Folha de S. Paulo
Governo quer só conter sonegação, mas mexe
no vespeiro da injustiça tributária e em conflito social
O governo Lula quer
diminuir a sonegação de imposto no comércio eletrônico internacional. Se o
plano der certo, limita a atividade de muambeiros e sacoleiros digitais. Se
funcionar, também muita gente comum não vai mais poder comprar importados pela
internet, pois os produtos vão ficar mais caros ou as empresas vendedoras vão
desaparecer.
O ministério da Fazenda está certo. Mal
comparando, é como se tentasse acabar com uma versão digital dos velhos
sacoleiros que faziam negócios no Paraguai. Mas o governo mexeu em vários
vespeiros, do pequeno consumismo à injustiça tributária. Vai afetar muito
pequeno consumidor sem ter à mão o discurso de que está pegando os ricos
também, por exemplo.
Quando se trata de imposto maior, ninguém quer saber de argumento econômico, ainda menos em país precário, informal, pobre e com carga tributária relativamente alta, caso do Brasil.
No fundo da revolta, sente-se também o
aroma acre de outra crise mais fundamental, em parte relacionada à dita
polarização política dos últimos anos. As pessoas não querem pagar mais
impostos, mas parte grande do país quer um Estado que gaste. Por outro lado,
parte da classe média ou das pessoas no miolo da distribuição de renda
desgostam do que consideram favores para mais pobres, se sentem injustiçadas
pela tributação e acham que o Estado é um estorvo.
Muita gente simplesmente diz que a conta da
tributação extra deve ficar com os mais ricos (é verdade) ou deve ser paga com
o corte de privilégios para "políticos". Decerto parlamentos e o
Judiciário brasileiros custam caro. Ainda que custassem bem menos, porém, mal
se arranharia o problema fiscal (gastos e dívida do governo).
Essa crise da muamba digital é um alerta
para outras campanhas de aumento de impostos e receitas que virão. Para que
a "Nova
Regra Fiscal" funcione, o governo precisa aumentar a carga tributária.
Isto é, fazer com que o total da arrecadação em relação ao tamanho da economia,
do PIB, aumente em pelo menos 1,5% do PIB (R$ 150 bilhões).
Cerca de metade desse dinheiro extra de que
deve precisar até 2026 viria do fim de uma isenção de impostos que beneficia em
particular o varejo. Ainda que esse projeto passe incólume pelo Congresso, o
caso pode acabar no STJ; se funcionar, pode provocar algum aumento de preços.
Antes disso, parte das empresas maiores de varejo deve fazer barulho, em
especial aquelas de propriedade de antipetistas. Quanto ao contrabando no
comércio eletrônico, as pessoas em geral não fazem ideia de que pagam mais
barato também porque não pagam impostos sobre os produtos que importam. Não
sabem, não querem saber e têm raiva de quem saiba. Não levam em conta que
o contrabando
digital prejudica os negócios e empregos dos varejistas, do pequeno ao
grande, e provavelmente de certas indústrias também.
Como se não bastasse o sururu, não é fácil
fazer a fiscalização e menos ainda designar responsáveis pela coleta do
imposto. Muito centro de comércio eletrônico é um shopping virtual, um
"marketplace", apenas intermediário para vários vendedores
independentes. O dono do "marketplace" vai recolher o imposto? A
empresa responsável pela transação financeira?
Como o governo argumenta, é preciso cobrar
imposto de importados em nome de alguma justiça na concorrência. Se der certo,
haveria benefícios indiretos e difusos para a economia, embora não lá muito
grandes. O governo espera, de modo otimista, recolher R$ 8 bilhões de impostos
por ano, nessa ofensiva. O estrago nas pequenas compras, porém, será grande e
percebido mui concretamente pelo cidadão.
No meio do caminho do "arcabouço
fiscal" tem uma pedreira de impostos.
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