quinta-feira, 22 de setembro de 2022

Pedro Ferreira, Renato Fragelli* - Trabalho precário e promessas eleitorais

Valor Econômico

Problemas sérios são ignorados e políticas sólidas substituídas por expansões irresponsáveis de gastos

Faltando apenas dez dias para o primeiro turno das eleições, o eleitorado brasileiro assiste a uma competição entre os candidatos à Presidência para identificar qual deles é mais criativo em suas promessas irrealizáveis. Em particular, a geração de empregos é tema dominante.

Segundo a Pnad Contínua, no segundo trimestre deste ano a população economicamente ativa (PEA) atingiu 108,4 milhões de pessoas, e a taxa de desocupação, 9,3%. Dos 98,3 milhões de trabalhadores ocupados, a parcela constituída por trabalhadores formais (do setor privado e público) é de 57,4 milhões. Retirando-se os servidores estatutários civis, militares e empregados formais do setor público, chega-se a uma população com ocupação formal no setor privado de 48,3 milhões. Mas como a propaganda eleitoral promete especificamente “empregos”, e não apenas “ocupações”, é preciso retirar também desse último grupo os empregadores formais e os trabalhadores formais por conta própria. Feito isso, conclui-se que existem 37,3 milhões de empregados formais no setor privado, ou seja, apenas 34,4% da PEA.

Por que será que, a cada três brasileiros que estão trabalhando ou procurando trabalho, somente um deles encontra alguém disposto a contratá-lo com carteira assinada? Entre as causas principais estão a alta tributação sobre a folha salarial e salário mínimo (SM) elevado, quando comparado à baixa produtividade dos trabalhadores menos qualificados.

Embora para padrões das grandes metrópoles o valor do SM seja baixo, nas regiões menos desenvolvidas do país o SM está muito acima da realidade do mercado de trabalho local. Indício disso é o fato de que o SM equivale a 45% do salário médio pago no mercado de trabalho nacional. Como comparação, esta relação nos Estados Unidos é de cerca de 26%. O valor torna-se ainda maior quando se contabiliza a tributação sobre a folha salarial de 34,5% - soma de INSS, Sistema S, salário educação, Incra, RAT, PIS e FGTS - e, adicionalmente, se leva em conta que um empregado formal recebe 13,33 salários por ano, mas trabalha somente 11 meses.

O custo efetivo de cada mês trabalhado equivale a 163 % (=1,345 x 13,33 / 11) do salário mensal de carteira. Em 2022, um trabalhador CLT que recebe o SM custa a seu empregador R$ 1.975,93 por mês trabalhado. Nas regiões mais atrasadas do país, nem mesmo o potencial empregador consegue obter essa remuneração.

Um empregado CLT que ganha um SM recolhe 7,5% de sua remuneração ao INSS e é isento de IRPF, de modo que, a cada R$ 100 de salário, o empregador desembolsa R$ 134,50, mas apenas R$ 92,50 são recebidos pelo trabalhador. Caso esse trabalhador passe a trabalhar na informalidade, ele auferirá três ganhos: 1- dividirá com o empregador os 34,5% incidentes sobre a folha salarial; 2- deixará de recolher sua parcela de 7,5% ao INSS; 3- tornar-se-á elegível aos programas de transferência de renda (Bolsa Família/Auxílio Brasil). Apesar de não contribuir para a previdência, esse trabalhador preservará o direito de receber do INSS, ao atingir 65 anos de idade, uma aposentadoria de um SM, pois pleiteará o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

A passagem da condição de empregado formal para informal proporciona um significativo aumento de renda no presente, sem perda de renda futura. Os incentivos são, portanto, perversos e distorcem o mercado de trabalho.

No caso de um trabalhador qualificado, o desincentivo ao emprego formal ocorre somente devido à alta tributação. É fácil mostrar, olhando a legislação, que de cada R$ 100 recebidos por um trabalhador com salário acima de R$ 5 mil, o custo incorrido por seu empregador é de R$ 134,50 e deste valor o Estado embolsa cerca de 40%. Se esse trabalhador passar a vender seu trabalho por meio de uma firma tributada pelo Simples, a tributação cairá a um terço disso. Não surpreende que a pejotização esteja crescendo tanto.

Ao longo das quatro últimas décadas, a estagnação da produtividade do trabalho, decorrente de crônica deficiência da educação pública e outros fatores, impediu o aumento dos salários reais de mercado. A legítima pressão por distribuição de renda desaguou em aumentos reais do SM, bem como expansão dos programas de complementação de renda - como o BPC, Bolsa Família, Auxílio Brasil - cujo financiamento exigiu crescente tributação. Criou-se um sistema em que os benefícios assistenciais recebidos por trabalhadores informais são custeados pela tributação incidente sobre o trabalho formal. O resultado foi a baixa geração de empregos formais.

Alguns avanços ocorreram. A reforma trabalhista de 2017 tem estimulado a formalização do trabalho, assim como a reforma da previdência de 2019 facilitará a futura redução da tributação sobre a folha salarial.

Mas a geração de empregos formais requer uma ampla reforma, envolvendo, entre outras medidas: 1- redução da tributação sobre a folha salarial; 2- elevação da tributação sobre empresas hoje beneficiadas por regimes especiais de IRPJ, aproximando-as do que se cobra das empresas tributadas pelo Lucro Real; 3- reformulação das regras de elegibilidade aos programas de transferência de renda, a fim de estimular a oferta de trabalho em regime formal; 4 - cortes de subsídios, aumentos de impostos sobre a alta renda, e reforma administrativa, no intuito de se compensar a queda de arrecadação decorrente da menor tributação sobre folha.

A agenda resumida no parágrafo anterior é espinhosa. Não surpreende que os candidatos à Presidência prefiram anunciar a preservação do Auxílio Brasil no nível de R$ 600 mensais - Ciro Gomes chega a R$ 1.000 - sem explicar como financiarão essa largueza. Isso reflete bem a história recente: problemas sérios são ignorados e políticas sólidas substituídas por distorções populistas e expansões irresponsáveis de gastos, realimentando ainda mais a precariedade e o atraso.

*Pedro Cavalcanti Ferreira é professor da EPGE-FGV e diretor da FGV Crescimento e Desenvolvimento

*Renato Fragelli Cardoso é professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE-FGV).

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