O Estado de S. Paulo
Com todo respeito aos vencedores, é inegável que o presidente é o grande adversário de si mesmo. Cavou sua derrota milimetricamente
Acompanhei, até agora, todas as eleições do
período de redemocratização. Cada vez aprendo coisas novas e, sobretudo,
fortaleço minha hipótese de que, sob certos aspectos, é um processo
incontrolável.
Quero dizer com isso que, além dos
candidatos, de seus especialistas em marketing e de todo o aparato analítico
profissional na mídia, acontecem coisas imprevistas que acabam reforçando a
ideia da complexidade do País. Aliás, essa lição já se configurou na facada em
Bolsonaro em Juiz de Fora, criando o fato político mais importante daquela
campanha.
Olhando para 2022, parece que o desafio aos
planejadores aumentou. O Brasil escapa dos cálculos como um potro bravio.
Eleitores de Bolsonaro mataram dois eleitores de Lula, no Paraná e em Mato Grosso. Os fatos, sobretudo o primeiro, tiveram grande peso na sensação de vivermos um período violento, estimulado de cima pela própria política militarizante do presidente. As tentativas de Bolsonaro de atenuar o desgaste cooptando familiares do petista morto em Foz do Iguaçu mais associaram do que distanciaram sua visão política do crime.
Num caso também rumoroso, um empresário
bolsonarista ameaça cortar a ajuda alimentar a uma pobre mulher porque ela
revelou votar em Lula. Nada mais revelador do que isto: um homem rico
humilhando uma diarista que precisa da comida, apenas porque ela mencionou o
que, aparentemente, é o desejo da maioria: votar em Lula.
Bolsonaro sempre afirmou que o Bolsa
Família era uma forma de comprar votos. Sua tese foi levada à prática de forma
truculenta: suposição de que os pobres vendem seu voto por um prato de comida.
Mas, além dos indivíduos isolados, há fatos
que revelaram nesta campanha uma complexidade acima da competência de muitos
planejadores.
O tema mais discutido da campanha foi o
auxílio emergencial de R$ 600. Bolsonaro e seus aliados atropelaram a
Constituição, o equilíbrio fiscal e as leis eleitorais. Houve um grande rumor,
em primeiro lugar, porque era tudo ilegal. Mas, por baixo da resistência, havia
também uma suposição de que Bolsonaro iria avançar eleitoralmente à custa dos
R$ 48 bilhões destinados ao auxílio emergencial.
As pesquisas revelaram sistematicamente que
estavam todos enganados. Os eleitores que ganham até dois salários mínimos
indicam que votarão majoritariamente em Lula.
É verdade que houve uma campanha orientando
os pobres a receberem o dinheiro e votarem em outro candidato que não
Bolsonaro. É fato, também, que muitos associam a ajuda social aos governos de
esquerda. Ainda assim, houve uma surpresa. Bolsonaro praticamente não ganhou
votos. Quase ninguém previu esse desdobramento. No mínimo, esperava-se que sua
situação eleitoral iria melhorar entre os pobres.
Outra grande surpresa foi o sequestro do Sete de Setembro, uma data nacional, pela candidatura de Bolsonaro. Ele usou as Forças Armadas, enganou a mídia durante algumas horas, ocupou um grande espaço, para quê, afinal? Ao subir no palanque e se declarar “imbrochável”, desapontou os que esperavam um mínimo de compostura de um presidente no bicentenário da Independência.
Verdade é que Bolsonaro considera que,
mesmo falando mal dele, a imprensa o ajuda. Ocorre que, logo em seguida, quando
esperava grandes críticas pelo seu comportamento, a rainha Elizabeth II morreu
e levou com ela o resto de atenção que ainda poderia ser dedicado a ele.
Agora, seus cálculos se dirigem ao funeral
da rainha, onde pretende representar o Brasil, de olho na repercussão
eleitoral. Mas, por mais que a morte da rainha tenha repercutido, o tema não se
sustenta no Brasil. Proclamamos a República no final do século 19, não há
nenhuma nostalgia monárquica entre nós.
A rainha não faz milagres, nem Bolsonaro
conseguirá ressuscitá-la. Como manter a esperança num ritual protocolar, quando
falharam os bilhões dedicados a conquistar os mais vulneráveis?
O que esta campanha está mostrando talvez
fortaleça nossa humildade em imaginar a reação dos brasileiros. No caso dos
assassinatos de adversários políticos, era evidente que o discurso belicoso de
Bolsonaro poderia estimulá-los. Mas fracassou a suposição de que os pobres
brasileiros votam num presidente que os desprezou de várias maneiras, inclusive
na pandemia, só porque despejou caminhões de dinheiro no momento eleitoral.
Fracassou, também, a suposição de que,
colocando massas ruidosas nas ruas, elas podem substituir a maioria da
população, que, silenciosa, observava o discurso de um presidente vulgar.
Mesmo quanto aos evangélicos, entre os
quais parece ter maioria, talvez seja um equívoco achar que seguirão votando no
candidato dos seus pastores indefinidamente.
No caso de Donald Trump, foi preciso
inventar a tese de que, apesar de suas imperfeições, foi eleito por Deus. Chega
um momento em que o próprio fiel começa a se perguntar se Deus não poderia
caprichar mais na escolha.
Com todo respeito aos vencedores, é inegável que Bolsonaro é o grande adversário de si mesmo. Cavou sua derrota milimetricamente. Ele parece confirmar a célebre e discutível frase de Heráclito: o caráter é o destino.
3 comentários:
Olha o salto alto cadeira quanto maior o que era o maior tombo
Você já está festejando a vitória do Lula?
caí na real!
Está cavando sua cova/derrota milimetricamente, mesmo não sendo coveiro...
Ficou provado que o povo brasileiro não se vende.
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