Correio Braziliense
Os números recentes da economia surpreendem. A
inflação está caindo nos Estados Unidos e no Brasil. O IPCA ficou abaixo de 5%
no acumulado de 12 meses, apesar do imposto sobre a gasolina
“Por que um banco como o Brics não pode ter
uma moeda que pode financiar a relação comercial entre Brasil e China, entre
Brasil e outros países do Brics? É difícil, porque tem gente mal-acostumada,
porque todo mundo depende de uma única moeda. Eu acho que o século 21 pode
mexer com a nossa cabeça e pode nos ajudar, quem sabe, a fazer as coisas
diferentes”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ontem, em Xangai,
durante a cerimônia de posse da ex-presidente Dilma Rousseff no Novo Banco de
Desenvolvimento, instituição dos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África
do Sul).
Dilma merece um parêntesis. Está sendo
“reabilitada” pelo presidente Lula, depois do ostracismo em que viveu após o
seu impeachment e a derrota eleitoral em 2018, quando concorreu ao Senado por
Minas Gerais. Como se sabe, a “presidenta”, como gostava de ser chamada, foi
destituída do cargo pelo Congresso, por causa das chamadas “pedaladas fiscais”,
depois de uma sucessão de erros na condução da economia e uma tumultuada relação
com o Congresso, principalmente depois da eleição do ex-deputado Eduardo Cunha
(MDB-RJ) à Presidência da Câmara.
A recessão, o desemprego e a onda de manifestações contra o governo a partir de 2013 não impediram a reeleição de Dilma em 2014, mas desaguaram no seu impeachment, em 2016. No julgamento pelo Senado, perdeu o mandato presidencial, mas manteve os direitos políticos. Após a derrota de 2018, Dilma foi escanteada pelo PT, no entanto voltou à cena política durante a campanha de Lula, que adotou a narrativa de que o impeachment fora um golpe de Estado.
Pode-se até considerá-lo um erro, pelo fato
de o governo Michel Temer, que a sucedeu, ter desaguado na eleição de Jair
Bolsonaro, porém, institucionalmente, Dilma foi apeada do poder num processo
político legítimo, constitucional, cujo julgamento foi presidido pelo ministro
Ricardo Lewandowski, que acaba de antecipar sua saída do Supremo Tribunal
Federal (STF), que presidia à época. Ao adotar a narrativa do golpe, Lula
resgata lealdade com Dilma; ao mesmo tempo, ao mandá-la para a China, descola a
ex-presidente de sua administração. Tudo o que Lula não quer é ser comparado
com a ex-presidente, principalmente quando se fala da economia.
Entretanto, esse tipo de comparação vem
sendo frequente, por causa da forma como Lula está tratando alguns temas
econômicos, como as privatizações e a política de preços e investimentos da
Petrobras. Na realidade, entretanto, há coisas alvissareiras, apesar das
previsões niilistas. O termo foi cunhado em razão da obra de Friedrich
Nietzsche. Significa negação, declínio ou recusa de crenças e convicções, e
seus respectivos valores morais, estéticos ou políticos, que ofereçam um
sentido positivo para a vida.
Poder de troca
Os números recentes da economia
surpreendem. A inflação está caindo nos Estados Unidos e no Brasil. O IPCA
ficou abaixo de 5% no acumulado de 12 meses, apesar do imposto sobre a
gasolina. Era quase 12% em junho do ano passado. O dólar, ontem, fechou em R$
4,92, o que tende a reduzir a taxa de inflação e, consequentemente, a taxa de
juros, que hoje está em 13,75% (Selic). Mantida essa tendência, o pior já
passou. Com a aprovação do novo arcabouço fiscal, que foi bem recebido pelo
mercado, e da reforma tributária, cujo impacto no PIB pode chegar a 10%, o
governo Lula 3 poderá realmente mostrar a que veio.
Lula deve se encontrar ainda hoje com o
presidente Xi Jinping. É possível que anunciem a “desdolarização” do comércio
com a China e demais integrantes dos Brics. Não é uma proposta que agrade aos
Estados Unidos, por motivos óbvios, mas ela pode ocorrer sem ruptura da
institucionalidade do sistema financeiro mundial. Como? Graças ao banco
presidido por Dilma Rousseff, que pode adotar um sistema de compensação para o
comércio entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul lastreado no yuan
chinês. Para se ter uma ideia do impacto dessa mudança, R$ 1 equivalente a Y$
1,39.
No discurso de Xangai, Lula hipotecou
solidariedade à Argentina, que aderiu à Rota da Seda, mas desistiu de
“desdolarizar” o comércio com a China, depois das pressões dos Estados Unidos.
O país vizinho está falido, cometeu muitos erros na condução de sua economia,
tendo esgotado sua capacidade de negociação com o Fundo Monetário Internacional
(FMI), no acordo firmado em 2018, o 21º com a instituição. A dívida argentina é
de US$ 366 bilhões, dos quais US$ 170 bilhões (ou 46,4% do total) em moeda
estrangeira. Não à toa R$ 1 equivale a PA$ 43,55. A cartada de Lula é incluir a
Argentina nos Brics e revitalizar o Mercosul, cujo mercado é vital para as nossas
indústrias.
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