precários.

É incerto que essas eleitoras rejeitem Bolsonaro porque o presidente faz declarações consideradas ofensivas às mulheres; afinal, Bolsonaro venceu a eleição de 2018 com expressiva votação feminina, inclusive entre as mais pobres, mesmo demonstrando pouco respeito pelas mulheres. O mais provável é que a robusta rejeição feminina a Bolsonaro no momento seja resultado de seu desgoverno, que prejudicou diretamente a vida de mulheres responsáveis pelo bem-estar familiar num ambiente de privação. 

Bolsonaro, hoje, não tem como vender às mulheres o sonho de um futuro melhor, como faz o petista Lula da Silva, porque foi incapaz de resolver as questões do presente. Nesse sentido, é irrelevante fazer um inventário das leis e políticas públicas aprovadas pelo presidente, como fez a primeira-dama Michelle Bolsonaro no lançamento da candidatura do marido, a título de provar a preocupação dele com as mulheres. Pouco importa se foram 46 iniciativas, como apontou uma reportagem do Estadão, ou 70, como disse a primeira-dama. Nenhuma delas teve impacto significativo na vida das mulheres.

Para piorar, Bolsonaro estragou o que de fato tinha relevância para as mulheres pobres: o programa de transferência forçada de renda. Ao desejar ardentemente capturar para si o maior ativo eleitoral do PT, o Bolsa Família, o presidente destruiu o espírito do programa, que era o foco em quem mais precisava do dinheiro. Agora, o programa bolsonarista, chamado de Auxílio Brasil, em vez de priorizar as mães que são chefes de família e que têm mais filhos pequenos, paga o mesmo valor a todos, inclusive homens que vivem sozinhos. Além disso, em vez de aumentar o benefício pago a mulheres pobres que chefiam famílias, ele optou por privilegiar categorias em que a presença feminina é absolutamente minoritária, como caminhoneiros e taxistas.

Bolsonaro está coberto de razão quando afirma que as eleitoras estão à procura de um presidente, não de um casamento. Ser presidente requer governar. Mais que uma questão ideológica ou mera antipatia, a rejeição feminina expressa a disfuncionalidade de seu governo e seu fracasso como presidente.

O bumerangue fiscal

O Estado de S. Paulo

Custo da corrosão das finanças de Estados e municípios, promovida pelo governo federal em projetos populistas, recairá sobre a própria União, a quem cabe cobrir eventuais calotes 

O Maranhão deu a largada para uma reação mais do que esperada dos governadores contra a perda de receitas imposta à força pelo presidente Jair Bolsonaro. O Estado foi o primeiro a pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o pagamento de dívidas garantidas pela União. Ao analisar o caso, o ministro Alexandre de Moraes concordou com os argumentos do Estado e considerou que as leis que impuseram um teto para o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis e mudaram a base de cálculo do tributo devem acarretar “um profundo desequilíbrio na conta dos entes da federação”. Com um pedido semelhante, Alagoas também obteve uma liminar, e é questão de tempo para que outros Estados também apelem ao Supremo. É a crônica de um desastre anunciado, que certamente vai custar muito caro para o País.

O aumento da arrecadação dos Estados não é algo estrutural – está relacionado a efeitos temporários, caso do aumento dos preços do petróleo e derivados em razão da guerra na Ucrânia. Qualquer presidente responsável e dotado de articulação política veria nesse contexto uma oportunidade para liderar esforços pela aprovação de uma ampla reforma para simplificar e unificar impostos, eliminar regimes especiais e garantir uma tributação progressiva com vistas a impulsionar o crescimento econômico. Por óbvio, as negociações são difíceis, mas é mais fácil chegar a um acordo quando as partes envolvidas estão com o caixa cheio. O governo federal, no entanto, fez exatamente o contrário. Usou os combustíveis como pretexto para iniciar uma campanha difamatória contra os governadores, jogou Câmara e Senado contra os Estados e optou pela chantagem pública. Encurralados pela disputa eleitoral, os governadores não quiseram correr o risco de serem vistos como inimigos. De forma irresponsável, decidiram se antecipar e arcar com as perdas. Agora que a conta começou a chegar, recorreram ao socorro do STF.

São várias as consequências desse improviso tributário generalizado. Para começar, suas consequências são definitivas: tanto a imposição do teto de 17% quanto a mudança na base de incidência do ICMS continuarão a vigorar mesmo que os preços do petróleo eventualmente despenquem de uma hora para outra. Muitos Estados que iriam encerrar o ano com as contas no azul já projetam um déficit, e investimentos em saúde e educação, que fazem diferença na vida da população mais carente, terão de ser reduzidos. Os municípios, que historicamente têm contas mais ordenadas, podem em breve se tornar uma nova fonte de problemas financeiros, já que uma parte da arrecadação de ICMS fica com os prefeitos. Após anos de negociação para aderir a planos de recuperação fiscal, os Estados mais endividados, como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Goiás e Minas Gerais, dificilmente conseguirão atingir uma trajetória de equilíbrio das contas públicas no médio prazo. O fato de que os acordos foram fechados considerando receitas que não mais se realizarão abre margem para que as contrapartidas com as quais eles haviam se comprometido tampouco sejam cumpridas, como o veto a reajustes de servidores, a aprovação de reformas e a privatização de estatais.

Ainda que sejam tratados como inimigos por Bolsonaro, Estados e municípios são parte da Federação. Sem autorização para emitir dívida, eles não têm muitas alternativas para arrecadar receitas a não ser a cobrança de impostos – como vinham fazendo por meio do ICMS sobre bens essenciais – ou com empréstimos em instituições financeiras públicas e multilaterais. Essas operações, no entanto, precisam do aval do Tesouro Nacional, e, em caso de calote, quem herda a conta é a União. É o que deve ocorrer se todos os Estados que apelarem ao STF tiverem sucesso em seus pleitos. É, portanto, um despropósito que Bolsonaro tenha atuado para corroer as finanças de Estados e municípios quando sabe (ou deveria saber) que o custo dessa política recairá sobre o próprio governo federal. O desastre fiscal dos entes federativos é, em última instância, a ruína do País.

Superávit para inglês ver

O Estado de S. Paulo

Numa homenagem involuntária a Mantega, Guedes antecipa o recebimento de dividendos para maquiar contas

Os resultados das empresas estatais serão usados para tentar salvar a honra de um governo que se elegeu com a promessa de zerar o déficit nominal das contas públicas privatizando essas mesmas empresas estatais. O Executivo pediu a Petrobras, Caixa, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco do Brasil que antecipem o pagamento de dividendos para ajudar a União a fechar o ano com um superávit primário – ou seja, um saldo positivo entre receitas e despesas, sem contabilizar o pagamento dos juros da dívida.

Revelada pelo Estadão, a informação foi confirmada pelo secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves Colnago. Longe de ser uma estratégia nova, a antecipação de dividendos foi um recurso muito utilizado por administrações anteriores. Era assim que as contas fechavam no azul nos tempos da presidente Dilma Rousseff. Os números exprimiam o resultado do arsenal de manobras que ficou conhecido como contabilidade criativa. Não enganavam ninguém, mas a ironia do destino é que uma administração pretensamente liberal recorra às mesmas práticas que devastaram as contas públicas no passado recente.

Quem diria que o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, conhecido pela heterodoxa nova matriz econômica, serviria de inspiração ao ministro da Economia, Paulo Guedes? A aposta em políticas públicas caras e ineficazes foi uma tentativa de criar uma marca para o governo Dilma. Incluiu, também, medidas para controlar os preços de combustíveis e energia, desonerações sem critério ou contrapartida e intervenções que evidentemente prejudicavam os resultados das estatais. O conjunto da obra conteve a inflação em 2014 e garantiu à ex-presidente um segundo mandato, mas a um custo elevado e pago, sobretudo, pelos mais pobres. A conta não demorou a chegar, e já em 2015 o IPCA atingiu 10,67%, o maior índice desde 2002. Guardadas as diferenças na forma em que essas medidas foram colocadas em prática, o roteiro é o mesmo e o balanço final parece – e muito – com a herança que o presidente Jair Bolsonaro deixará para seu sucessor. Não é coincidência, mas consequência da mesma gastança disfarçada de superávit e orientada por pesquisas eleitorais.

Impulsionada pela inflação, a arrecadação, aliada ao finado teto de gastos, seria mais do que suficiente para que o governo atingisse o superávit primário sem esforço. Mas o Executivo abriu mão de R$ 71,1 bilhões em receitas com desonerações e, em paralelo, autorizou gastos de R$ 41,2 bilhões com a PEC Kamikaze. Agora, precisará limpar o caixa das estatais para conseguir receber já algo que só entraria no Orçamento de 2023, avançando sobre recursos que muito provavelmente estariam nas mãos de outro presidente. Para isso, suprema das ironias, contará com a ajuda fundamental da outrora vilã Petrobras, que, tudo indica, aprovará a distribuição antecipada de R$ 40 bilhões a seus acionistas, a maior parte para a União, resultado de seu lucro – aquele que foi definido recentemente como “absurdo e inadmissível” por Bolsonaro.

Troca de marcha

Folha de S. Paulo

Retomada da atividade econômica deve perder ritmo em meio a tensões da eleição presidencial

Surpresas e intervenções do governo devem fazer a economia crescer muito mais em 2022 do que se previa no fim do ano passado. As perspectivas para 2023 pioraram bastante, porém. No meio desse caminho, disputa-se a eleição mais tensa desde a redemocratização.

Não faz muito tempo, imaginava-se que a atividade econômica estaria em declínio a esta altura. O prognóstico mais comum, no momento, é que não deve haver até outubro mudança a ponto de alterar as percepções do eleitorado.

Em abril, as projeções de economistas privados compiladas pelo Banco Central apontavam crescimento de apenas 0,5% neste ano. As previsões mais recentes convergem para uma alta de 2%.

Parte da revisão se deve a estímulos transitórios e gastos públicos extraordinários. Aumentou o valor do Auxílio Brasil, houve grandes reduções de impostos e o saque extra das contas do FGTS, por exemplo.

Houve também imprevistos. O número de pessoas empregadas cresceu muito além do projetado. A taxa de desemprego cai rapidamente e deve ficar perto de 8% no fim do ano, o melhor resultado desde 2014.

A média do valor real dos salários, porém, ainda é a menor da década, e a soma dos rendimentos do trabalho é a mesma de 2019. O surto inflacionário, que ora arrefece, explica em parte a contenção dos salários e o mal-estar econômico persistente, apesar de haver mais gente com trabalho.

A receita do governo federal é outro indício de que algo mais se movimenta na economia. Nos últimos 12 meses, cresceu quase 24% em termos reais. A alta dos preços das commodities explica boa parte do influxo excepcional de recursos.

A receita bruta equivalia em junho a 23,9% do PIB, apenas um pouco menor do que a verificada em alguns meses de 2010 e 2011 —quase um recorde em 25 anos.

Mas commodities estão longe de explicar o bom resultado das empresas, ao menos o expresso no pagamento de impostos e no nível moderado, mas persistente, de confiança empresarial.

Até dezembro, a inflação deve recuar das proximidades de 12% para pouco mais de 7% ao ano, graças à intervenção artificial do governo. Assim, espera-se que a taxa básica de juros, a Selic, encerre este ano em 13,75% ou 14%, mas permaneça na casa dos 11% até fins de 2023.

A incerteza política e fiscal, o peso dos juros e a desaceleração da economia mundial devem estabilizar o ritmo da atividade e fazê-la arrefecer no último trimestre.

A eleição presidencial ocorrerá nesse momento morno da atividade. Quanto à política, o jogo da economia e dos estelionatos eleitorais parece quase todo jogado. O debate a fazer será de interpretações do que se passou e visões de futuro.

Pragmatismo partidário

Folha de S. Paulo

Fraqueza da terceira via antecipa articulações em busca de influência política no próximo governo

Numa eleição presidencial em que as preferências do eleitorado, com antecedência inédita, consolidam-se em torno de dois candidatos, as agremiações e postulantes que apostavam na perspectiva de uma terceira via estão em situação difícil.

Nada indica que em dois meses o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o presidente Jair Bolsonaro (PSL) cederão terreno para candidaturas alternativas.

Nesse cenário, partidos como o MDB e a União Brasil, cujos candidatos ao Planalto colhem resultados pífios nas pesquisas, começam a tratar daquilo que de fato lhes interessa: garantir lugar na mesa das negociações do próximo governo com o futuro Congresso.

No MDB, a candidatura da senadora Simone Tebet (MS) foi confirmada poucos dias depois de uma legião de caciques do partido ter manifestado apoio à chapa de Lula e Geraldo Alkmin (PSB).

Com 2% das intenções de voto na mais recente pesquisa Datafolha, Tebet não obteve a adesão do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) à sua chapa e não consegue conter as articulações dos correligionários.

Na mesma linha, a União Brasil movimenta-se em busca de reposicionamento. Presidente da sigla e ex-aliado de Bolsonaro, o deputado Luciano Bivar (PE) indicou neste domingo (31) que abandonará suas pretensões presidenciais para buscar novo mandato na Câmara.

A legenda não deverá se comprometer com ninguém agora, mas a saída de Bivar da disputa principal se dá após tratativas com o próprio Lula, que tenta desde já mover as peças com as quais espera contar no novo Congresso se for eleito.

Note-se ainda a ironia da situação. Na União Brasil, Bivar foi o padrinho da filiação do ex-juiz Sergio Moro, que mandou Lula para a prisão nos tempos da Operação Lava Jato e nos últimos meses viu suas ambições políticas se esfarelarem.

Antecipam-se, assim, sob o signo do pragmatismo, articulações que em outras eleições só ganhavam impulso com a definição do resultado das urnas —quadro nada auspicioso para a dita terceira via.

Ciro Gomes (PDT), o postulante mais bem situado nas pesquisas depois dos dois primeiros colocados, está estacionado no terceiro lugar, com 8% das preferências.

Se o poder de atração exercido pelos principais contendores parece irresistível para os partidos, é de se lamentar o empobrecimento do debate eleitoral que a ausência de outras candidaturas competitivas decerto acarretará.

Retrocesso na psiquiatria é inadmissível

O Globo

Governo Bolsonaro sufoca rede de assistência, enquanto dá recursos a manicômios, condenados pela OMS

Foi um avanço no tratamento das doenças mentais o movimento surgido no início dos anos 1970 com o apoio de recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em vez de submeter os pacientes às práticas desumanas que vigoravam nos tradicionais “manicômios”, uma lei de 2001 modernizou a psiquiatria brasileira ao estabelecer o tratamento preferencial fora desses hospitais psiquiátricos, como recomendava a OMS. Mais de duas décadas depois, mesmo que o modelo tenha se mostrado o mais indicado para os doentes mentais e viciados em drogas, o governo Jair Bolsonaro tem promovido ações que desafiam a própria lei.

A prova mais recente dessa perigosa mudança de política foi revelada pelo Jornal Hoje, da TV Globo. Trata-se de um edital da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da Cidadania, para distribuir R$ 5,7 milhões entre 19 hospitais psiquiátricos, enquanto a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), constituída pelos centros que fazem atendimento não hospitalar de doentes mentais e viciados, é deixada à míngua e enfrenta dificuldades pela falta de recursos. A discriminação financeira tem o objetivo claro de, por motivo ideológico, sufocar a estrutura de atendimento multidisciplinar e comunitário, em favorecimento dos hospitais psiquiátricos.

Entre os hospitais que deverão receber dinheiro do governo estão instituições sob investigação. É o caso do Sanatório Maringá, no Paraná, contra o qual há 12 ações instauradas pelo Ministério Público para investigar mortes e denúncias de que pacientes ficam em isolamento permanente. Isso não impediu que o secretário nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, Quirino Cordeiro, certificasse em abril o Sanatório Maringá como estabelecimento de referência no tratamento de doenças mentais e dependentes químicos.

O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) exige que o edital seja suspenso por ir contra a Política Nacional de Saúde Mental e por desrespeitar o sistema de atendimento em base comunitária e suas redes. Não poderia haver mesmo maior retrocesso do que levá-lo adiante.

Antes da reforma iniciada nos anos 1970, os pacientes eram alvos frequentes de maus-tratos e muitos ficavam internados pelo resto de sua vida. A cidade de Barbacena, Minas Gerais, foi apelidada “cidade dos loucos”, devido à abertura de diversos estabelecimentos para doentes mentais, em razão do clima ameno. No Hospital Colônia de Barbacena, entre as décadas de 1960 e 1980, estima-se que 60 mil pacientes tenham morrido de frio, fome e choques elétricos, terapia comum para doentes mentais. O episódio, lembrou ao Jornal Hoje o psiquiatra Dartiu Xavier, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ficou conhecido como “holocausto brasileiro”. É inaceitável uma política pública que aumente o risco de que tragédias assim se repitam.

Denúncia de assédio na Caixa serve de alerta para todas as empresas

O Globo

Ministério Público do Trabalho abriu inquérito para apurar as acusações contra o ex-presidente do banco

É oportuno o inquérito aberto pelo Ministério Público do Trabalho para apurar as denúncias de assédio sexual e moral contra o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães. A medida permite acesso a documentos, a realização de perícias ou inspeções nas instalações do banco. Caso as acusações sejam confirmadas, é fundamental que haja punição exemplar — ao contrário do que costuma acontecer em casos do tipo.

O escândalo na Caixa deveria servir de exemplo ao mundo corporativo, onde é comum chefes usarem a posição hierárquica para espalhar o terror entre subalternos e assediar subalternas, degradando o ambiente de trabalho em prejuízo da corporação. O próprio Guimarães foi, segundo os relatos, acobertado por quase três anos e meio, graças à proximidade do presidente Jair Bolsonaro, ao lado de quem apareceu em inúmeros eventos e lives.

Uma pesquisa da Mindsight, empresa de softwares de gestão de recursos humanos, com 11 mil pessoas em todo o país, constatou que 34% dos entrevistados já haviam sido vítimas de assédio moral, e 10,5% de sexual. Entre as mulheres, 38% relataram ter sofrido assédio moral e 15,4% sexual. Entre os homens, 30,1% e 5,3%. Apesar disso, é pequena a proporção dos funcionários que encaminharam denúncia: 6,5% de assédio moral e 2,1% de sexual.

Isso ocorre porque as empresas estão despreparadas para lidar com a questão. Quase dois terços (65%) não têm sistema para ouvir os funcionários. Só 25% dos entrevistados disseram haver apoio, menos de 10% o consideram eficiente. Não há confiança de que as vítimas terão garantia de confidencialidade no relato, daí a resistência dos funcionários a denunciar o assédio.

Toda empresa de porte, estatal ou privada, deveria dispor de mecanismos para combatê-lo. No mínimo, uma ouvidoria a que os funcionários possam recorrer sem medo de retaliação. Também é importante que ela tenha independência para promover as investigações necessárias. Na Caixa havia uma ouvidoria — chamada Corregedoria —, mas ela era subordinada à presidência, quer dizer, ao próprio transgressor. Ao assumir a Caixa, a nova presidente, Daniella Marques, transferiu a subordinação ao Conselho de Administração. Melhor assim.

A realidade exibida em pesquisas como a da Mindsight é muito diferente do mundo ideal em que homens e mulheres dividem o mesmo espaço de trabalho sem agressão. Já há algum tempo, duas palavras de ordem no âmbito dos recursos humanos são a colaboração entre os funcionários e o aprendizado coletivo, sustentados numa relação de confiança que independa da hierarquia. Os executivos precisam construir e zelar por um ambiente de trabalho em que não haja espaço para assédio de qualquer tipo.

“Declaração de Brasília” reforça defesa da democracia

Valor Econômico

Ministro da Defesa brasileiro assina Carta Democrática Interamericana e a Carta da OEA

Sinais relevantes vieram da caserna na semana passada, em meio aos frequentes ataques do presidente Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro.

O chefe do Poder Executivo segue em sua cruzada contra um sistema eleitoral reconhecidamente hígido e seguro. Elogiadas por organizações multilaterais e outras nações, por aqui as urnas eletrônicas tornaram-se alvo prioritário de um político que, por meio delas, foi eleito seguidas vezes nas últimas décadas. Bolsonaro nunca apresentou provas que pudessem sustentar seu discurso e, não bastasse, de forma crescente insinua que deve questionar o resultado das eleições, caso o sistema não seja alterado antes do pleito.

Diante de um cenário que demanda atenção, a sociedade civil decidiu se mobilizar: um manifesto em defesa da democracia ganhou milhares de adesões com rapidez. Entre elas, assinaturas de personagens relevantes do empresariado e do mercado financeiro. Trata-se de um movimento importante e necessário, uma vez que a mobilização da sociedade é fundamental para demonstrar que aventuras antidemocráticas não terão respaldo além das bolhas mais radicais.

Mas é preciso, também, que as instituições passem a agir de forma mais assertiva. Por isso que não se deve ignorar o que ocorreu na capital federal na semana passada, no mesmo período em que vozes importantes da sociedade civil se manifestavam.

Reunidos na XV Conferência de Ministros da Defesa das Américas (CDMA), representantes dos países da região, inclusive o brasileiro Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, assinaram um documento conjunto reafirmando o compromisso de todos em “respeitar plenamente” a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA), assim como a Carta Democrática Interamericana e seus valores, princípios e mecanismos. O documento foi batizado de “Declaração de Brasília”, o que lhe dá ainda maior simbolismo devido ao momento histórico pelo qual passa o Brasil.

Oriundo do Exército, o ministro tem endossado dúvidas do presidente em relação ao sistema eleitoral. Recebeu a missão de defender as mudanças propostas pelo chefe e assim tem feito, mas, em frente a seus pares, manifestou total respeito em relação à democracia tanto na abertura do encontro como em seu encerramento.

Na quarta-feira, foi a vez de o general Luís Carlos Gomes Mattos, presidente do Superior Tribunal Militar (STM), posicionar-se após a solenidade que marcava sua aposentadoria da Corte. A jornalistas, ele afirmou que a Justiça Eleitoral é a responsável pelo funcionamento do pleito, acrescentando que a missão dos militares “é diferente”. “Nós não temos que nos envolver em nada. Temos que garantir que o processo seja legítimo. Essa é a missão das Forças Armadas”, pontuou. O general também destacou que os militares “vão atuar dentro daquilo que está previsto” para garantir a segurança de todos nas eleições.

Ambos foram precedidos pelo comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, que em maio assegurou que a Força Aérea Brasileira vai respeitar a lei, qualquer que seja o resultado das eleições. “A FAB é legalista, vamos cumprir as leis”, disse Baptista Júnior, durante um café da manhã com jornalistas em que apresentou os principais projetos estratégicos da FAB. Ele lembrou, ademais, que as Forças realizam em todas as eleições a operação para assegurar que os pleitos ocorram em clima de tranquilidade.

É o que se espera das Forças Armadas, instituições de Estado que devem se afastar de interesses de governos e partidos políticos.

No artigo 142 da Constituição Federal, frequentemente mal interpretado por entusiastas de regimes autoritários, fica clara a determinação dada aos militares: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Isso está longe de alçar as Forças Armadas à condição de poder moderador ou dar legitimidade a algum tipo de intervenção militar.

Tal visão parece estar clara para oficiais da ativa, mas poderia ser mais verbalizada. Assim, os sinais corretos seriam passados a grupos mais radicais.

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