Valor Econômico
Criar privilégios para uma classe
específica é um caminho trilhado há décadas, com resultados pífios para o
crescimento
Em seu excelente livro “Ideias Novas de
Economistas Mortos: Uma Introdução ao Pensamento Econômico Moderno”, Todd
Buchholz descreve as relações entre empresários e governo: “A economia moderna
recebeu seu impulso inicial quando Adam Smith denunciou o casamento incestuoso
entre as monarquias e os mercadores da Europa. Uma das poucas coisas que Adam
Smith, Karl Marx e Thorstein Veblen tinham em comum era a percepção de que os
empresários adoram usar a política para ajudarem a si mesmos. Em uma declaração
famosa, Smith alertou que os empresários raramente se reúnem sem conspirar
contra o consumidor. Você pode ter certeza de que, ainda hoje, o orador da reunião
da Câmara de Comércio local que exalta o livre mercado não abriria mão da
chance de garantir um monopólio, um contrato governamental exclusivo ou uma
regulamentação que garantisse seus lucros”.1
Como não poderia deixar de ser, o
ensinamento dos clássicos continua bem vivo no Brasil de hoje. A informativa
coluna de Pedro Cafardo (Valor,
11/4/23, “Empresários Sugerem ‘Plano Safra Industrial’”) bem o demonstra.
Segundo o jornalista, um grupo de empresários e economistas, reunidos no grupo
autointitulado “Brasil Primeiro”, entregou ao Ministro da Fazenda documento
pedindo algumas medidas emergenciais para a “reindustrialização do país”.
O “Plano safra industrial” seria “um sistema nos mesmos moldes do existente para a agricultura”, com “créditos [com] condições competitivas internacionalmente em prazo e custo”. Já dando como favas contadas modificações nas políticas de crédito do BNDES, pedem que o Tesouro proveja “a equalização de juros enquanto a Taxa de Longo Prazo (TLP) não for modificada”.
Em bom português, esses empresários querem
crédito subsidiado pelo governo. E não querem sequer esperar pelo BNDES, indo
direta e imediatamente ao Tesouro Nacional. Qual a evidência que apresentam
quanto à eficácia e eficiência de eventuais políticas de crédito subsidiado
para a indústria? A coluna não cita nenhuma, o que sugere ausência de avaliação
séria das inúmeras políticas públicas de crédito subsidiado implementadas no
passado. Sequer se dão ao trabalho de quantificar o custo das políticas
propostas.
Ao passar o pires no Ministério, os
empresários afirmam que “tentaram poupar o Tesouro de gastos adicionais”,
sugerindo reduzir a remuneração do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), um
fundo dos trabalhadores brasileiros que financia, em parte, o BNDES. Ou seja,
aparentemente, para evitar que todos os brasileiros paguem, via Tesouro
Nacional, pelos subsídios pelos quais clamam, sugerem que só os trabalhadores o
façam. Sem dúvida, uma política pública muito adequada para um governo do PT!
Um dos empresários entrevistados chegou
mesmo a afirmar que “se o pequeno poupador da caderneta e o do FGTS são
remunerados muito abaixo da TLP, não há razão para o FAT ser remunerado como um
especulador”. Lógica perfeita: uma vez que já se espolia o trabalhador humilde
em sua conta no FGTS, por que não o fazer ainda mais no FAT, a fim de subsidiar
os empresários? Foi uma pena não se ter indagado ao empresário se ele mantém
seu dinheiro na caderneta, ou se age como um “especulador”.
Sem dúvida, o Brasil é um país em que
empreender é muito difícil. Os impostos são altos, a infraestrutura é
deficiente, há pouca mão de obra qualificada e os juros são anormalmente altos,
apenas para citar algumas dificuldades. Mas o caminho para solucionar todos
esses problemas não é criar mais um privilégio para uma classe específica. Tal
caminho tem sido trilhado há décadas, com resultados pífios quanto ao
crescimento econômico e geração de uma das piores desigualdades de renda do
planeta.
Muitas políticas públicas podem, sim,
justificar subsídios. Mas precisam ser detidamente avaliadas, cotejando custos
e benefícios, inclusive e sobretudo os sociais. As políticas de crédito
subsidiado do BNDES durante o governo da presidente Dilma Rousseff, como bem
mostrou Marcos Mendes (“O BNDES, de novo”, Folha de São Paulo, 7/4/2023)
custaram muito caro (R$ 325 bilhões, a valores de hoje, segundo cálculos do
Tesouro Nacional) e trouxeram pouquíssimos resultados em termos de investimento
adicional.
O Ministério do Planejamento e Orçamento
conta hoje com uma secretaria de monitoramento e avaliação de políticas
públicas2 apta a
lançar mão do estado da arte para levar adiante suas avaliações. É imprescindível
que as políticas públicas passem pelo crivo de avaliação séria, cujos
resultados devem ser trazidos para o debate público.
Evitar o desperdício e aumentar a qualidade
do gasto público é tarefa fundamental. Só assim poderemos tentar diminuir o mau
uso dos recursos públicos e o enorme acúmulo de regalias e privilégios, muitos
deles injustificáveis, que atrasam o desenvolvimento do país e perpetuam a
injusta grande desigualdade brasileira.
1 New Ideas from Dead Economists:
An Introduction to Modern Economic Thought, Todd G. Buchholz, Penguim, 1989,
página 16.
*Márcio
G. P. Garcia é professor titular, Cátedra Vinci Partners, departamento de
Economia da PUC-Rio e pesquisador afiliado da MIT Sloan School of Management
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