O Estado de S. Paulo
O caminho é oferecer um leque de escolhas, reconhecendo que existem diferenças, mas sem colocar a população em camisas de força
Finalmente, o Ministério da Educação viu
que a reforma do ensino médio não andava bem, e deu uma parada. Agora se
discute se ela deveria ser anulada ou se dá para consertar, mas pouco se fala
sobre por que foi feita e os problemas que tentou resolver.
O ensino médio tem de atender a uma
população de quase 10 milhões de pessoas com condições, interesses e projetos
de vida muito diferentes, e não é possível que todos sigam o currículo
tradicional, que vem dos tempos de Gustavo Capanema, 80 anos atrás. Era um
currículo destinado aos filhos das elites que se preparavam para as profissões
universitárias, quando a grande maioria mal completava um curso primário de
quatro anos.
Aos poucos, o acesso à educação primária aumentou, até quase se universalizar na década de 1990, tendo como foco a capacitação inicial em leitura, escrita e aritmética. O ensino superior também se expandiu. Falava-se em “universidade para todos”, para o que o ensino médio seria a porta de entrada. O antigo ginásio, para crianças entre 11 anos e 14 anos, se incorporou ao primário, ficando como o patinho feio da educação brasileira, espremido entre os que se preocupam com a alfabetização, numa ponta, e com o ensino médio e o acesso ao ensino superior, na outra.
Mas a educação brasileira se expandiu de
forma muito desigual. Uma pequena minoria consegue completar razoavelmente bem o
ensino médio unificado, em escolas particulares ou em poucas escolas públicas
seletivas, e entra nas carreiras universitárias mais valorizadas. A grande
maioria mal cumpre as obrigações mínimas dos currículos obrigatórios e ou fica
com um diploma de nível médio sem qualificação profissional, ou tenta uma
carreira superior de fácil acesso, mas com grandes chances de ficar pelo
caminho e não se profissionalizar.
Em todos os países existem desigualdades na
educação, porque as pessoas vêm de ambientes diferentes e têm interesses e
capacidades distintos. As escolas podem pouco para compensar as diferenças que
os estudantes trazem, e as melhores políticas educacionais são aquelas que
buscam compensar essas diferenças o mais cedo possível. Não é à toa que o exame
do Pisa, adotado em quase todo o mundo para aferir a qualidade da educação, é
aplicado a jovens de 15 anos, quando devem estar completando a educação
fundamental e já deveriam ter os conhecimentos fundamentais de leitura,
raciocínio matemático e formação geral nas ciências naturais, sociais e
humanidades. Muitas das críticas que têm sido feitas à reforma do ensino médio
de 2017 são de que ela deixaria de dar a educação geral que seria necessária
para todos. Mas é no ensino fundamental, até os 15 anos, e não no médio, que
esta formação geral precisa ser dada.
Aos 16 ou 17 anos de idade, que é quando a
maioria dos jovens brasileiros entra no ensino médio, as cartas já estão dadas.
Pretender que todos vão seguir o mesmo caminho e se tornar universitários é condenar
a grande maioria à frustração. Dividir desde cedo os que seguirão os cursos
universitários e os destinados aos cursos técnico-profissionais, como tem sido
feito na maioria dos países na Europa e na Ásia, pode ser mais eficaz, mas
mantém a sociedade dividida em classes e com os menos qualificados sujeitos às
incertezas de um mercado de trabalho em permanente sobressalto.
O caminho é oferecer um leque de escolhas,
reconhecendo que existem diferenças, mas sem colocar a população em camisas de
força. Para os que pretendem entrar desde logo em carreiras universitárias, é
preciso permitir que se direcionem desde logo para suas áreas de preferência. É
possível desenhar os currículos de muitas maneiras, mas, basicamente, são
quatro opções: a formação nas áreas técnicas de Matemática e Engenharia; nas
ciências biológicas e da saúde; nas profissões sociais como Administração ou
Direito; ou nas artes e humanidades, escolhendo uma como principal e outras
como secundárias.
Para os que precisam trabalhar mais cedo, não
têm interesse ou condições de seguir desde logo a trilha universitária, deve
ser possível oferecer uma formação mais prática e valorizada no mercado de
trabalho. Um bom curso profissional de nível médio ou póssecundário pode ser
tão ou mais interessante do que muitos diplomas universitários. As redes
públicas estaduais não sabem fazer isso, é preciso trazer a ajuda do Sistema S
e de algumas poucas escolas técnicas estaduais, e fortalecer o sistema de
aprendizagem em parcerias com o setor produtivo. E é preciso abrir mais espaços
na educação superior, pela ampliação da formação mais prática e aplicada também
neste nível.
Não há como amarrar tudo isso em currículos
fixos, mas é possível direcionar as mudanças por meio de um conjunto de exames
e certificações que substituam o atual Enem, nas quatro áreas principais de
formação e nas principais áreas de formação profissional, como Tecnologia da
Informação, profissões de saúde, eletrônica, etc., deixando as redes escolares
buscarem seus próprios caminhos.
*Sociólogo, é membro da Academia Brasileira
de Ciências
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