Editoriais / Opiniões
A rejeição feminina a Bolsonaro
O Estado de S. Paulo
É provável que ela seja fruto menos de suas ofensas e mais de seu desgoverno, que prejudicou a vida de mulheres responsáveis pelo bem-estar familiar num ambiente de privação
Todas as pesquisas eleitorais apontam que o
índice de rejeição a Jair Bolsonaro é expressivamente maior entre mulheres do
que entre homens. À primeira vista, o dado pode suscitar uma conclusão óbvia e,
por isso mesmo, incompleta. Seria uma resposta a um presidente que não perde a
chance de proferir piadas machistas ou reproduzir discursos misóginos. Essa
atitude de Bolsonaro, no entanto, precede a vitória que o presidente obteve no
pleito de 2018 – e, se essa visão fosse majoritária, ele jamais teria se
sagrado vencedor da disputa em um país em que as mulheres são maioria.
Poucos são os que exploram com profundidade
as razões por trás dessa avaliação tão negativa. Um deles foi o cientista
político Felipe Nunes, diretor do instituto de pesquisas Quaest. Em entrevista
à jornalista Thaís Oyama, do UOL, ele sugeriu que a resposta pode estar no
papel central que as mulheres têm no gerenciamento doméstico e na relevância
que o eleitorado feminino dá a políticas públicas.
Pagar contas, fazer compras e administrar um lar não é uma atribuição exclusiva das mulheres, mas é inegável que a divisão de tarefas entre a maioria dos casais não é equilibrada, algo que transcende a questão da renda. Portanto, é sobre as mulheres, sobretudo as mães, que recai a responsabilidade de lidar com um orçamento doméstico apertado ante a alta dos preços, de administrar a escassez quando o desemprego afeta a família e de recorrer a serviços públicos de qualidade duvidosa para cuidar da saúde e da educação dos filhos.
É certo que isso ajuda a explicar o
fracasso das tentativas de aproximação que Bolsonaro faz com esse público. Há
poucos dias, num almoço com cerca de 50 empresárias em São Paulo, o presidente
disse que em seu governo as mulheres “praticamente conseguiram quase tudo que
queriam”. Diante de um público previamente selecionado composto por
simpatizantes, Bolsonaro foi aplaudido, mas certamente não seria se ali
estivessem algumas das inúmeras mulheres anônimas que têm escassa ajuda para
enfrentar o desafio de cuidar da família num cenário de carestia e de serviços
públicos precários.
É incerto que essas eleitoras rejeitem
Bolsonaro porque o presidente faz declarações consideradas ofensivas às
mulheres; afinal, Bolsonaro venceu a eleição de 2018 com expressiva votação
feminina, inclusive entre as mais pobres, mesmo demonstrando pouco respeito
pelas mulheres. O mais provável é que a robusta rejeição feminina a Bolsonaro
no momento seja resultado de seu desgoverno, que prejudicou diretamente a vida
de mulheres responsáveis pelo bem-estar familiar num ambiente de
privação.
Bolsonaro, hoje, não tem como vender às mulheres
o sonho de um futuro melhor, como faz o petista Lula da Silva, porque foi
incapaz de resolver as questões do presente. Nesse sentido, é irrelevante fazer
um inventário das leis e políticas públicas aprovadas pelo presidente, como fez
a primeira-dama Michelle Bolsonaro no lançamento da candidatura do marido, a
título de provar a preocupação dele com as mulheres. Pouco importa se foram 46
iniciativas, como apontou uma reportagem do Estadão, ou 70, como disse a
primeira-dama. Nenhuma delas teve impacto significativo na vida das mulheres.
Para piorar, Bolsonaro estragou o que de
fato tinha relevância para as mulheres pobres: o programa de transferência
forçada de renda. Ao desejar ardentemente capturar para si o maior ativo
eleitoral do PT, o Bolsa Família, o presidente destruiu o espírito do programa,
que era o foco em quem mais precisava do dinheiro. Agora, o programa
bolsonarista, chamado de Auxílio Brasil, em vez de priorizar as mães que são
chefes de família e que têm mais filhos pequenos, paga o mesmo valor a todos,
inclusive homens que vivem sozinhos. Além disso, em vez de aumentar o benefício
pago a mulheres pobres que chefiam famílias, ele optou por privilegiar
categorias em que a presença feminina é absolutamente minoritária, como
caminhoneiros e taxistas.
Bolsonaro está coberto de razão quando
afirma que as eleitoras estão à procura de um presidente, não de um casamento.
Ser presidente requer governar. Mais que uma questão ideológica ou mera
antipatia, a rejeição feminina expressa a disfuncionalidade de seu governo e
seu fracasso como presidente.
O bumerangue fiscal
O Estado de S. Paulo
Custo da corrosão das finanças de Estados e
municípios, promovida pelo governo federal em projetos populistas, recairá
sobre a própria União, a quem cabe cobrir eventuais calotes
O Maranhão deu a largada para uma reação
mais do que esperada dos governadores contra a perda de receitas imposta à
força pelo presidente Jair Bolsonaro. O Estado foi o primeiro a pedir ao
Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o pagamento de dívidas garantidas
pela União. Ao analisar o caso, o ministro Alexandre de Moraes concordou com os
argumentos do Estado e considerou que as leis que impuseram um teto para o
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de combustíveis e
mudaram a base de cálculo do tributo devem acarretar “um profundo desequilíbrio
na conta dos entes da federação”. Com um pedido semelhante, Alagoas também
obteve uma liminar, e é questão de tempo para que outros Estados também apelem ao
Supremo. É a crônica de um desastre anunciado, que certamente vai custar muito
caro para o País.
O aumento da arrecadação dos Estados não é
algo estrutural – está relacionado a efeitos temporários, caso do aumento dos
preços do petróleo e derivados em razão da guerra na Ucrânia. Qualquer
presidente responsável e dotado de articulação política veria nesse contexto
uma oportunidade para liderar esforços pela aprovação de uma ampla reforma para
simplificar e unificar impostos, eliminar regimes especiais e garantir uma
tributação progressiva com vistas a impulsionar o crescimento econômico. Por
óbvio, as negociações são difíceis, mas é mais fácil chegar a um acordo quando
as partes envolvidas estão com o caixa cheio. O governo federal, no entanto,
fez exatamente o contrário. Usou os combustíveis como pretexto para iniciar uma
campanha difamatória contra os governadores, jogou Câmara e Senado contra os
Estados e optou pela chantagem pública. Encurralados pela disputa eleitoral, os
governadores não quiseram correr o risco de serem vistos como inimigos. De
forma irresponsável, decidiram se antecipar e arcar com as perdas. Agora que a
conta começou a chegar, recorreram ao socorro do STF.
São várias as consequências desse improviso
tributário generalizado. Para começar, suas consequências são definitivas:
tanto a imposição do teto de 17% quanto a mudança na base de incidência do ICMS
continuarão a vigorar mesmo que os preços do petróleo eventualmente despenquem
de uma hora para outra. Muitos Estados que iriam encerrar o ano com as contas
no azul já projetam um déficit, e investimentos em saúde e educação, que fazem
diferença na vida da população mais carente, terão de ser reduzidos. Os
municípios, que historicamente têm contas mais ordenadas, podem em breve se
tornar uma nova fonte de problemas financeiros, já que uma parte da arrecadação
de ICMS fica com os prefeitos. Após anos de negociação para aderir a planos de
recuperação fiscal, os Estados mais endividados, como Rio de Janeiro, Rio
Grande do Sul, Goiás e Minas Gerais, dificilmente conseguirão atingir uma
trajetória de equilíbrio das contas públicas no médio prazo. O fato de que os
acordos foram fechados considerando receitas que não mais se realizarão abre
margem para que as contrapartidas com as quais eles haviam se comprometido
tampouco sejam cumpridas, como o veto a reajustes de servidores, a aprovação de
reformas e a privatização de estatais.
Ainda que sejam tratados como inimigos por
Bolsonaro, Estados e municípios são parte da Federação. Sem autorização para emitir
dívida, eles não têm muitas alternativas para arrecadar receitas a não ser a
cobrança de impostos – como vinham fazendo por meio do ICMS sobre bens
essenciais – ou com empréstimos em instituições financeiras públicas e
multilaterais. Essas operações, no entanto, precisam do aval do Tesouro
Nacional, e, em caso de calote, quem herda a conta é a União. É o que deve
ocorrer se todos os Estados que apelarem ao STF tiverem sucesso em seus
pleitos. É, portanto, um despropósito que Bolsonaro tenha atuado para corroer
as finanças de Estados e municípios quando sabe (ou deveria saber) que o custo
dessa política recairá sobre o próprio governo federal. O desastre fiscal dos
entes federativos é, em última instância, a ruína do País.
Superávit para inglês ver
O Estado de S. Paulo
Numa homenagem involuntária a Mantega, Guedes antecipa o recebimento de dividendos para maquiar contas
Os resultados das empresas estatais serão
usados para tentar salvar a honra de um governo que se elegeu com a promessa de
zerar o déficit nominal das contas públicas privatizando essas mesmas empresas
estatais. O Executivo pediu a Petrobras, Caixa, Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Banco do Brasil que antecipem o
pagamento de dividendos para ajudar a União a fechar o ano com um superávit
primário – ou seja, um saldo positivo entre receitas e despesas, sem
contabilizar o pagamento dos juros da dívida.
Revelada pelo Estadão, a informação
foi confirmada pelo secretário especial de Tesouro e Orçamento, Esteves
Colnago. Longe de ser uma estratégia nova, a antecipação de dividendos foi um
recurso muito utilizado por administrações anteriores. Era assim que as contas
fechavam no azul nos tempos da presidente Dilma Rousseff. Os números exprimiam
o resultado do arsenal de manobras que ficou conhecido como contabilidade
criativa. Não enganavam ninguém, mas a ironia do destino é que uma administração
pretensamente liberal recorra às mesmas práticas que devastaram as contas
públicas no passado recente.
Quem diria que o ex-ministro da Fazenda
Guido Mantega, conhecido pela heterodoxa nova matriz econômica, serviria de
inspiração ao ministro da Economia, Paulo Guedes? A aposta em políticas
públicas caras e ineficazes foi uma tentativa de criar uma marca para o governo
Dilma. Incluiu, também, medidas para controlar os preços de combustíveis e
energia, desonerações sem critério ou contrapartida e intervenções que
evidentemente prejudicavam os resultados das estatais. O conjunto da obra
conteve a inflação em 2014 e garantiu à ex-presidente um segundo mandato, mas a
um custo elevado e pago, sobretudo, pelos mais pobres. A conta não demorou a
chegar, e já em 2015 o IPCA atingiu 10,67%, o maior índice desde 2002.
Guardadas as diferenças na forma em que essas medidas foram colocadas em
prática, o roteiro é o mesmo e o balanço final parece – e muito – com a herança
que o presidente Jair Bolsonaro deixará para seu sucessor. Não é coincidência,
mas consequência da mesma gastança disfarçada de superávit e orientada por
pesquisas eleitorais.
Impulsionada pela inflação, a arrecadação, aliada ao finado teto de gastos, seria mais do que suficiente para que o governo atingisse o superávit primário sem esforço. Mas o Executivo abriu mão de R$ 71,1 bilhões em receitas com desonerações e, em paralelo, autorizou gastos de R$ 41,2 bilhões com a PEC Kamikaze. Agora, precisará limpar o caixa das estatais para conseguir receber já algo que só entraria no Orçamento de 2023, avançando sobre recursos que muito provavelmente estariam nas mãos de outro presidente. Para isso, suprema das ironias, contará com a ajuda fundamental da outrora vilã Petrobras, que, tudo indica, aprovará a distribuição antecipada de R$ 40 bilhões a seus acionistas, a maior parte para a União, resultado de seu lucro – aquele que foi definido recentemente como “absurdo e inadmissível” por Bolsonaro.
Troca de marcha
Folha de S. Paulo
Retomada da atividade econômica deve perder
ritmo em meio a tensões da eleição presidencial
Surpresas e intervenções
do governo devem fazer a economia crescer muito mais em 2022 do
que se previa no fim do ano passado. As perspectivas para 2023 pioraram
bastante, porém. No meio desse caminho, disputa-se a eleição mais
tensa desde a redemocratização.
Não faz muito tempo, imaginava-se que a
atividade econômica estaria em declínio a esta altura. O prognóstico mais
comum, no momento, é que não deve haver até outubro mudança a ponto de alterar
as percepções do eleitorado.
Em abril, as projeções de economistas
privados compiladas pelo Banco Central apontavam crescimento de apenas 0,5%
neste ano. As previsões
mais recentes convergem para uma alta de 2%.
Parte da revisão se deve a estímulos transitórios
e gastos públicos extraordinários. Aumentou o valor do Auxílio Brasil, houve
grandes reduções de impostos e o saque extra das contas do FGTS, por exemplo.
Houve também imprevistos. O número de
pessoas empregadas cresceu muito além do projetado. A taxa de desemprego cai
rapidamente e deve ficar perto de 8% no fim do ano, o melhor resultado desde
2014.
A média do valor real dos salários, porém,
ainda é a menor da década, e a soma dos rendimentos do trabalho é a mesma de
2019. O surto inflacionário, que ora arrefece, explica em parte a contenção dos
salários e o mal-estar econômico persistente, apesar de haver
mais gente com trabalho.
A receita do governo federal é outro
indício de que algo mais se movimenta na economia. Nos últimos 12 meses,
cresceu quase 24% em termos reais. A alta dos preços das commodities explica
boa parte do influxo
excepcional de recursos.
A receita bruta equivalia em junho a 23,9%
do PIB, apenas um pouco menor do que a verificada em alguns meses de 2010 e
2011 —quase um recorde em 25 anos.
Mas commodities estão longe de explicar o
bom resultado das empresas, ao menos o expresso no pagamento de impostos e no
nível moderado, mas persistente, de confiança empresarial.
Até dezembro, a inflação deve recuar das
proximidades de 12% para pouco mais de 7% ao ano, graças à intervenção
artificial do governo. Assim, espera-se que a taxa básica de juros, a Selic,
encerre este ano em 13,75% ou 14%, mas permaneça na casa dos 11% até fins de
2023.
A incerteza política e fiscal, o peso dos
juros e a desaceleração
da economia mundial devem estabilizar o ritmo da atividade e
fazê-la arrefecer no último trimestre.
A eleição presidencial ocorrerá nesse
momento morno da atividade. Quanto à política, o jogo da economia e dos
estelionatos eleitorais parece quase todo jogado. O debate a fazer será de
interpretações do que se passou e visões de futuro.
Pragmatismo partidário
Folha de S. Paulo
Fraqueza da terceira via antecipa
articulações em busca de influência política no próximo governo
Numa eleição presidencial em que as
preferências do eleitorado, com antecedência inédita, consolidam-se em torno
de dois
candidatos, as agremiações e postulantes que apostavam na
perspectiva de uma terceira via estão em situação difícil.
Nada indica que em dois meses o
ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva (PT) e o presidente Jair
Bolsonaro (PSL) cederão terreno para candidaturas alternativas.
Nesse cenário, partidos como o MDB e a
União Brasil, cujos candidatos ao Planalto colhem resultados pífios nas
pesquisas, começam a tratar daquilo que de fato lhes interessa: garantir lugar
na mesa das negociações do próximo governo com o futuro Congresso.
No MDB, a candidatura da senadora Simone Tebet (MS)
foi confirmada poucos dias depois de uma legião de caciques do partido ter
manifestado apoio à chapa de Lula e Geraldo Alkmin (PSB).
Com 2% das intenções de voto na mais
recente pesquisa Datafolha, Tebet não obteve a adesão do senador Tasso
Jereissati (PSDB-CE) à sua chapa e não consegue conter as articulações
dos correligionários.
Na mesma linha, a União Brasil movimenta-se
em busca de reposicionamento. Presidente da sigla e ex-aliado de Bolsonaro, o
deputado Luciano Bivar (PE)
indicou neste domingo (31) que abandonará suas pretensões presidenciais para
buscar novo mandato na Câmara.
A legenda não deverá se comprometer com
ninguém agora, mas a saída de Bivar da disputa principal se dá após tratativas
com o próprio Lula, que tenta desde já mover as peças com as quais
espera contar no novo Congresso se for eleito.
Note-se ainda a ironia da situação. Na
União Brasil, Bivar foi o padrinho da filiação do ex-juiz Sergio Moro, que
mandou Lula para a prisão nos tempos da Operação Lava Jato e nos últimos meses
viu suas ambições
políticas se esfarelarem.
Antecipam-se, assim, sob o signo do
pragmatismo, articulações que em outras eleições só ganhavam impulso com a
definição do resultado das urnas —quadro nada auspicioso para a dita terceira
via.
Ciro Gomes (PDT),
o postulante mais bem situado nas pesquisas depois dos dois primeiros
colocados, está estacionado no terceiro lugar, com 8% das preferências.
Se o poder de atração exercido pelos principais contendores parece irresistível para os partidos, é de se lamentar o empobrecimento do debate eleitoral que a ausência de outras candidaturas competitivas decerto acarretará.
Retrocesso na psiquiatria é inadmissível
O Globo
Governo Bolsonaro sufoca rede de
assistência, enquanto dá recursos a manicômios, condenados pela OMS
Foi um avanço no tratamento das doenças
mentais o movimento surgido no início dos anos 1970 com o apoio de
recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Em vez de submeter os
pacientes às práticas desumanas que vigoravam nos tradicionais “manicômios”,
uma lei de 2001 modernizou a psiquiatria brasileira ao estabelecer o tratamento
preferencial fora desses hospitais psiquiátricos, como recomendava a OMS. Mais
de duas décadas depois, mesmo que o modelo tenha se mostrado o mais indicado
para os doentes mentais e viciados em drogas, o governo Jair Bolsonaro tem
promovido ações que desafiam a própria lei.
A prova mais recente dessa perigosa mudança
de política foi revelada pelo Jornal Hoje, da TV Globo. Trata-se de um edital
da Secretaria Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas, do Ministério da
Cidadania, para distribuir R$ 5,7 milhões entre 19 hospitais psiquiátricos,
enquanto a Rede de Atenção Psicossocial (Raps), constituída pelos centros que
fazem atendimento não hospitalar de doentes mentais e viciados, é deixada à
míngua e enfrenta dificuldades pela falta de recursos. A discriminação
financeira tem o objetivo claro de, por motivo ideológico, sufocar a estrutura
de atendimento multidisciplinar e comunitário, em favorecimento dos hospitais
psiquiátricos.
Entre os hospitais que deverão receber
dinheiro do governo estão instituições sob investigação. É o caso do Sanatório
Maringá, no Paraná, contra o qual há 12 ações instauradas pelo Ministério
Público para investigar mortes e denúncias de que pacientes ficam em isolamento
permanente. Isso não impediu que o secretário nacional de Cuidados e Prevenção
às Drogas, Quirino Cordeiro, certificasse em abril o Sanatório Maringá como
estabelecimento de referência no tratamento de doenças mentais e dependentes
químicos.
O Conselho Nacional de Secretários de Saúde
(Conass) exige que o edital seja suspenso por ir contra a Política Nacional de
Saúde Mental e por desrespeitar o sistema de atendimento em base comunitária e
suas redes. Não poderia haver mesmo maior retrocesso do que levá-lo adiante.
Antes da reforma iniciada nos anos 1970, os
pacientes eram alvos frequentes de maus-tratos e muitos ficavam internados pelo
resto de sua vida. A cidade de Barbacena, Minas Gerais, foi apelidada “cidade
dos loucos”, devido à abertura de diversos estabelecimentos para doentes
mentais, em razão do clima ameno. No Hospital Colônia de Barbacena, entre as
décadas de 1960 e 1980, estima-se que 60 mil pacientes tenham morrido de frio,
fome e choques elétricos, terapia comum para doentes mentais. O episódio,
lembrou ao Jornal Hoje o psiquiatra Dartiu Xavier, da Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), ficou conhecido como “holocausto brasileiro”. É inaceitável
uma política pública que aumente o risco de que tragédias assim se repitam.
Denúncia de assédio na Caixa serve de
alerta para todas as empresas
O Globo
Ministério Público do Trabalho abriu
inquérito para apurar as acusações contra o ex-presidente do banco
É oportuno o inquérito aberto pelo
Ministério Público do Trabalho para apurar as denúncias de assédio sexual e
moral contra o ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães. A medida permite acesso
a documentos, a realização de perícias ou inspeções nas instalações do banco.
Caso as acusações sejam confirmadas, é fundamental que haja punição exemplar —
ao contrário do que costuma acontecer em casos do tipo.
O escândalo na Caixa deveria servir de
exemplo ao mundo corporativo, onde é comum chefes usarem a posição hierárquica
para espalhar o terror entre subalternos e assediar subalternas, degradando o
ambiente de trabalho em prejuízo da corporação. O próprio Guimarães foi,
segundo os relatos, acobertado por quase três anos e meio, graças à proximidade
do presidente Jair Bolsonaro, ao lado de quem apareceu em inúmeros eventos e
lives.
Uma pesquisa da Mindsight, empresa de
softwares de gestão de recursos humanos, com 11 mil pessoas em todo o país,
constatou que 34% dos entrevistados já haviam sido vítimas de assédio moral, e
10,5% de sexual. Entre as mulheres, 38% relataram ter sofrido assédio moral e
15,4% sexual. Entre os homens, 30,1% e 5,3%. Apesar disso, é pequena a
proporção dos funcionários que encaminharam denúncia: 6,5% de assédio moral e
2,1% de sexual.
Isso ocorre porque as empresas estão
despreparadas para lidar com a questão. Quase dois terços (65%) não têm sistema
para ouvir os funcionários. Só 25% dos entrevistados disseram haver apoio,
menos de 10% o consideram eficiente. Não há confiança de que as vítimas terão
garantia de confidencialidade no relato, daí a resistência dos funcionários a
denunciar o assédio.
Toda empresa de porte, estatal ou privada,
deveria dispor de mecanismos para combatê-lo. No mínimo, uma ouvidoria a que os
funcionários possam recorrer sem medo de retaliação. Também é importante que
ela tenha independência para promover as investigações necessárias. Na Caixa
havia uma ouvidoria — chamada Corregedoria —, mas ela era subordinada à
presidência, quer dizer, ao próprio transgressor. Ao assumir a Caixa, a nova
presidente, Daniella Marques, transferiu a subordinação ao Conselho de
Administração. Melhor assim.
A realidade exibida em pesquisas como a da Mindsight é muito diferente do mundo ideal em que homens e mulheres dividem o mesmo espaço de trabalho sem agressão. Já há algum tempo, duas palavras de ordem no âmbito dos recursos humanos são a colaboração entre os funcionários e o aprendizado coletivo, sustentados numa relação de confiança que independa da hierarquia. Os executivos precisam construir e zelar por um ambiente de trabalho em que não haja espaço para assédio de qualquer tipo.
“Declaração de Brasília” reforça defesa da
democracia
Valor Econômico
Ministro da Defesa brasileiro assina Carta
Democrática Interamericana e a Carta da OEA
Sinais relevantes vieram da caserna na
semana passada, em meio aos frequentes ataques do presidente Jair Bolsonaro ao
sistema eleitoral brasileiro.
O chefe do Poder Executivo segue em sua
cruzada contra um sistema eleitoral reconhecidamente hígido e seguro. Elogiadas
por organizações multilaterais e outras nações, por aqui as urnas eletrônicas
tornaram-se alvo prioritário de um político que, por meio delas, foi eleito
seguidas vezes nas últimas décadas. Bolsonaro nunca apresentou provas que
pudessem sustentar seu discurso e, não bastasse, de forma crescente insinua que
deve questionar o resultado das eleições, caso o sistema não seja alterado
antes do pleito.
Diante de um cenário que demanda atenção, a
sociedade civil decidiu se mobilizar: um manifesto em defesa da democracia
ganhou milhares de adesões com rapidez. Entre elas, assinaturas de personagens
relevantes do empresariado e do mercado financeiro. Trata-se de um movimento
importante e necessário, uma vez que a mobilização da sociedade é fundamental
para demonstrar que aventuras antidemocráticas não terão respaldo além das
bolhas mais radicais.
Mas é preciso, também, que as instituições
passem a agir de forma mais assertiva. Por isso que não se deve ignorar o que
ocorreu na capital federal na semana passada, no mesmo período em que vozes
importantes da sociedade civil se manifestavam.
Reunidos na XV Conferência de Ministros da
Defesa das Américas (CDMA), representantes dos países da região, inclusive o
brasileiro Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, assinaram um documento conjunto
reafirmando o compromisso de todos em “respeitar plenamente” a Carta da
Organização dos Estados Americanos (OEA), assim como a Carta Democrática
Interamericana e seus valores, princípios e mecanismos. O documento foi
batizado de “Declaração de Brasília”, o que lhe dá ainda maior simbolismo
devido ao momento histórico pelo qual passa o Brasil.
Oriundo do Exército, o ministro tem
endossado dúvidas do presidente em relação ao sistema eleitoral. Recebeu a
missão de defender as mudanças propostas pelo chefe e assim tem feito, mas, em
frente a seus pares, manifestou total respeito em relação à democracia tanto na
abertura do encontro como em seu encerramento.
Na quarta-feira, foi a vez de o general
Luís Carlos Gomes Mattos, presidente do Superior Tribunal Militar (STM),
posicionar-se após a solenidade que marcava sua aposentadoria da Corte. A
jornalistas, ele afirmou que a Justiça Eleitoral é a responsável pelo
funcionamento do pleito, acrescentando que a missão dos militares “é
diferente”. “Nós não temos que nos envolver em nada. Temos que garantir que o
processo seja legítimo. Essa é a missão das Forças Armadas”, pontuou. O general
também destacou que os militares “vão atuar dentro daquilo que está previsto”
para garantir a segurança de todos nas eleições.
Ambos foram precedidos pelo comandante da
Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, que em maio
assegurou que a Força Aérea Brasileira vai respeitar a lei, qualquer que seja o
resultado das eleições. “A FAB é legalista, vamos cumprir as leis”, disse
Baptista Júnior, durante um café da manhã com jornalistas em que apresentou os
principais projetos estratégicos da FAB. Ele lembrou, ademais, que as Forças
realizam em todas as eleições a operação para assegurar que os pleitos ocorram
em clima de tranquilidade.
É o que se espera das Forças Armadas,
instituições de Estado que devem se afastar de interesses de governos e
partidos políticos.
No artigo 142 da Constituição Federal,
frequentemente mal interpretado por entusiastas de regimes autoritários, fica
clara a determinação dada aos militares: “As Forças Armadas, constituídas pela
Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais
permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina,
sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da
Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer
destes, da lei e da ordem”. Isso está longe de alçar as Forças Armadas à
condição de poder moderador ou dar legitimidade a algum tipo de intervenção
militar.
Tal visão parece estar clara para oficiais da ativa, mas poderia ser mais verbalizada. Assim, os sinais corretos seriam passados a grupos mais radicais.
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