Depois da briga das MPs, Congresso não tem tempo a perder
O Globo
Pauta foi enfim destravada com instalação
de comissões mistas. Agora é preciso encarar prioridades
A pauta do Congresso Nacional foi enfim
desbloqueada, com a instalação de três comissões mistas para análise de Medidas
Provisórias. Uma tratará da MP 1.154/23, que cria novos ministérios e
reestrutura a organização do Executivo. Outra cuidará da MP 1.162/23, que
retomou o programa Minha Casa Minha Vida. A terceira se debruçará sobre a MP
1.164/23, com as regras do novo Bolsa Família. Apenas cem dias depois do início
do governo Luiz Inácio Lula da Silva e 69 dias depois da posse de senadores e
deputados, o Congresso voltará a tratar dos temas mais relevantes para os
eleitores. Já passou da hora de o Parlamento começar a trabalhar com seriedade.
A atual legislatura tem uma agenda enorme pela frente.
A paralisação da pauta resultou da querela entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a tramitação das MPs. No primeiro trimestre de 2020, as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado concordaram que, devido à pandemia, as comissões mistas não seriam instaladas. Em vez disso, as MPs teriam um trâmite veloz, com o poder nas mãos do presidente da Câmara. O pior da pandemia passou, mas Lira, contrariando a Constituição, queria manter de forma indefinida o acordo temporário.
As MPs são editadas pelo presidente da
República com efeito jurídico imediato, mas precisam ser analisadas e votadas
no Congresso num prazo de até 120 dias. Caso isso não aconteça, perdem a
validade. Quando são deixadas de lado, trancam a pauta do Congresso. É esperado
que as três comissões mistas criadas nesta semana, com paridade entre deputados
e senadores, marquem o fim desse período de imobilismo parlamentar. Agora
ficará claro se o governo tem a capacidade de construir uma base confiável para
aprovar seus projetos prioritários.
O mais urgente será o novo regime fiscal.
Sem um plano para gerenciar a dívida pública no médio e longo prazos, a
economia não voltará a crescer em patamares elevados. Na apresentação do
arcabouço fiscal, o governo se comprometeu a zerar o déficit e a obter
superávits a partir de 2025, para garantir redução na dívida. Os detalhes da
proposta, porém, ainda são incertos, e a discussão no Congresso é crítica para
formular um regime confiável.
Mais adiante, quando chegar ao Congresso a
proposta de reforma tributária, os deputados e senadores terão a missão de
formar um consenso que represente um avanço significativo no sistema de
impostos brasileiro, conhecido pela excessiva complexidade e pela dificuldade
que impõe a qualquer um que se disponha a fazer negócios no Brasil. Uma vitória
na questão tributária, que tem frustrado iniciativas governos a fio, traria uma
mudança substantiva de percepção sobre Lula.
Além da votação de projetos do Executivo,
seria bem-vinda uma postura mais ativa do Parlamento. É improvável que o
governo priorize a reforma administrativa. Nesse e noutros casos, as lideranças
do Congresso deveriam assumir o protagonismo. Com a energia voltada para
barganhas espúrias e interesses paroquiais, o Congresso tem sido, com seu
marasmo crônico, um dos maiores responsáveis pela anemia da economia
brasileira. A perda de tempo com a querela das MPs é só a última prova disso. O
início para valer dos trabalhos legislativos oferece uma boa oportunidade de
mudar.
Não faz sentido uso do FGTS para financiar
compra de automóveis
O Globo
Ideia em gestação no governo não resolverá
problema de transporte e trará prejuízos à produtividade
Está em gestação no governo federal mais um
incentivo para movimentar a indústria automobilística. Uma das medidas em
discussão, revelou reportagem do GLOBO, é autorizar o uso de parte do FGTS para
o cidadão trocar de carro. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes
de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, afirma que a
iniciativa ajudaria a “manter os fabricantes no país e o nível de emprego no
setor”. Outra medida em análise é a volta do carro popular. Na nova versão
discutida entre as montadoras e o governo, ele seria movido a etanol e custaria
entre R$ 45 mil e R$ 50 mil. A expectativa é produzir 300 mil veículos.
A indústria automobilística, que no Brasil
contou com incentivos do Estado desde o início, é uma espécie de obsessão das
gestões petistas. Não dá para esquecer, no governo Dilma Rousseff, o programa
Inovar-Auto. A pretexto de modernizar a produção, consumiu R$ 1,3 bilhão anuais
em incentivos entre 2012 e 2017, protegeu a indústria da competição externa e
custou ao país uma condenação na OMC, com resultado pífio — para não dizer nulo
— em matéria de produtividade.
É verdade que a frota brasileira está
envelhecida. Em média, 10,3 anos de uso, mesmo patamar de 1995. Para cada
carro zero, são vendidos sete usados. Mas a proposta não se
deve às agruras dos motoristas com suas latas-velhas, e sim à insatisfação das
montadoras e ao interesse do governo em favorecer fortes bases sindicais. A lei
manda o dinheiro do FGTS ficar corroendo na conta com remuneração inferior à
inflação. Qual a razão para liberá-lo só para a compra de carros?
Incentivar a renovação da frota pode
resolver o encalhe das montadoras, cujas fábricas estão paradas, mas está longe
de solucionar as mazelas do transporte. Ao contrário, tem tudo para agravá-las.
Não é sensato favorecer o transporte individual quando o mundo prioriza o
coletivo. Nos horários de pico, o trânsito não anda nas grandes cidades.
Engarrafamentos significam mais poluição e menos produtividade. No Rio,
passageiros da linha de ônibus mais longa levam até quatro horas para chegar ao
destino em meio a infindáveis congestionamentos. Pode piorar.
Mesmo que os novos modelos poluam menos,
estimular o uso de carros particulares é um contrassenso num governo que se diz
comprometido com a redução de emissões de gases. A tendência é o número de
veículos disparar. No Chile, onde a medida foi adotada, as vendas “estouraram”,
segundo a própria Anfavea.
Afagos às montadoras são um fetiche do PT. No governo Dilma, além do Inovar-Auto, houve incentivos à compra de caminhões, quando o problema principal era (e continua sendo) o péssimo estado das estradas. O governo precisa deixar a indústria automobilística se mover com suas próprias rodas. Ajudaria mais se melhorasse o ambiente de negócios e as condições econômicas. O dinheiro para estimular transporte individual seria mais bem empregado na saúde, na educação, na preservação de florestas e noutros setores que precisam mesmo de ajuda do Estado.
Mais compostura
Folha de S. Paulo
Deputados em audiência com ministro violam
decoro com bate-boca lastimável
O presidente da Comissão de Segurança e
Justiça da Câmara dos Deputados bem que tentou zelar pelo tom solene e cordial
da audiência com Flávio Dino, ministro da Justiça do governo Lula.
"Se lá na CCJ foi aquela pantomima,
aqui não vai ser", anunciou Sanderson (PL-RS), tão logo notou sinais de
desrespeito e perturbação da ordem no colegiado que dirige.
Queria evitar a repetição da descompostura
verificada no dia 28 de março, quando audiência com o mesmo ministro, só que na
Comissão de Constituição e Justiça, terminou em
vexatório bate-boca em tudo incompatível com a dignidade do Parlamento
brasileiro.
Se a intenção de Sanderson era boa, o que
lhe sobrava de nobreza carecia de firmeza —não por culpa dele, mas de alguns
deputados que, ignorando os apelos que se acumulavam, agiram como se civilidade
e sensatez fossem palavras destituídas de sentido prático.
Engalfinhando-se numa refrega infértil,
interminável e descortês, conseguiram o que talvez fosse seu objetivo:
aniquilaram o ambiente de trabalho a tal ponto que, menos de duas horas depois
de ter começado, a sessão
terminou de forma abrupta e melancólica.
Não satisfeitos, deputados de oposição
entregaram-se a um pastelão nonsense ao gritar "fujão" para Dino, que
lá estava como convidado para prestar esclarecimentos a respeito de sua pasta e
que não teve nenhuma participação no desfecho lastimável da audiência.
Seria um eufemismo sustentar que certos
membros da comissão romperam com o decoro parlamentar; o que eles fizeram foi
mandar às favas o código de ética que rege o comportamento na Câmara.
Em vez de zelar pelo prestígio do
Parlamento como instituição representativa, jogaram-no no lixo; em vez de
tratar com respeito os colegas e as autoridades, entregaram-lhes escárnio. De
uma tacada, perturbaram a ordem da sessão, violaram as regras de boa conduta e
desferiram ofensas morais onde elas são proibidas.
Agindo assim, rasgaram o propósito do
convite a Dino ou a qualquer outro ministro: ao Congresso compete não só propor
leis, mas também controlar e acompanhar os atos do Executivo, numa função
fiscalizadora que se soma à legislativa no equilíbrio entre os Poderes.
Alguns deputados, infelizmente, dão de
ombros para isso. Estão menos interessados no bom funcionamento das instituições
do que em repercutir nas redes sociais. Para tal propósito a intolerância vale
mais que a pluralidade, a intimidação mais que o diálogo, a mentira mais que a
busca da verdade.
Não são essas as condutas que se esperam
dos representantes do povo. Com a palavra, o Conselho de Ética e Decoro
Parlamentar.
Medindo forças
Folha de S. Paulo
Tensão cresce entre Israel e Palestina, mas
contexto desencoraja ações bruscas
Após violenta operação policial contra
palestinos na semana passada, Israel
enfrentou foguetes que partiram de Gaza, Líbano e Síria. Ataques de
Gaza são relativamente comuns, enquanto a fronteira norte do país tende a ser
mais calma.
O governo do primeiro-ministro Binyamin
Netanyahu retaliou, mas evitou uma escalada, e os vizinhos também mostraram
alguma contenção. Um conflito de maior magnitude parece não ser do interesse de
nenhuma das partes.
Os principais atores testam a disposição de
aliados e inimigos num momento em que a região passa por realinhamento
geopolítico.
Sob os auspícios da China, Arábia Saudita e
Irã retomaram relações diplomáticas, rompidas desde 2016. O acerto não
interrompe, mas tira a intensidade de um outro movimento de redefinição do
panorama regional.
Apoiado pelos EUA, Israel vinha
estabelecendo relações diplomáticas com alguns Estados do Golfo Pérsico para
juntar forças contra o Irã, visto como um inimigo comum. Havia expectativa de
adesão da Arábia Saudita.
A volta de Netanyahu ao poder muito mais à
direita também contribuiu para atrasar a normalização do país. Alguns de seus
novos parceiros têm um discurso hostil aos palestinos e aos árabes em geral.
Ademais, o radicalismo da nova coalizão não
fez vítimas apenas no âmbito externo. O governo tenta emplacar uma reforma do
Judiciário que rachou a
sociedade de modo sem precedentes, gerando protestos com milhares de pessoas.
A proposta, que esvazia a Suprema Corte a
ponto de ameaçar o equilíbrio entre os Poderes, causou tanta controvérsia que
Netanyahu se viu obrigado a suspendê-la, mas sem desistir dela.
O governo está enfraquecido. Pelas
pesquisas, se houvesse um novo pleito hoje, ele não seria vitorioso.
No outro lado, o panorama não é muito
melhor. A Autoridade Nacional Palestina tem cada vez menos relevância. Boa
parte dos palestinos já não acreditava que a ANP lhes traria um Estado
soberano, porém ainda a via como uma espécie de prefeitura, que ofertava
serviços como educação e saúde.
Recentemente, até isso está posto em
dúvida, dada a deterioração desses serviços. O espaço deixado pela ANP tende a
ser ocupado por lideranças mais radicais do Hamas.
Com jogo tão movimentado em cenário complexo, não surpreende que os principais atores evitem ações bruscas e sem volta.
Arruaceiros travestidos de deputados
O Estado de S. Paulo.
Se a democracia for coisa séria no País, o
espetáculo deprimente oferecido na terça-feira por um bando de parlamentares
desqualificados na Câmara deve resultar em rigorosa punição
As audiências de ministros de Estado nas
comissões temáticas do Congresso, particularmente da Câmara, têm mostrado ao
País a gritante desqualificação de alguns indivíduos para exercer o múnus
público do mandato parlamentar. Não fosse isso grave o bastante, têm sido
corriqueiras as demonstrações de total desconsideração pelo regime democrático
em seus atributos mais comezinhos, como, por exemplo, a capacidade de divergir
de adversários com civilidade, vale dizer, com respeito aos eleitores.
Esse quadro desolador não é novo, mas é
triste vê-lo pintado com tintas tão vívidas. Os que se dispõem a assistir como
entretenimento àquele espetáculo de má educação, falta de decoro e ignorância
têm material de sobra para dar boas risadas. O problema é que o Congresso não é
picadeiro nem as Casas Legislativas deveriam operar sob a mesma lógica caótica
e agressiva das redes sociais.
O governo claudica para articular uma base
de apoio que, entre outras coisas, seja capaz de impedir que membros do
primeiro escalão sejam convidados dia sim e outro também supostamente para dar
explicações ao Congresso. No entanto, a falta dessa base parlamentar mensurável
e confiável é problema exclusivo do presidente Lula da Silva e seus ministros.
O que interessa para o Brasil é a qualidade da oposição como elemento
indispensável para o vigor da democracia no País, assim como a eficácia do
sistema de freios e contrapesos.
O que tem acontecido durante as sessões nas
comissões temáticas pode ser tudo, menos o saudável controle dos atos do Poder
Executivo pelo Poder Legislativo.
Exemplos nítidos dessa desvirtuação foram
as duas ocasiões em que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino,
compareceu à Câmara para dar explicações sobre políticas públicas de seu
Ministério. Tanto a audiência de Dino na Comissão de Constituição e Justiça, no
dia 28 de março, como a ocorrida na Comissão de Segurança Pública, no dia 11
passado, foram marcadas não pelo escrutínio republicano das ações da pasta, mas
pelos insultos em termos de baixo calão entre deputados que apoiam o governo e
os que compõem o chamado núcleo duro do bolsonarismo na Casa. Nesta última audiência,
a sessão teve de ser encerrada porque alguns parlamentares estiveram à beira da
agressão física.
Diante do show de horror, ao ministro não
restou alternativa a não ser levantar e ir embora. “Para cá voltarei quantas
vezes forem necessárias, mas desde que haja debate, não esse tumulto”, disse
Flávio Dino. Se a oposição bolsonarista, ao convidá-lo, tinha o objetivo de
fustigá-lo mais uma vez, com sua truculência só contribuiu para que Dino se
retirasse como a pessoa mais sensata do recinto.
Ter ou não ter decoro no exercício do
mandato, é bom lembrar, não é uma escolha de deputados e senadores. A liberdade
de expressão não é absoluta. A imunidade parlamentar é assegurada pela
Constituição para que os congressistas possam exercer seus mandatos com liberdade
e independência, sem correr o risco de perseguições de qualquer natureza,
inclusive por escrutinarem atos do governo de turno.
O comportamento de uma deputada como Carla
Zambelli (PL-SP), que na audiência de Dino na Comissão de Segurança Pública
xingou um colega em termos que este jornal não reproduz nesta página em
respeito ao leitor, em nada está coberto pelas garantias parlamentares, menos
ainda pelos padrões mínimos de decência. À pilha de razões para cassação de seu
mandato, somou-se apenas mais uma.
É evidente que muitos parlamentares foram
eleitos exatamente por apresentarem esse comportamento indecoroso e ofensivo,
como se estivessem imbuídos de uma “missão salvadora” do País contra o que
chamam de “establishment político”. Agressão e falta de decoro, no entanto, não
são instrumentos legítimos de ação política. A democracia exige respeito aos
seus ritos. Se não querem que o Congresso pareça um circo, cabe às lideranças
dos partidos e aos presidentes da Câmara e do Senado educar seus arruaceiros com
os instrumentos que têm à mão: os Regimentos Internos e a Constituição.
Uma aberração chamada Twitter
O Estado de S. Paulo.
Em vez de cumprir a lei, Twitter protege
perfis com conteúdo de apoio à violência nas escolas. Até a preservação da vida
das crianças é preterida em função de interesses comerciais
Se deseja atuar no País, o Twitter tem de
submeter-se às leis brasileiras. A resistência da empresa, mesmo após ter sido
notificada, em excluir material criminoso publicado em seus perfis é uma
afronta não apenas ao poder público, mas à sociedade brasileira.
Existe lei no País; em concreto, o Código
Penal e o Marco Civil da Internet. Assim como todas as outras pessoas e
empresas, as plataformas digitais não podem fazer o que bem entenderem, como se
as únicas regras a que estivessem submetidas fossem aquelas ditadas por seus
donos – alguns deles, notórios despóticos. Não é assim que funciona no Estado
Democrático de Direito. Há liberdades fundamentais a serem respeitadas. Existem
leis justamente para que as famílias brasileiras não fiquem reféns de quem
pretenda ganhar dinheiro monetizando conteúdo criminoso, que instiga e promove
a violência.
O caso mais recente é uma verdadeira
aberração. O Ministério da Justiça notificou o Twitter sobre a existência de
431 contas contendo material relacionado a ataques contra escolas em diferentes
localidades do Brasil. Em vez de se desculpar com a sociedade brasileira – por
albergar conteúdo tão nefasto em seus perfis, em uma conivência acintosa com o
crime – e excluir imediatamente as contas, a empresa americana disse que não
iria fazer nada porque os termos de uso da plataforma permitem a divulgação
desse tipo de material.
A omissão do Twitter está permeada de
graves erros. Os termos de uso de uma plataforma digital, assim como as regras
de uma empresa, associação ou instituição, não estão acima da lei. Eles devem
adequar-se criteriosamente à legislação pátria. Caso contrário, a plataforma
estará fora da lei, não podendo operar legalmente no Brasil. O cumprimento da
lei não é uma opção, e sim uma obrigação.
Além disso, ao afirmar que seus termos de
uso não impedem a publicação de material que instiga a violência nas escolas, o
Twitter admite expressamente que suas regras internas são absurdas, revelando
uma compreensão de liberdade de expressão rigorosamente disfuncional e
criminosa. A atitude do Twitter é constrangedora. A empresa diz, com todas as
letras, que acolhe e protege conteúdos que difundem a violência contra crianças
e adolescentes. Isso não é liberdade de expressão em nenhum lugar do mundo.
Infelizmente, tal compreensão equivocada de
liberdade não está restrita ao Twitter e a seus chefes. Atualmente, há quem
confunda o direito de expressar sua opinião com o suposto direito de falar
impunemente o que bem entender. Não existe esse direito. As palavras têm
consequências, e cada um é responsável pelo que diz, podendo até mesmo
responder criminalmente por sua fala. O Código Penal estabelece crimes que
podem ser cometidos por meio de palavras.
No caso do Twitter e de todas as outras
plataformas digitais, sua responsabilidade jurídica está regulada pelo Marco
Civil da Internet e, em último termo, pela Constituição. Uma vez notificada de
que determinadas contas oferecem conteúdo criminoso – há alguma dúvida de que
incitar a violência contra crianças e adolescentes é criminoso? –, a empresa
tem de agir. E não basta agir apenas para retirar o conteúdo mencionado na
notificação. É preciso revisar seus métodos e controles, para evitar que novas
publicações incorram no mesmo problema.
Observa-se, neste caso do Twitter, não somente uma grave incompreensão da lei brasileira. Não é um mero problema de entendimento do Direito, oriundo de uma interpretação peculiar do ordenamento jurídico. A questão é mais profunda. Há um abismo ético, uma indiferença cívica: constata-se um desleixo com um dos aspectos mais básicos da vida em sociedade, que é cuidar das crianças e adolescentes, pondo todos os meios possíveis para proteger sua vida e sua integridade física. Para piorar, essa atitude omissiva vem acompanhada de uma grande empáfia, como se a empresa estivesse defendendo a liberdade. São tempos realmente estranhos, em que até a proteção da vida das crianças é preterida em função de interesses comerciais.
O cercadinho digital de Lula
O Estado de S. Paulo
Mantido o padrão do PT, ‘lives’ de Lula serão propaganda eleitoreira travestida de comunicação institucional
Lula da Silva e Jair Bolsonaro tratam-se um
ao outro como inimigo público n.º 1. Como se viu na campanha eleitoral, a mais
desprovida de debates de interesse público em toda a redemocratização, a
ferocidade da disputa impressiona. Mas, até por isso, ainda mais impressionante
é o quanto se assemelham. Não à toa, é na comunicação pública que a
similaridade entre os dois demagogos é mais flagrante que em qualquer outra
área.
Nas disputas eleitorais, Bolsonaro aprendeu
com Lula a demonizar adversários como inimigos a serem abatidos. De volta ao
poder, Lula retribuiu, emulando táticas de Bolsonaro: de saída, abriu mão de um
porta-voz da Presidência, figura indispensável a democracias sérias; agora, seu
ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, anunciou que Lula
fará “lives” para “se dirigir diretamente à população”, como disse ao site
camarada Brasil 247.
A iniciativa ecoa, na era das redes
sociais, a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em 2007. Em tese,
ela se prestava à louvável missão de, com independência editorial de pressões
comerciais e políticas, ser um veículo de informação de interesse público e
produção de programas educativos e culturais, nos moldes da BBC britânica ou da
PBS americana. Na prática, nunca passou de uma agência de propaganda oficial.
Agora, a degradação da comunicação pública
promovida pelo lulopetismo e o bolsonarismo chegou a tal ponto que Pimenta nem
sequer disfarça seus propósitos sob uma fantasia virtuosa. “Boa parte da
imprensa queria derrotar o Bolsonaro, mas não tem compromisso com o nosso
projeto de transformação do País. Não podemos ter a ilusão de achar que a mídia
comercial será nossa aliada.” A frustração expõe a realidade que o PT gostaria
de ver – a de uma imprensa “aliada” ao “nosso projeto” – e que nunca poupou
esforços nem dinheiro público para implementar, seja vilipendiando a imprensa
como “inimiga do povo”, seja abastecendo blogs companheiros com verbas
públicas, seja aparelhando instituições públicas como a EBC, seja empregando
canais do governo para propaganda partidária.
Como presidente, Lula tem à disposição imensos
recursos e prerrogativas para promover a comunicação institucional. Mas essa
comunicação não pode ir além do que prevê a Constituição, em cujo artigo 37
está dito que a publicidade dos atos da administração pública deve “ter caráter
educativo, informativo ou de orientação social”. Ainda que os incautos de
boa-fé pudessem garimpar razões para esperar que os abusos do PT fiquem no
passado e que as “lives” abracem esses princípios constitucionais, elas foram
fulminadas pela candura de Pimenta.
Como Bolsonaro, Lula parece disposto a empregar recursos públicos para disseminar a confusão entre opiniões pessoais e posições institucionais. Mas não há confusão nenhuma, pois está tudo muito claro: para o lulopetismo, assim como para o bolsonarismo, os interesses de Estado não raro se sujeitam aos interesses do governo, e os interesses de governo frequentemente são reduzidos a imperativos eleitorais.
FMI pede contenção do endividamento público
Valor Econômico
O alinhamento da política fiscal com a
política monetária, para o FMI, pode reduzir o ímpeto inflacionário e permitir
a volta do crescimento
Depois de declinar nos últimos dois anos, a
dívida pública global voltará a crescer até atingir um valor médio global
equivalente a toda a soma de produção e serviços mundial em 2028, isto é, 100%
do PIB. Em seu Monitor Fiscal, o Fundo Monetário Internacional alertou para o
fato de que é importante conter os déficits, uma tarefa ainda mais necessária
porque a inflação chegou a seu maior nível em três décadas e as taxas de juros
subiram rapidamente, o que combate a alta de preços, mas amplia os rombos das
finanças públicas. Em uma mensagem que também é dirigida ao Brasil, o Fundo
adverte que “quando a política monetária age sozinha ou as políticas fiscais
não estão adequadamente calibradas, são os mais pobres que carregam o peso da
desinflação”.
Com as políticas que estão sendo executadas
hoje, poucos países empurrarão os débitos públicos para cima nos próximos cinco
anos. Estados Unidos e China, as duas maiores economias do mundo, terão maior
peso nesse quesito. A dívida americana crescerá até 135% do PIB em 2028, e a
chinesa, até 105% do PIB. O Brasil está entre os sete países mencionados por
Vitor Gaspar, diretor do Departamento de Política Fiscal do FMI, em que o
déficit fiscal aumentará em mais de 5 pontos percentuais do PIB nos próximos 5
anos.
A redução da dívida foi impulsionada pelo
salto da inflação para níveis inéditos em três décadas. Pelos cálculos do
Fundo, a surpresa inflacionária propiciou um encolhimento de 9,2% do PIB dos
débitos dos governos, com o avanço das receitas correspondendo a mais 3,1% nos
países ricos. O Brasil teve os mesmos duvidosos benefícios, da ordem de 2,5% do
PIB para a média dos emergentes. De maneira geral, nos países com dívida acima
de 50% do PIB, como o Brasil, um ponto percentual a mais de surpresa
inflacionária (a que ultrapassa previsões oficiais) reduz o déficit em 0,6
ponto percentual.
Com o recuo da inflação, por ação de
políticas monetárias restritivas, a ciranda dos déficits mudou de rumo
novamente. Trinta e nove países hoje dão sinais de superendividamento, uma
decorrência do aperto das condições financeiras globais, encolhimento da
liquidez e aumento generalizado das taxas de juros. Pela compilação do Fundo
sobre 99 países, 74 deles praticam hoje um aperto simultâneo de suas políticas
monetária e fiscal. O custo dos empréstimos subiu em todo o planeta.
O aumento dos juros é particularmente
danoso no Brasil, que já tem, há tempos, um endividamento bem superior à média
dos países emergentes. Seu déficit nominal previsto para o ano, de 8,8% do PIB,
é o maior de todos os países emergentes e de renda média, só suplantado pelos
20,3% da Ucrânia, um país destruído e em pleno esforço de guerra. A média
mundial é de -5,9% e a dos emergentes do G-20, de -6,6%. O déficit nominal
brasileiro só voltará para perto da média mundial em 2027, com -4,9%.
Os juros jogam a dívida bruta para cima,
que, no Brasil, já era maior que a média dos emergentes. Em 2023, é estimada em
88,4% do PIB, com tendência ininterrupta de elevação até 2028, quando poderá chegar
a 96,2% do PIB. A média dos emergentes mais ricos, agrupados no G-20, é de
72,6% agora, com perspectiva de atingir 87,6% do PIB em 2028. Na verdade, a
média dos países emergentes é ainda menor do que os números citados, se for
excluída a China: 57,3% do PIB em 2023 e projeção de 58,7% daqui a cinco anos.
As projeções do Fundo Monetário foram
feitas sem levar em conta, no caso do Brasil, o novo regime fiscal proposto
pelo governo, o que pode mudar muito o quadro de endividamento, dependendo dos
detalhes finais do pacote e de sua execução. O ponto de partida, a projeção de
receitas e despesas, porém, não é favorável, e independe do arcabouço esboçado.
As receitas do governo geral, segundo o FMI, devem cair de 38,7% no ano passado
para 35,8% em 2023 e estabilizar em torno disso nos anos seguintes. As
despesas, possivelmente calculadas ainda sob a vigência do antigo teto de
gastos, têm boa redução, de 44,6% do PIB em 2023 para 39,6% em 2028. Mesmo
assim, superam por boa margem a arrecadação prevista.
O alinhamento da política fiscal com a
política monetária, para o FMI, pode reduzir o ímpeto inflacionário e, com o
tempo, diminuir os juros e permitir a volta do crescimento e a elevação das
receitas e dos investimentos. Mas para isso, será preciso que andem juntas, e
não separadas, como hoje no Brasil.
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