O Globo
Em estado marcado pela impunidade, grupo se
reunirá com ativistas sob ameaça de morte
A cena foi filmada em dezembro de 2021. De pés
descalços, o ambientalista José Gomes, conhecido como Zé do Lago, usa uma
bandeja de plástico para soltar pequenas tartarugas nas águas do Rio Xingu.
“Todo ano a gente faz esse trabalho. Com ajuda ou sem ajuda”, conta.
Na época da reprodução, ele recolhia os
ovos e os acondicionava em caixas de areia. Assim, protegia os filhotes de
predadores e caçadores ilegais. “Queremos repovoar o rio para que futuramente
nossos filhos, netos e bisnetos vejam esses quelônios”, orgulha-se.
Zé vivia numa casa simples, com chão de terra batida, em área reivindicada pelo irmão do prefeito de São Félix do Xingu (PA). Um mês depois da gravação, ele, a mulher e a filha de 17 anos foram assassinados a tiros. A chacina teve repercussão nacional, mas os responsáveis ainda não foram sequer identificados.
“Até hoje, a polícia não disse uma palavra
sobre o crime. O silêncio é total”, protesta o advogado José Batista Afonso, da
Comissão Pastoral da Terra. Na semana passada, ele viajou até Belém para falar
com o secretário de Segurança Pública, mas o encontro foi desmarcado em cima da
hora. “Já pedimos várias audiências, mas nunca fomos recebidos”, conta.
O Pará lidera o ranking de mortes de
ativistas em defesa da terra, do meio ambiente e dos direitos humanos. Neste
sábado, a Comissão Arns começará uma visita de uma semana ao estado. O objetivo
é levantar informações e cobrar autoridades sobre crimes que permanecem
impunes.
“O sul e o sudeste do Pará sempre foram
terras sem lei. Nos últimos quatro anos, a situação piorou com o incentivo do
governo federal ao desmatamento e ao garimpo”, diz o ex-ministro Paulo
Vannuchi, que participará da visita com a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha
e o advogado Belisário dos Santos Junior.
O trio se reunirá com ativistas e
defensores públicos sob ameaça de morte. Entre outros casos, estão na pauta os
ataques aos índios paracanãs e aos trabalhadores do assentamento Terra Nossa. O
projeto do Incra, que buscava unir agricultura familiar e preservação da
floresta, já foi palco de quatro assassinatos desde 2018. “Ali existe de tudo:
grilagem de terra, desmatamento, mineração e caça ilegal. É um clima de
faroeste”, resume Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch.
“Queremos que a missão sirva de alerta para
que casos como o da família de Zé do Lago não se repitam”, diz o ex-ministro
Vannuchi. “O papel da sociedade civil é pressionar as autoridades. Se o governo
agir, vamos aplaudi-lo. Se for omisso, vamos elevar o tom das cobranças”,
promete.
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