sexta-feira, 14 de abril de 2023

Bernardo Mello Franco – Faroeste caboclo

O Globo

Em estado marcado pela impunidade, grupo se reunirá com ativistas sob ameaça de morte

A cena foi filmada em dezembro de 2021. De pés descalços, o ambientalista José Gomes, conhecido como Zé do Lago, usa uma bandeja de plástico para soltar pequenas tartarugas nas águas do Rio Xingu. “Todo ano a gente faz esse trabalho. Com ajuda ou sem ajuda”, conta.

Na época da reprodução, ele recolhia os ovos e os acondicionava em caixas de areia. Assim, protegia os filhotes de predadores e caçadores ilegais. “Queremos repovoar o rio para que futuramente nossos filhos, netos e bisnetos vejam esses quelônios”, orgulha-se.

Zé vivia numa casa simples, com chão de terra batida, em área reivindicada pelo irmão do prefeito de São Félix do Xingu (PA). Um mês depois da gravação, ele, a mulher e a filha de 17 anos foram assassinados a tiros. A chacina teve repercussão nacional, mas os responsáveis ainda não foram sequer identificados.

“Até hoje, a polícia não disse uma palavra sobre o crime. O silêncio é total”, protesta o advogado José Batista Afonso, da Comissão Pastoral da Terra. Na semana passada, ele viajou até Belém para falar com o secretário de Segurança Pública, mas o encontro foi desmarcado em cima da hora. “Já pedimos várias audiências, mas nunca fomos recebidos”, conta.

O Pará lidera o ranking de mortes de ativistas em defesa da terra, do meio ambiente e dos direitos humanos. Neste sábado, a Comissão Arns começará uma visita de uma semana ao estado. O objetivo é levantar informações e cobrar autoridades sobre crimes que permanecem impunes.

“O sul e o sudeste do Pará sempre foram terras sem lei. Nos últimos quatro anos, a situação piorou com o incentivo do governo federal ao desmatamento e ao garimpo”, diz o ex-ministro Paulo Vannuchi, que participará da visita com a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha e o advogado Belisário dos Santos Junior.

O trio se reunirá com ativistas e defensores públicos sob ameaça de morte. Entre outros casos, estão na pauta os ataques aos índios paracanãs e aos trabalhadores do assentamento Terra Nossa. O projeto do Incra, que buscava unir agricultura familiar e preservação da floresta, já foi palco de quatro assassinatos desde 2018. “Ali existe de tudo: grilagem de terra, desmatamento, mineração e caça ilegal. É um clima de faroeste”, resume Maria Laura Canineu, diretora da ONG Human Rights Watch.

“Queremos que a missão sirva de alerta para que casos como o da família de Zé do Lago não se repitam”, diz o ex-ministro Vannuchi. “O papel da sociedade civil é pressionar as autoridades. Se o governo agir, vamos aplaudi-lo. Se for omisso, vamos elevar o tom das cobranças”, promete.

 

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