Valor Econômico
Troca de pessoas por máquinas exige
regulação
A economia e a sociedade já mudaram de
forma intensa e radical, da revolução digital à nova geração de programas de
inteligência artificial, passando pela pandemia da covid-19 e pela guerra da
Ucrânia. As novas tecnologias oferecem inúmeras possibilidades de “se fazer e
se viver mais e melhor”. Mas os impactos são grandes, sobretudo sobre o
emprego. A transformação digital é “inexorável e devastadora” e é preciso, com
urgência, gerir a sua transição. “É crucial impedir que a emergência de um
processo de fragmentação social tenha curso, especialmente nas economias ditas
emergentes e mais fortemente ainda em situações sociais onde a exclusão já era
uma marca ou chaga social e histórica”, alerta o economista José Roberto
Afonso, pesquisador do CAPP/ISCSP/Universidade de Lisboa, que assina o ensaio
“Trabalhar e Empreender: o novo mundo da economia digital” com mais três
economistas. São eles: Geraldo Biasoto Júnior, especialista em contas públicas
e consultor independente, Murilo Ferreira Viana, doutorando em Economia pela
Unicamp e Édivo Almeida Oliveira, doutor em Economia pela Unicamp.
Diversos aspectos das mudanças em curso são analisados. Desde os impactos sobre as economias e sociedades, no nível global, ao caso brasileiro, onde a ocupação é marcada pela precariedade, com elevada informalidade, e para mudar essa cena vai ser preciso enfrentar “de forma atualizada e corajosa a questão tributária”, assinala o trabalho. O avanço de novas tecnologias pode colocar em xeque a coesão social, temem os autores.
Embora o novo mundo digital abra grandes
oportunidades, ele traz imensa necessidade de regulação dos tempos de
implementação das mudanças, para que a sociedade brasileira não descambe a
situações de conflito social de grande magnitude. O primeiro exemplo é a
absorção de tecnologias que apenas eliminam postos de trabalho sem ampliar a
produtividade do sistema econômico. A troca de trabalhadores por máquinas exige
capacidade de regulação governamental. Taxar atividades que nada trazem além da
eliminação de postos de trabalho é uma decisão que leva em conta a coesão
social. Mas é apenas um dos aspectos. É preciso, também, atualizar políticas de
emprego para considerem e privilegiem o trabalho cuja realização e remuneração
passa a se dar como empreendedor - ou seja, a pessoa física travestida
formalmente de pessoa jurídica individual e singular. Hoje esses são um dos
focos do fisco.
O ensaio trata, ainda, de aspectos críticos
da questão tributária, em especial a premência de revolucionar o sistema, com
recursos digitais, “para dar vazão ao empreendedorismo”.
O alto custo tributário da folha salarial,
mecanismo indutor da automação, muitas vezes de forma espúria, também é objeto
de debare, assim como o trabalho em condições alternativas. “Por décadas, a
noção disso era o trabalho informal. Agora, temos nova institucionalidade, o
microempreendedor individual, e nova dinâmica no mercado de trabalho”.
Nas economias maduras a questão do
desemprego não é tão dramática. Em geral, um posto de trabalho perdido pela
automação do processo produtivo gera outro posto de trabalho na produção da
máquina que gerou a perda. Este não é o caso das economias sem grande
capacidade tecnológica, que sofrem com a perda de empregos decorrente da
automação mas não conseguem gerá-los em outros estágios da cadeia produtiva. Ao
contrário, é bastante provável que os empregos sejam criados nos países aptos
ao desenvolvimento tecnológico.
Em diversos países avançados, uma parte da
automação tem se dado por razões tributárias. A máquina que promove a automação
é incorporada ao ativo imobilizado como investimento. É verdade que substituir
um trabalhador no caixa de uma loja por um caixa automatizado não envolve ganho
de bem-estar à sociedade, apenas elimina um emprego. E isso se dá pela vantagem
tributária na troca de um trabalhador que custa contribuições sociais por uma
máquina.
Neste caso, a sugestão dos economistas que
assinam o ensaio é que, no Brasil, o governo use da tributação para favorecer
quem cria empregos.
A nova organização da produção abre grandes
possibilidades às empresas de menor porte. Em 2006, a Lei Complementar 123
conferiu à micro e pequena empresa tratamento especial. Mediante o Simples
Nacional, a empresa pode escapar de grande ônus administrativo pela redução de
obrigações tributárias acessórias e pode pagar todos os tributos na mesma guia
de recolhimento.
É inegável que o mercado de trabalho
brasileiro é caracterizado pela informalidade. Metade dos trabalhadores
brasileiros ocupados, hoje, não possui proteção social, nem direito a
seguro-desemprego ou ao auxílio-doença, diante de infortúnio, quanto menos à
renda futura porque sequer poderão se aposentar.
A reforma previdenciária de 2019 nem chegou
a discutir esse fenômeno antigo, mas que agora se tornou “inevitável e
premente”. Restou ao auxílio emergencial, de tapa-buraco emergencial a uma peça
recorrente, crescente e permanente, se transformar em um benefício que vai
muito além da assistência social, na ausência de política social estruturada.
O avanço tecnológico tem tudo para agravar
este quadro.
Em todos os cantos da economia, uma máquina
está substituindo um trabalhador. No atendimento telefônico, vozes eletrônicas
são cada vez mais frequentes. É difícil sustentar que se trata de aumento da
eficiência. Mais provável que seja eliminação de encargos previdenciários e
sociais. Nos cinemas, caixas deram lugar a máquinas de venda por cartão. Nos
supermercados, caixas têm transferido tarefas a consumidores. Que ganho de
produtividade há nisso, não se sabe.
Percorrer um caminho de sucateamento do
trabalho sem alternativas e numa velocidade como a atual, certamente terá desdobramento
sociais explosivos. A repactuação social no Brasil sequer entrou na agenda
nacional de debates.
Certamente é uma agenda mais complexa e
grave do que a reforma de impostos sobre consumo, em que se foca na qualidade
da taxação e a proposta é trocar tributos, sem alterar tanto o nível global de
arrecadação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário