Pressa de Lula é incompatível com missão dos BCs
O Globo
Queda da inflação em março prova que nenhum
ministro tem feito mais pelo governo do que Campos Neto
Quando o Banco Central (BC) manteve a Selic
em 13,75% no mês passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu entorno
não esconderam a indignação. Os exegetas de comunicados da autoridade monetária
insistiram — e continuam insistindo — em ver motivação política na decisão,
apesar de a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC apontar avanços
na apresentação das novas regras fiscais pelo Executivo. A inflação de março
demonstrou, para quem ainda tinha dúvida, que o BC tem cumprido sua missão.
Os preços subiram menos que o esperado
(0,71%), e a inflação acumulada em 12 meses caiu para 4,65%, segundo o IPCA.
Pela primeira vez desde fevereiro de 2021, o resultado está dentro dos limites
da meta inflacionária, entre 1,75% e 4,75%. Mesmo que as previsões sugiram um
repique nos preços até o final do ano, é inequívoco o êxito da política de
juros altos para contê-los, em benefício de consumidores e investidores.
Atuando como organismo independente, o BC tem plenas condições de conduzir a inflação aos níveis desejados sem distorções artificiais, como os cortes açodados no governo Dilma Rousseff, que depois forçaram uma reviravolta e altas mais dramáticas. Mas o combate à inflação não depende apenas da autoridade monetária brasileira.
O Copom faz bem em prestar atenção à
situação nos Estados Unidos e na Europa como um dos fatores que, na expressão
usada em seu comunicado, “elevaram a incerteza e a volatilidade”. A inflação
nas economias avançadas interfere nas expectativas e nos preços brasileiros.
Felizmente, depois de demonstrar inesperada resiliência, também ela começa a
ceder. No dia seguinte à divulgação do IPCA no Brasil, saiu a inflação
americana de março. Lá também houve queda, para 5% em 12 meses (ante 6% em
fevereiro). Foi o índice mais baixo desde maio de 2022. Tal resultado animou os
mercados no mundo todo e derrubou o dólar no Brasil.
A boa notícia de queda na inflação não
significa necessariamente que o BC americano relaxará a política monetária. O
Fed já elevou as taxas nove vezes desde março de 2022 e ainda se espera um novo
aumento antes que Jerome Powell e seus diretores deem um tempo. O FMI recomenda
que as autoridades monetárias não relaxem no aperto dos juros, mesmo diante dos
problemas inevitáveis no mercado de crédito e da insolvência de algumas
instituições financeiras. O cenário inflacionário global será determinante para
a resposta do BC brasileiro.
Diversos estudos em ciência política
comprovam a associação entre alta na inflação e queda na popularidade
presidencial. Portanto, em meio à confusão e incerteza que Lula tem disseminado
com suas decisões sobre política econômica — incluindo suspensão de privatizações,
revisão do Marco do Saneamento e da Lei das Estatais, intervenção na Petrobras
e novas balizas fiscais —, os números deixam evidente um fato: por ironia,
nenhum ministro tem feito mais pelo governo Lula que o presidente do BC,
Roberto Campos Neto, ao conter a inflação.
Endurecimento de regras para culto à
violência em redes sociais é oportuno
O Globo
Twitter e outras plataformas eram
reticentes a bloquear conteúdos que incentivam massacres em escolas
O Ministério da Justiça e Segurança Pública
editou uma portaria oportuna endurecendo as regras para plataformas digitais
que veiculam conteúdos de estímulo ao ódio e à violência, como apologia a
massacres em escolas. Quando cobradas, essas empresas agem com arrogância, como
se não tivessem responsabilidade pelo que veiculam. Evidentemente têm. Diante
dos episódios de horror nas últimas semanas, todo esforço precisa ser feito
para barrar a onda de atrocidades tramadas via internet.
Pela portaria, que valerá até o Congresso
legislar sobre o tema, as plataformas terão de atender à solicitação das
autoridades para retirar do ar imediatamente conteúdos violentos ou ilícitos.
Caso se recusem, estarão sujeitas a inquérito administrativo para apurar
responsabilidade. Em casos extremos, poderão ser multadas em até R$ 12 milhões
ou bloqueadas.
Embora seja essencial responsabilizar as
plataformas, tudo deve se dar nos limites da lei, tendo o Judiciário como Poder
decisório, se provocado pelo Ministério Público ou pelos ofendidos. Não é
saudável para nossa democracia que a tarefa caiba a órgãos do Executivo,
tampouco que isso ocorra fora dos parâmetros legais. É o que parece acontecer
quando a portaria dá, sem previsão na lei, poder de moderação de conteúdo à Secretaria
Nacional do Consumidor (Senacon). Do outro lado da balança, está a liberdade de
expressão, também essencial à vida democrática.
Feita a ressalva, é fundamental agir antes
de a barbárie se concretizar. Estudos mostram que os ataques a escolas costumam
ser planejados, anunciados e compartilhados em comunidades extremistas. Daí a
importância da colaboração das plataformas. Até agora, a resposta delas foi
decepcionante. O Twitter, a mais resistente, só começou a retirar do ar
conteúdos extremistas depois que a portaria entrou em vigor.
Em menos de um mês, o Brasil foi sacudido
por ataques trágicos a estabelecimentos de ensino, que resultaram na morte de
uma professora, quatro crianças e em pelo menos 14 feridos em São Paulo, Santa
Catarina, Goiás e Ceará. O “efeito contágio” costuma ser mais presente nas duas
primeiras semanas depois dos ataques, por isso é preciso atenção máxima para
evitar propagar a barbárie (os veículos do Grupo Globo têm seguido as normas
mais restritivas a respeito).
Aproveitando o clima, inescrupulosos tentam semear o medo entre estudantes, pais e professores, espalhando nas redes ameaças e boatos. Esses irresponsáveis também têm de ser punidos. Mas é preciso agir com sensatez. Embora traumáticos e preocupantes, massacres em escolas são episódios localizados. Considerando os números dos últimos 20 anos no Brasil, as chances de um atentado numa escola são inferiores a uma em 10 mil. Claro que não dá para relaxar, mas o pânico não ajudará em nada. O que governos, plataformas digitais e sociedade precisam fazer é agir para barrar no nascedouro o discurso de ódio e culto à violência, antes que atinja seu objetivo macabro.
Gasto subestimado
Folha de S. Paulo
Revelação de manobra do governo reforça
dúvidas sobre projeções para o déficit
Já havia dúvidas sobre as projeções do
governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o resultado das contas do Tesouro
Nacional neste ano, que parecem algo otimistas em demasia. Agora, reportagem
desta Folha reforça essa impressão.
Com base na Lei de Acesso à Informação
(LAI), descobriu-se que a área econômica alterou, antes da divulgação oficial,
as estimativas para o gasto com os benefícios do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), obtendo uma cifra menor —e menos realista.
A manobra consistiu em encomendar um novo cálculo
da despesa ao Ministério da Previdência, que considerasse o atual valor do
salário mínimo, de R$ 1.302 mensais. A área técnica da pasta havia
feito sua previsão já considerando que o mínimo será elevado a R$ 1.320 a
partir de maio.
Com essa única penada, foi reduzido o
desembolso previsto —e o déficit esperado nas finanças do governo— em R$ 7,7
bilhões.
O artifício contribuiu para que a revisão
bimestral do Orçamento de 2023, publicada em março, trouxesse projeção de rombo
de R$ 107,6 bilhões. O número ainda é elevadíssimo, mas bem inferior aos cerca
de R$ 230 bilhões da lei orçamentária aprovada pelo Congresso e mesmo aos R$
120 bilhões até então citados por autoridades.
O governo Lula não viola nenhuma lei com
tal procedimento, mas se arrisca a dificultar a busca por credibilidade da
política fiscal. As administrações petistas têm um triste passado de
manipulação de números e até de balanços contábeis —neste caso, resultando no
impeachment de Dilma Rousseff.
Se nada de tão grave ocorre agora, cumpre
observar que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, promete um déficit ainda
menor neste ano, mais próximo dos R$ 50 bilhões (0,5% do Produto Interno
Bruto), e equilíbrio das contas já em 2024, o que
desperta considerável ceticismo entre analistas.
Anuncia-se que esses resultados serão
obtidos com aumento da arrecadação tributária, o que também parece bastante
otimista. Caso não se consigam todas as receitas imaginadas, haverá disposição
do Planalto para cortar gastos públicos na proporção necessária?
Note-se que a despesa previdenciária, ora
subestimada nas projeções oficiais, é de natureza obrigatória. Vale dizer, o
governo não tem escolha além de pagar aposentadorias e outros benefícios
conforme os ditames constitucionais. Cedo ou tarde, portanto, o valor correto,
com o salário mínimo de R$ 1.320, será conhecido de todos.
Para manter o gasto total do Tesouro na
dimensão estimada, será preciso fazer cortes em outras áreas, como
investimentos. A alternativa é elevar os dispêndios e a carga tributária além
do previsto.
CFM em negação
Folha de S. Paulo
Oposição ao aborto por telemedicina
desconsidera ciência e desigualdades do país
O aborto é permitido no Brasil apenas
quando a gravidez decorre de estupro, coloca em risco a vida da mulher ou é de
feto anencéfalo.
Mas, mesmo nessas situações, gestantes têm
dificuldades para exercer o direito, e médicos enfrentam barreiras para auxiliá-las.
O Conselho Regional de Medicina de Minas
Gerais abriu
processo contra a ginecologista Helena Paro, que atua no Hospital de Clínicas
de Uberlândia, para investigar o uso da telemedicina em aborto
medicamentoso —que se dá quando a paciente toma o remédio (misoprostol) e vai
para sua residência, de onde é monitorada pela internet ou pelo telefone.
O caso baseia-se numa portaria do Conselho
Federal de Medicina de 1998, segundo a qual o medicamento só pode ser comprado
e usado por hospitais cadastrados.
Contudo os procedimentos realizados por
telemedicina têm respaldo em norma da Anvisa, de 2020, que permite o uso remoto
de todas as drogas da chamada lista C —onde se enquadra o misoprostol.
Durante o governo Jair Bolsonaro (PL),
notoriamente contrário ao aborto, o mesmo CFM e o Ministério da Saúde emitiram
notas e ofícios apontando efeitos adversos graves decorrentes do uso do
medicamento fora do ambiente hospitalar. Mas tal discurso revela negacionismo
científico.
Pesquisa britânica que analisou mais de 50
mil procedimentos verificou alto índice de sucesso (98,2%) e percentual ínfimo
de efeitos colaterais graves (0,04%). A Organização
Mundial da Saúde (OMS) atesta a segurança do aborto medicamentoso e
recomenda a prática remota —útil sobretudo em regiões mais pobres.
Esse, por sinal, é um problema enfrentado
no Brasil. Há desigualdades regionais na cobertura do SUS em diversas áreas e,
em relação ao aborto, a distorção é patente.
Pesquisadores da Universidade Federal de
Santa Catarina verificaram, em 2019, que os 290 estabelecimentos que realizavam
aborto legal estavam em apenas 3,6% dos municípios. Essa disparidade e a
pandemia levaram o Hospital de Clínicas de Uberlândia a oferecer o serviço
monitorado a distância.
Não faz sentido que o CFM vá contra as
evidências científicas e a realidade desigual brasileira.
O Ministério da Saúde, livre do negacionismo bolsonarista, já revogou portarias que dificultavam o aborto legal. Espera-se que normatize a prática por telemedicina, por razões de saúde pública.
Baixar os juros não é tão simples
O Estado de S. Paulo
Recuo da inflação sugere que há espaço para
reduzir a taxa básica, mas BC ainda está reticente, pois o governo precisa dar
sinais mais claros de compromisso com equilíbrio fiscal
A inflação brasileira mostra tendência de
desaceleração, segundo indicam os números oficiais e também as previsões de
economistas. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) foi em
março de 4,65% em termos anuais, o que significa que voltou a ficar dentro da
meta oficial considerando-se a margem de tolerância, que vai de 1,75% a 4,75%.
Além disso, a primeira prévia deste mês de abril do Índice Geral de Preços –
Mercado (IGP-M) teve a maior queda desde o Plano Real: houve deflação desse
outro indicador de 0,90% e em 12 meses o índice está agora apresentando uma
queda de 2,12%.
Isso certamente deve aumentar a pressão
sobre o Banco Central (BC) para reduzir os juros, como cobra, todos os dias, o
presidente Lula da Silva. Afinal, os juros foram elevados e mantidos nesse
patamar em razão de uma perspectiva de alta da inflação. Mas a coisa não é tão
simples quanto Lula gostaria.
Para que os juros sejam reduzidos, não
basta que as projeções indiquem o recuo da inflação. A decisão sobre o nível da
taxa básica depende de outros fatores, em especial do compromisso do governo
com o equilíbrio fiscal. E isso ainda não está muito claro, a despeito do
entusiasmo de muitos com o novo regime fiscal apresentado pelo ministro da
Fazenda, Fernando Haddad.
É de todo desejável que os juros caiam. Na
sua última reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve em 13,75% a
taxa Selic, que serve de base para a definição de juros no País. É a segunda
taxa nominal mais elevada do mundo, só perdendo para os juros estratosféricos
reinantes na combalida Argentina.
São consistentes os sinais de aperto no
crédito, e já há quem veja uma crise mais grave avizinhando-se. Empreendedores
em geral, grandes e pequenos, se queixam de que não conseguem financiamento a
um custo que não seja proibitivo. A inadimplência dos consumidores segue muito
alta. Todas as projeções sobre o desempenho da economia brasileira sugerem um
cenário de baixo crescimento neste e nos próximos anos. Para um país que está
estagnado há mais de uma década, não é algo aceitável.
Se os juros altos são causa principal dessa
perspectiva sombria, são também consequência da tolerância do governo à
inflação, que não é de hoje: na gestão de Jair Bolsonaro, a inflação turbinou
as receitas do Tesouro, ajudando a melhorar as contas, enquanto esfolava os
pobres e a classe média; o governo de Dilma Rousseff, por sua vez, deu de
ombros à inflação ao proclamar que “gasto é vida”, fazendo da
irresponsabilidade fiscal sua estratégia de crescimento – o resultado, todos
sabem, foi a pior recessão da história nacional. Como Lula da Silva não renegou
Dilma, isto é, não reconheceu o desastre de sua pupila, é natural que a
autoridade monetária ainda desconfie da disposição do atual governo de
restabelecer a racionalidade na administração das contas públicas, a despeito
dos genuínos esforços do ministro Haddad.
O Banco Central, como tem enfatizado seu
presidente, Roberto Campos Neto, considera que a queda da inflação em março é
apenas um dado a mais a ser levado em consideração nas decisões sobre a taxa
Selic. Em conversas durante a assembleia do Fundo Monetário Internacional
(FMI), em Washington, comparou a taxa Selic a um tratamento com antibiótico
aplicado ao paciente – a economia brasileira. “Se você parar no meio do
tratamento só porque você tem os primeiros sintomas mais positivos, você pode
perder todo o efeito”, disse.
O BC tem deixado claro em seus comunicados
após as reuniões do Copom que prefere olhar para os dados no âmbito de um
“horizonte relevante”. Ou para citar o texto do comunicado, “o Comitê optou
novamente por dar ênfase ao horizonte de seis trimestres à frente. (….) O
Comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente
é maior do que o usual”.
Trocando em miúdos, a bola está com o
governo, que deve mostrar respeito pelos fundamentos econômicos, sem flertar
com experiências heterodoxas e populistas que, a título de impulsionar o
desenvolvimento do País, ameaçam condená-lo de vez à mediocridade.
Militares estão sujeitos à lei e ao poder
civil
O Estado de S. Paulo.
O depoimento de 3 generais e mais 78 militares
sobre o 8 de Janeiro reafirma valores da República. Todos são iguais perante a
lei. O poder militar está submetido ao poder civil
No dia 12 passado, a Polícia Federal (PF)
ouviu em Brasília o depoimento de 3 generais – os generais de divisão Carlos
José Russo Assumpção Penteado e Carlos Feitosa Rodrigues e o ex-comandante
militar do Planalto Gustavo Henrique Dutra de Menezes –, além de outros 78
militares. Eles depuseram na condição de testemunhas, e não de investigados. A
Operação Lesa Pátria apura eventual conivência e participação de integrantes
das Forças Armadas nos crimes cometidos no 8 de Janeiro. Segundo a PF já havia
afirmado, existem indícios de “possível participação/omissão dos militares do
Exército Brasileiro, responsáveis pelo Gabinete de Segurança Institucional e
pelo Batalhão da Guarda Presidencial”, na invasão das sedes dos Três Poderes.
A oitiva de testemunhas é parte habitual do
inquérito policial e não envolve nenhuma atribuição de responsabilidade em
relação a quem foi convocado a depor. De toda forma, o que ocorreu na
quarta-feira passada reafirma um ponto essencial do Estado Democrático de
Direito: o poder militar está submetido ao poder civil. Por exemplo, o general
Gustavo Henrique Dutra de Menezes foi ouvido durante sete horas, tendo sido
questionado, entre outros temas, sobre a declaração, feita por coronéis da
Polícia Militar, de que o Exército teria impedido o desmonte do acampamento de
manifestantes bolsonaristas em frente ao Quartel-General, em Brasília.
Nesse fato aparentemente corriqueiro – a
oitiva de testemunhas militares numa investigação criminal conduzida pela
Polícia Federal –, reitera-se um princípio fundamental da República. Todos são
iguais perante a lei. Não há exceções, não há privilégios. Igualmente
submetidos ao poder civil, todos têm de respeitar a lei.
A oitiva dos militares na Operação Lesa
Pátria é consequência direta do que estabelece a Constituição de 1988 e vem
sendo reiteradamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Cabe à
Justiça comum julgar eventuais crimes praticados por militares. Com competência
restrita, a Justiça Militar julga apenas “os crimes militares definidos em
lei”, tal como prevê o texto constitucional.
Em fevereiro, aplicando a jurisprudência do
STF, o ministro Alexandre de Moraes afirmou a competência da Corte para
processar e julgar os crimes ocorridos no 8 de Janeiro, “independentemente de
os investigados serem civis ou militares”. A não diferenciação entre civis e
militares foi uma decisão correta, preservando a igualdade de todos perante a
lei.
A oitiva dos militares pela PF não é
nenhuma afronta à autoridade das Forças Armadas, tampouco significa alguma
forma de revisionismo histórico. Não se está discutindo a história, muito menos
a Lei da Anistia. A Operação Lesa Pátria investiga crimes praticados em 2023 ou
que tiveram seu desfecho em 2023. Ou seja, trata-se apenas da aplicação da lei
vigente no Brasil, sem fazer distinções antirrepublicanas.
Reafirmando que os militares foram ouvidos
na condição de testemunhas, o Exército comunicou que eles foram instruídos a
colaborar com as investigações dos órgãos competentes. Fez bem o Exército.
Afinal, no Estado Democrático de Direito só existe essa possibilidade. Todas as
pessoas, especialmente os funcionários públicos, têm o dever de colaborar com
as investigações realizadas pelos órgãos estatais. Não cabe nenhuma outra
atitude. Eventual ordem para dificultar em alguma medida as investigações seria
ilegal e com possíveis consequências penais.
Os atos do 8 de Janeiro foram gravíssimos e
merecem a mais rigorosa apuração, investigando não apenas os militares, mas
também seus eventuais mandantes. O que aconteceu em Brasília no segundo domingo
de 2023 foi a negação da liberdade e da convivência pacífica – o uso da violência
para afrontar os Poderes constitucionalmente constituídos. A melhor resposta
que se pode dar a esses eventos bárbaros é o cumprimento da lei, com o respeito
às competências judiciais e o funcionamento republicano das instituições, sem
fazer distinções de pessoas, com privilégios ou com perseguições ideológicas.
MPE dá parecer para tornar Bolsonaro
inelegível
O Estado de S. Paulo.
É direito dos cidadãos conhecer as
alegações do Ministério Público Eleitoral para tornar Bolsonaro inelegível
O Ministério Público Eleitoral (MPE) se
manifestou pela inelegibilidade de Jair Bolsonaro ao apresentar suas alegações finais
na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) movida contra o ex-presidente
pelo PDT. Este jornal não esperava outra posição do parquet, haja vista que
essa Aije – apenas 1 dos 16 processos que correm contra Bolsonaro no Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) – diz respeito ao infame circo montado pelo
ex-presidente diante de embaixadores estrangeiros, em julho de 2022, para
mentir sobre a integridade do sistema eleitoral e fazer o Brasil parecer uma
republiqueta pouco confiável.
Além de desonrar o País perante
representantes da comunidade internacional, Bolsonaro cometeu abuso de poder
político de modo tão escancarado que a mera ideia de o MPE não enxergar que um
crime eleitoral havia sido praticado com aquela pantomima seria algo
inconcebível. Nesse sentido, o MPE não fez mais do que sua obrigação como
instituição de defesa do regime democrático e da ordem jurídica.
Mas, se está claríssimo que um crime
eleitoral foi cometido por Bolsonaro, e pelo qual ele deve ficar inelegível
pelo prazo de oito anos, ainda não se conhece o teor das alegações finais do
MPE e da defesa, além de outras informações processuais. É um absurdo.
Por determinação do ministro relator,
Benedito Gonçalves, o processo está sob sigilo “provisório”. O ministro acolheu
um pedido da defesa de Bolsonaro, que, também em alegações finais, argumentou
que “não há provas” da ligação do ex-presidente com a chamada “minuta do
golpe”, o esboço de um decreto encontrado na casa do ex-ministro da Justiça, o
bolsonarista Anderson Torres, que previa intervenção federal no TSE a fim de
desqualificar o resultado da eleição de 2022. Por decisão do ministro
Gonçalves, o documento encontrado na casa de Torres, ora preso no Distrito
Federal, foi incorporado à ação eleitoral interposta pelo PDT.
Não há razão objetiva que justifique a
manutenção do sigilo sobre o conteúdo desse processo no TSE. Todos os atos
processuais, por regra, devem ser públicos, exceto quando o interesse público
ou social exigir o contrário. As hipóteses estão muito bem definidas pelo Código
de Processo Civil (processos que tratam de casamento, divórcio, separação de
corpos, união estável, alimentos e guarda de crianças e adolescentes).
Ora, no caso específico do processo
eleitoral contra Bolsonaro, o interesse público estará resguardado justamente
com a publicidade da ação. Sem constrangimento, Bolsonaro humilhou a sociedade
e demonstrou profundo desprezo pelo Brasil ao sobrepor seu interesse particular
– a permanência no poder – à imagem do País no exterior. O estrago só não foi
maior porque a grande maioria dos diplomatas estrangeiros sabia muito bem com
quem estava lidando e sabia o que Bolsonaro pretendia com suas investidas
contra o sistema eleitoral.
Como aos cidadãos, agora, não é dado conhecer em detalhes um dos processos que mais interessam ao País, o que pode definir o destino político de um de seus maiores detratores?
Sinais de redução da taxa da inflação se
acentuam
Valor Econômico
Os fatores de baixa podem se sobressair nos
próximos meses, se a política econômica do governo não for desastrada
O IPCA de março foi uma boa surpresa e deu
sinais mais claros de que a inflação caminha para uma redução consistente,
embora sua trajetória ainda passe longe da margem superior de variação da meta
(4,75%). No primeiro trimestre ampliou-se a surpresa inflacionária positiva,
isto é, IPCA abaixo da estimativa de curto prazo do Banco Central, para -0,56
ponto percentual. Nos doze meses encerrados em março, o índice recuou de 5,65%
para 4,65%, encaixando-se, pela primeira vez, desde janeiro de 2021, dentro da
banda de variação da meta. Valorização importante do real e queda dos preços
das commodities, se mantidas, podem acelerar a desinflação.
Com um pouco de sorte o Banco Central poderá
começar a reduzir os juros antes de novembro. Se isto ocorrer, não terá nenhuma
relação com a pressão politicamente motivada do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva e de seu staff para a redução da Selic. Dado o desempenho atual da
inflação, os juros terão de ser mantidos por mais tempo. Um dos motivos para
isso, entre outros, é o comportamento dos núcleos de inflação. Eles
apresentaram recuo importante em março ante fevereiro, de 8,44% para 7,78% em
12 meses, mas ainda assim estão longínquos 4 pontos percentuais da meta de
3,25%. Um outro é que a tendência de curto prazo, expressa pelo IPCA trimestral
dessazonalizado e anualizado, não é segura e encontra-se ainda ao redor de 7%,
segundo economistas do Santander. (Valor,
ontem).
O IPCA em março foi de 0,71%, abaixo da
expectativa dos economistas. A alta pode ser atribuída na maior parte ao
aumento de preços da gasolina e da energia, frutos de ajustes de impostos com
data marcada. A gasolina subiu 8,33%, tornando a variação dos custos dos
transportes responsável por 60% da variação do índice. A energia subiu 2,23%.
Excluindo-se estes itens, o IPCA teria subido apenas 0,25% no mês.
Indicações positivas apareceram na
decomposição do índice. Os preços livres tornaram-se bem comportados (0,18%
ante 0,84% no mês anterior), assim como os bens industriais, que durante algum
tempo apresentaram altas expressivas (recuo de 0,54% para 0,27% em março). Mais
relevante, o setor de serviços, o último a se recuperar da pandemia e o mais
renitente na alta de preços, variou 0,25% no mês passado, ante aumento muito
superior, de 1,41%, em fevereiro. Os serviços subjacentes, que são mais
sensíveis à conjuntura, aumentaram 0,35%, ante 0,55% antes (cálculos da MCM
Consultores).
A gangorra dos preços pregará uma peça em
breve. Supondo-se que o BC acerte na previsão dos IPCA mensais até junho (em
março errou para mais em 0,15 ponto), a inflação em 12 meses chegará em junho
em 3,3%, praticamente no centro da meta. No entanto, não terá chegado a hora do
afrouxamento monetário. Julho, agosto e setembro de 2022, que passarão a entrar
na conta, foram meses de deflação. Mesmo que o IPCA seja zero nesses meses, ele
subirá 1,23% no período, jogando-o novamente no teto de variação, faltando
ainda três meses para fechar o ano.
Há sinais de que o cenário possa se tornar
mais favorável à queda de preços. O IPCA ultrapassou dois dígitos por um ano em
parte devido à dobradinha inusual de commodities e dólar em alta, quando o
normal é variarem em sentido contrário um ao outro. Pois agora, no primeiro trimestre,
ocorre a mesma coisa, com movimento inverso. O dólar se desvalorizou 7% no ano.
Os preços das commodities caíram 6,83% no trimestre encerrado em março. Os
preços da energia desabaram, provocando redução da inflação também nos países
ricos, como mostram os mais recentes índices divulgados. No trimestre, o recuo
é de 25,2% e de 34,5% em doze meses.
Além disso, a elevada inflação dos
alimentos (7,29% em 12 meses) deve arrefecer bastante, com a supersafra
agrícola a caminho. O IBGE divulgou ontem nova estimativa, com aumento de 13,5%
em relação à colheita anterior, em um total de 300 milhões de toneladas.
Na decomposição feita pelo BC do IPCA de
2022, de 5,79%, a inércia inflacionária teve o maior peso (2,74 pontos) e ela
tende a ser menor agora. Em seguida vieram as expectativas, (1,2 ponto) que
também podem cair, como ameaçam, depois que o governo apresentou o novo regime
fiscal. O hiato do produto, que joga contra a inflação (-0,45 ponto) está se
ampliando, pois a economia está desacelerando. No cenário de riscos do BC, os
fatores de baixa podem se sobressair nos próximos meses, se a política
econômica do governo não for desastrada.
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