quinta-feira, 13 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Depois da briga das MPs, Congresso não tem tempo a perder

O Globo

Pauta foi enfim destravada com instalação de comissões mistas. Agora é preciso encarar prioridades

A pauta do Congresso Nacional foi enfim desbloqueada, com a instalação de três comissões mistas para análise de Medidas Provisórias. Uma tratará da MP 1.154/23, que cria novos ministérios e reestrutura a organização do Executivo. Outra cuidará da MP 1.162/23, que retomou o programa Minha Casa Minha Vida. A terceira se debruçará sobre a MP 1.164/23, com as regras do novo Bolsa Família. Apenas cem dias depois do início do governo Luiz Inácio Lula da Silva e 69 dias depois da posse de senadores e deputados, o Congresso voltará a tratar dos temas mais relevantes para os eleitores. Já passou da hora de o Parlamento começar a trabalhar com seriedade. A atual legislatura tem uma agenda enorme pela frente.

A paralisação da pauta resultou da querela entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a tramitação das MPs. No primeiro trimestre de 2020, as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado concordaram que, devido à pandemia, as comissões mistas não seriam instaladas. Em vez disso, as MPs teriam um trâmite veloz, com o poder nas mãos do presidente da Câmara. O pior da pandemia passou, mas Lira, contrariando a Constituição, queria manter de forma indefinida o acordo temporário.

As MPs são editadas pelo presidente da República com efeito jurídico imediato, mas precisam ser analisadas e votadas no Congresso num prazo de até 120 dias. Caso isso não aconteça, perdem a validade. Quando são deixadas de lado, trancam a pauta do Congresso. É esperado que as três comissões mistas criadas nesta semana, com paridade entre deputados e senadores, marquem o fim desse período de imobilismo parlamentar. Agora ficará claro se o governo tem a capacidade de construir uma base confiável para aprovar seus projetos prioritários.

O mais urgente será o novo regime fiscal. Sem um plano para gerenciar a dívida pública no médio e longo prazos, a economia não voltará a crescer em patamares elevados. Na apresentação do arcabouço fiscal, o governo se comprometeu a zerar o déficit e a obter superávits a partir de 2025, para garantir redução na dívida. Os detalhes da proposta, porém, ainda são incertos, e a discussão no Congresso é crítica para formular um regime confiável.

Mais adiante, quando chegar ao Congresso a proposta de reforma tributária, os deputados e senadores terão a missão de formar um consenso que represente um avanço significativo no sistema de impostos brasileiro, conhecido pela excessiva complexidade e pela dificuldade que impõe a qualquer um que se disponha a fazer negócios no Brasil. Uma vitória na questão tributária, que tem frustrado iniciativas governos a fio, traria uma mudança substantiva de percepção sobre Lula.

Além da votação de projetos do Executivo, seria bem-vinda uma postura mais ativa do Parlamento. É improvável que o governo priorize a reforma administrativa. Nesse e noutros casos, as lideranças do Congresso deveriam assumir o protagonismo. Com a energia voltada para barganhas espúrias e interesses paroquiais, o Congresso tem sido, com seu marasmo crônico, um dos maiores responsáveis pela anemia da economia brasileira. A perda de tempo com a querela das MPs é só a última prova disso. O início para valer dos trabalhos legislativos oferece uma boa oportunidade de mudar.

Não faz sentido uso do FGTS para financiar compra de automóveis

O Globo

Ideia em gestação no governo não resolverá problema de transporte e trará prejuízos à produtividade

Está em gestação no governo federal mais um incentivo para movimentar a indústria automobilística. Uma das medidas em discussão, revelou reportagem do GLOBO, é autorizar o uso de parte do FGTS para o cidadão trocar de carro. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio de Lima Leite, afirma que a iniciativa ajudaria a “manter os fabricantes no país e o nível de emprego no setor”. Outra medida em análise é a volta do carro popular. Na nova versão discutida entre as montadoras e o governo, ele seria movido a etanol e custaria entre R$ 45 mil e R$ 50 mil. A expectativa é produzir 300 mil veículos.

A indústria automobilística, que no Brasil contou com incentivos do Estado desde o início, é uma espécie de obsessão das gestões petistas. Não dá para esquecer, no governo Dilma Rousseff, o programa Inovar-Auto. A pretexto de modernizar a produção, consumiu R$ 1,3 bilhão anuais em incentivos entre 2012 e 2017, protegeu a indústria da competição externa e custou ao país uma condenação na OMC, com resultado pífio — para não dizer nulo — em matéria de produtividade.

É verdade que a frota brasileira está envelhecida. Em média, 10,3 anos de uso, mesmo patamar de 1995. Para cada carro zero, são vendidos sete usados. Mas a proposta não se deve às agruras dos motoristas com suas latas-velhas, e sim à insatisfação das montadoras e ao interesse do governo em favorecer fortes bases sindicais. A lei manda o dinheiro do FGTS ficar corroendo na conta com remuneração inferior à inflação. Qual a razão para liberá-lo só para a compra de carros?

Incentivar a renovação da frota pode resolver o encalhe das montadoras, cujas fábricas estão paradas, mas está longe de solucionar as mazelas do transporte. Ao contrário, tem tudo para agravá-las. Não é sensato favorecer o transporte individual quando o mundo prioriza o coletivo. Nos horários de pico, o trânsito não anda nas grandes cidades. Engarrafamentos significam mais poluição e menos produtividade. No Rio, passageiros da linha de ônibus mais longa levam até quatro horas para chegar ao destino em meio a infindáveis congestionamentos. Pode piorar.

Mesmo que os novos modelos poluam menos, estimular o uso de carros particulares é um contrassenso num governo que se diz comprometido com a redução de emissões de gases. A tendência é o número de veículos disparar. No Chile, onde a medida foi adotada, as vendas “estouraram”, segundo a própria Anfavea.

Afagos às montadoras são um fetiche do PT. No governo Dilma, além do Inovar-Auto, houve incentivos à compra de caminhões, quando o problema principal era (e continua sendo) o péssimo estado das estradas. O governo precisa deixar a indústria automobilística se mover com suas próprias rodas. Ajudaria mais se melhorasse o ambiente de negócios e as condições econômicas. O dinheiro para estimular transporte individual seria mais bem empregado na saúde, na educação, na preservação de florestas e noutros setores que precisam mesmo de ajuda do Estado.

Mais compostura

Folha de S. Paulo

Deputados em audiência com ministro violam decoro com bate-boca lastimável

O presidente da Comissão de Segurança e Justiça da Câmara dos Deputados bem que tentou zelar pelo tom solene e cordial da audiência com Flávio Dino, ministro da Justiça do governo Lula.

"Se lá na CCJ foi aquela pantomima, aqui não vai ser", anunciou Sanderson (PL-RS), tão logo notou sinais de desrespeito e perturbação da ordem no colegiado que dirige.

Queria evitar a repetição da descompostura verificada no dia 28 de março, quando audiência com o mesmo ministro, só que na Comissão de Constituição e Justiça, terminou em vexatório bate-boca em tudo incompatível com a dignidade do Parlamento brasileiro.

Se a intenção de Sanderson era boa, o que lhe sobrava de nobreza carecia de firmeza —não por culpa dele, mas de alguns deputados que, ignorando os apelos que se acumulavam, agiram como se civilidade e sensatez fossem palavras destituídas de sentido prático.

Engalfinhando-se numa refrega infértil, interminável e descortês, conseguiram o que talvez fosse seu objetivo: aniquilaram o ambiente de trabalho a tal ponto que, menos de duas horas depois de ter começado, a sessão terminou de forma abrupta e melancólica.

Não satisfeitos, deputados de oposição entregaram-se a um pastelão nonsense ao gritar "fujão" para Dino, que lá estava como convidado para prestar esclarecimentos a respeito de sua pasta e que não teve nenhuma participação no desfecho lastimável da audiência.

Seria um eufemismo sustentar que certos membros da comissão romperam com o decoro parlamentar; o que eles fizeram foi mandar às favas o código de ética que rege o comportamento na Câmara.

Em vez de zelar pelo prestígio do Parlamento como instituição representativa, jogaram-no no lixo; em vez de tratar com respeito os colegas e as autoridades, entregaram-lhes escárnio. De uma tacada, perturbaram a ordem da sessão, violaram as regras de boa conduta e desferiram ofensas morais onde elas são proibidas.

Agindo assim, rasgaram o propósito do convite a Dino ou a qualquer outro ministro: ao Congresso compete não só propor leis, mas também controlar e acompanhar os atos do Executivo, numa função fiscalizadora que se soma à legislativa no equilíbrio entre os Poderes.

Alguns deputados, infelizmente, dão de ombros para isso. Estão menos interessados no bom funcionamento das instituições do que em repercutir nas redes sociais. Para tal propósito a intolerância vale mais que a pluralidade, a intimidação mais que o diálogo, a mentira mais que a busca da verdade.

Não são essas as condutas que se esperam dos representantes do povo. Com a palavra, o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar.

Medindo forças

Folha de S. Paulo

Tensão cresce entre Israel e Palestina, mas contexto desencoraja ações bruscas

Após violenta operação policial contra palestinos na semana passada, Israel enfrentou foguetes que partiram de Gaza, Líbano e Síria. Ataques de Gaza são relativamente comuns, enquanto a fronteira norte do país tende a ser mais calma.

O governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu retaliou, mas evitou uma escalada, e os vizinhos também mostraram alguma contenção. Um conflito de maior magnitude parece não ser do interesse de nenhuma das partes.

Os principais atores testam a disposição de aliados e inimigos num momento em que a região passa por realinhamento geopolítico.

Sob os auspícios da China, Arábia Saudita e Irã retomaram relações diplomáticas, rompidas desde 2016. O acerto não interrompe, mas tira a intensidade de um outro movimento de redefinição do panorama regional.

Apoiado pelos EUA, Israel vinha estabelecendo relações diplomáticas com alguns Estados do Golfo Pérsico para juntar forças contra o Irã, visto como um inimigo comum. Havia expectativa de adesão da Arábia Saudita.

A volta de Netanyahu ao poder muito mais à direita também contribuiu para atrasar a normalização do país. Alguns de seus novos parceiros têm um discurso hostil aos palestinos e aos árabes em geral.

Ademais, o radicalismo da nova coalizão não fez vítimas apenas no âmbito externo. O governo tenta emplacar uma reforma do Judiciário que rachou a sociedade de modo sem precedentes, gerando protestos com milhares de pessoas.

A proposta, que esvazia a Suprema Corte a ponto de ameaçar o equilíbrio entre os Poderes, causou tanta controvérsia que Netanyahu se viu obrigado a suspendê-la, mas sem desistir dela.

O governo está enfraquecido. Pelas pesquisas, se houvesse um novo pleito hoje, ele não seria vitorioso.

No outro lado, o panorama não é muito melhor. A Autoridade Nacional Palestina tem cada vez menos relevância. Boa parte dos palestinos já não acreditava que a ANP lhes traria um Estado soberano, porém ainda a via como uma espécie de prefeitura, que ofertava serviços como educação e saúde.

Recentemente, até isso está posto em dúvida, dada a deterioração desses serviços. O espaço deixado pela ANP tende a ser ocupado por lideranças mais radicais do Hamas.

Com jogo tão movimentado em cenário complexo, não surpreende que os principais atores evitem ações bruscas e sem volta.

Arruaceiros travestidos de deputados

O Estado de S. Paulo.

Se a democracia for coisa séria no País, o espetáculo deprimente oferecido na terça-feira por um bando de parlamentares desqualificados na Câmara deve resultar em rigorosa punição

As audiências de ministros de Estado nas comissões temáticas do Congresso, particularmente da Câmara, têm mostrado ao País a gritante desqualificação de alguns indivíduos para exercer o múnus público do mandato parlamentar. Não fosse isso grave o bastante, têm sido corriqueiras as demonstrações de total desconsideração pelo regime democrático em seus atributos mais comezinhos, como, por exemplo, a capacidade de divergir de adversários com civilidade, vale dizer, com respeito aos eleitores.

Esse quadro desolador não é novo, mas é triste vê-lo pintado com tintas tão vívidas. Os que se dispõem a assistir como entretenimento àquele espetáculo de má educação, falta de decoro e ignorância têm material de sobra para dar boas risadas. O problema é que o Congresso não é picadeiro nem as Casas Legislativas deveriam operar sob a mesma lógica caótica e agressiva das redes sociais.

O governo claudica para articular uma base de apoio que, entre outras coisas, seja capaz de impedir que membros do primeiro escalão sejam convidados dia sim e outro também supostamente para dar explicações ao Congresso. No entanto, a falta dessa base parlamentar mensurável e confiável é problema exclusivo do presidente Lula da Silva e seus ministros. O que interessa para o Brasil é a qualidade da oposição como elemento indispensável para o vigor da democracia no País, assim como a eficácia do sistema de freios e contrapesos.

O que tem acontecido durante as sessões nas comissões temáticas pode ser tudo, menos o saudável controle dos atos do Poder Executivo pelo Poder Legislativo.

Exemplos nítidos dessa desvirtuação foram as duas ocasiões em que o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, compareceu à Câmara para dar explicações sobre políticas públicas de seu Ministério. Tanto a audiência de Dino na Comissão de Constituição e Justiça, no dia 28 de março, como a ocorrida na Comissão de Segurança Pública, no dia 11 passado, foram marcadas não pelo escrutínio republicano das ações da pasta, mas pelos insultos em termos de baixo calão entre deputados que apoiam o governo e os que compõem o chamado núcleo duro do bolsonarismo na Casa. Nesta última audiência, a sessão teve de ser encerrada porque alguns parlamentares estiveram à beira da agressão física.

Diante do show de horror, ao ministro não restou alternativa a não ser levantar e ir embora. “Para cá voltarei quantas vezes forem necessárias, mas desde que haja debate, não esse tumulto”, disse Flávio Dino. Se a oposição bolsonarista, ao convidá-lo, tinha o objetivo de fustigá-lo mais uma vez, com sua truculência só contribuiu para que Dino se retirasse como a pessoa mais sensata do recinto.

Ter ou não ter decoro no exercício do mandato, é bom lembrar, não é uma escolha de deputados e senadores. A liberdade de expressão não é absoluta. A imunidade parlamentar é assegurada pela Constituição para que os congressistas possam exercer seus mandatos com liberdade e independência, sem correr o risco de perseguições de qualquer natureza, inclusive por escrutinarem atos do governo de turno.

O comportamento de uma deputada como Carla Zambelli (PL-SP), que na audiência de Dino na Comissão de Segurança Pública xingou um colega em termos que este jornal não reproduz nesta página em respeito ao leitor, em nada está coberto pelas garantias parlamentares, menos ainda pelos padrões mínimos de decência. À pilha de razões para cassação de seu mandato, somou-se apenas mais uma.

É evidente que muitos parlamentares foram eleitos exatamente por apresentarem esse comportamento indecoroso e ofensivo, como se estivessem imbuídos de uma “missão salvadora” do País contra o que chamam de “establishment político”. Agressão e falta de decoro, no entanto, não são instrumentos legítimos de ação política. A democracia exige respeito aos seus ritos. Se não querem que o Congresso pareça um circo, cabe às lideranças dos partidos e aos presidentes da Câmara e do Senado educar seus arruaceiros com os instrumentos que têm à mão: os Regimentos Internos e a Constituição.

Uma aberração chamada Twitter

O Estado de S. Paulo.

Em vez de cumprir a lei, Twitter protege perfis com conteúdo de apoio à violência nas escolas. Até a preservação da vida das crianças é preterida em função de interesses comerciais

Se deseja atuar no País, o Twitter tem de submeter-se às leis brasileiras. A resistência da empresa, mesmo após ter sido notificada, em excluir material criminoso publicado em seus perfis é uma afronta não apenas ao poder público, mas à sociedade brasileira.

Existe lei no País; em concreto, o Código Penal e o Marco Civil da Internet. Assim como todas as outras pessoas e empresas, as plataformas digitais não podem fazer o que bem entenderem, como se as únicas regras a que estivessem submetidas fossem aquelas ditadas por seus donos – alguns deles, notórios despóticos. Não é assim que funciona no Estado Democrático de Direito. Há liberdades fundamentais a serem respeitadas. Existem leis justamente para que as famílias brasileiras não fiquem reféns de quem pretenda ganhar dinheiro monetizando conteúdo criminoso, que instiga e promove a violência.

O caso mais recente é uma verdadeira aberração. O Ministério da Justiça notificou o Twitter sobre a existência de 431 contas contendo material relacionado a ataques contra escolas em diferentes localidades do Brasil. Em vez de se desculpar com a sociedade brasileira – por albergar conteúdo tão nefasto em seus perfis, em uma conivência acintosa com o crime – e excluir imediatamente as contas, a empresa americana disse que não iria fazer nada porque os termos de uso da plataforma permitem a divulgação desse tipo de material.

A omissão do Twitter está permeada de graves erros. Os termos de uso de uma plataforma digital, assim como as regras de uma empresa, associação ou instituição, não estão acima da lei. Eles devem adequar-se criteriosamente à legislação pátria. Caso contrário, a plataforma estará fora da lei, não podendo operar legalmente no Brasil. O cumprimento da lei não é uma opção, e sim uma obrigação.

Além disso, ao afirmar que seus termos de uso não impedem a publicação de material que instiga a violência nas escolas, o Twitter admite expressamente que suas regras internas são absurdas, revelando uma compreensão de liberdade de expressão rigorosamente disfuncional e criminosa. A atitude do Twitter é constrangedora. A empresa diz, com todas as letras, que acolhe e protege conteúdos que difundem a violência contra crianças e adolescentes. Isso não é liberdade de expressão em nenhum lugar do mundo.

Infelizmente, tal compreensão equivocada de liberdade não está restrita ao Twitter e a seus chefes. Atualmente, há quem confunda o direito de expressar sua opinião com o suposto direito de falar impunemente o que bem entender. Não existe esse direito. As palavras têm consequências, e cada um é responsável pelo que diz, podendo até mesmo responder criminalmente por sua fala. O Código Penal estabelece crimes que podem ser cometidos por meio de palavras.

No caso do Twitter e de todas as outras plataformas digitais, sua responsabilidade jurídica está regulada pelo Marco Civil da Internet e, em último termo, pela Constituição. Uma vez notificada de que determinadas contas oferecem conteúdo criminoso – há alguma dúvida de que incitar a violência contra crianças e adolescentes é criminoso? –, a empresa tem de agir. E não basta agir apenas para retirar o conteúdo mencionado na notificação. É preciso revisar seus métodos e controles, para evitar que novas publicações incorram no mesmo problema.

Observa-se, neste caso do Twitter, não somente uma grave incompreensão da lei brasileira. Não é um mero problema de entendimento do Direito, oriundo de uma interpretação peculiar do ordenamento jurídico. A questão é mais profunda. Há um abismo ético, uma indiferença cívica: constata-se um desleixo com um dos aspectos mais básicos da vida em sociedade, que é cuidar das crianças e adolescentes, pondo todos os meios possíveis para proteger sua vida e sua integridade física. Para piorar, essa atitude omissiva vem acompanhada de uma grande empáfia, como se a empresa estivesse defendendo a liberdade. São tempos realmente estranhos, em que até a proteção da vida das crianças é preterida em função de interesses comerciais.

O cercadinho digital de Lula

O Estado de S. Paulo

Mantido o padrão do PT, ‘lives’ de Lula serão propaganda eleitoreira travestida de comunicação institucional

Lula da Silva e Jair Bolsonaro tratam-se um ao outro como inimigo público n.º 1. Como se viu na campanha eleitoral, a mais desprovida de debates de interesse público em toda a redemocratização, a ferocidade da disputa impressiona. Mas, até por isso, ainda mais impressionante é o quanto se assemelham. Não à toa, é na comunicação pública que a similaridade entre os dois demagogos é mais flagrante que em qualquer outra área.

Nas disputas eleitorais, Bolsonaro aprendeu com Lula a demonizar adversários como inimigos a serem abatidos. De volta ao poder, Lula retribuiu, emulando táticas de Bolsonaro: de saída, abriu mão de um porta-voz da Presidência, figura indispensável a democracias sérias; agora, seu ministro da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, anunciou que Lula fará “lives” para “se dirigir diretamente à população”, como disse ao site camarada Brasil 247.

A iniciativa ecoa, na era das redes sociais, a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), em 2007. Em tese, ela se prestava à louvável missão de, com independência editorial de pressões comerciais e políticas, ser um veículo de informação de interesse público e produção de programas educativos e culturais, nos moldes da BBC britânica ou da PBS americana. Na prática, nunca passou de uma agência de propaganda oficial.

Agora, a degradação da comunicação pública promovida pelo lulopetismo e o bolsonarismo chegou a tal ponto que Pimenta nem sequer disfarça seus propósitos sob uma fantasia virtuosa. “Boa parte da imprensa queria derrotar o Bolsonaro, mas não tem compromisso com o nosso projeto de transformação do País. Não podemos ter a ilusão de achar que a mídia comercial será nossa aliada.” A frustração expõe a realidade que o PT gostaria de ver – a de uma imprensa “aliada” ao “nosso projeto” – e que nunca poupou esforços nem dinheiro público para implementar, seja vilipendiando a imprensa como “inimiga do povo”, seja abastecendo blogs companheiros com verbas públicas, seja aparelhando instituições públicas como a EBC, seja empregando canais do governo para propaganda partidária.

Como presidente, Lula tem à disposição imensos recursos e prerrogativas para promover a comunicação institucional. Mas essa comunicação não pode ir além do que prevê a Constituição, em cujo artigo 37 está dito que a publicidade dos atos da administração pública deve “ter caráter educativo, informativo ou de orientação social”. Ainda que os incautos de boa-fé pudessem garimpar razões para esperar que os abusos do PT fiquem no passado e que as “lives” abracem esses princípios constitucionais, elas foram fulminadas pela candura de Pimenta.

Como Bolsonaro, Lula parece disposto a empregar recursos públicos para disseminar a confusão entre opiniões pessoais e posições institucionais. Mas não há confusão nenhuma, pois está tudo muito claro: para o lulopetismo, assim como para o bolsonarismo, os interesses de Estado não raro se sujeitam aos interesses do governo, e os interesses de governo frequentemente são reduzidos a imperativos eleitorais.

FMI pede contenção do endividamento público

Valor Econômico

O alinhamento da política fiscal com a política monetária, para o FMI, pode reduzir o ímpeto inflacionário e permitir a volta do crescimento

Depois de declinar nos últimos dois anos, a dívida pública global voltará a crescer até atingir um valor médio global equivalente a toda a soma de produção e serviços mundial em 2028, isto é, 100% do PIB. Em seu Monitor Fiscal, o Fundo Monetário Internacional alertou para o fato de que é importante conter os déficits, uma tarefa ainda mais necessária porque a inflação chegou a seu maior nível em três décadas e as taxas de juros subiram rapidamente, o que combate a alta de preços, mas amplia os rombos das finanças públicas. Em uma mensagem que também é dirigida ao Brasil, o Fundo adverte que “quando a política monetária age sozinha ou as políticas fiscais não estão adequadamente calibradas, são os mais pobres que carregam o peso da desinflação”.

Com as políticas que estão sendo executadas hoje, poucos países empurrarão os débitos públicos para cima nos próximos cinco anos. Estados Unidos e China, as duas maiores economias do mundo, terão maior peso nesse quesito. A dívida americana crescerá até 135% do PIB em 2028, e a chinesa, até 105% do PIB. O Brasil está entre os sete países mencionados por Vitor Gaspar, diretor do Departamento de Política Fiscal do FMI, em que o déficit fiscal aumentará em mais de 5 pontos percentuais do PIB nos próximos 5 anos.

A redução da dívida foi impulsionada pelo salto da inflação para níveis inéditos em três décadas. Pelos cálculos do Fundo, a surpresa inflacionária propiciou um encolhimento de 9,2% do PIB dos débitos dos governos, com o avanço das receitas correspondendo a mais 3,1% nos países ricos. O Brasil teve os mesmos duvidosos benefícios, da ordem de 2,5% do PIB para a média dos emergentes. De maneira geral, nos países com dívida acima de 50% do PIB, como o Brasil, um ponto percentual a mais de surpresa inflacionária (a que ultrapassa previsões oficiais) reduz o déficit em 0,6 ponto percentual.

Com o recuo da inflação, por ação de políticas monetárias restritivas, a ciranda dos déficits mudou de rumo novamente. Trinta e nove países hoje dão sinais de superendividamento, uma decorrência do aperto das condições financeiras globais, encolhimento da liquidez e aumento generalizado das taxas de juros. Pela compilação do Fundo sobre 99 países, 74 deles praticam hoje um aperto simultâneo de suas políticas monetária e fiscal. O custo dos empréstimos subiu em todo o planeta.

O aumento dos juros é particularmente danoso no Brasil, que já tem, há tempos, um endividamento bem superior à média dos países emergentes. Seu déficit nominal previsto para o ano, de 8,8% do PIB, é o maior de todos os países emergentes e de renda média, só suplantado pelos 20,3% da Ucrânia, um país destruído e em pleno esforço de guerra. A média mundial é de -5,9% e a dos emergentes do G-20, de -6,6%. O déficit nominal brasileiro só voltará para perto da média mundial em 2027, com -4,9%.

Os juros jogam a dívida bruta para cima, que, no Brasil, já era maior que a média dos emergentes. Em 2023, é estimada em 88,4% do PIB, com tendência ininterrupta de elevação até 2028, quando poderá chegar a 96,2% do PIB. A média dos emergentes mais ricos, agrupados no G-20, é de 72,6% agora, com perspectiva de atingir 87,6% do PIB em 2028. Na verdade, a média dos países emergentes é ainda menor do que os números citados, se for excluída a China: 57,3% do PIB em 2023 e projeção de 58,7% daqui a cinco anos.

As projeções do Fundo Monetário foram feitas sem levar em conta, no caso do Brasil, o novo regime fiscal proposto pelo governo, o que pode mudar muito o quadro de endividamento, dependendo dos detalhes finais do pacote e de sua execução. O ponto de partida, a projeção de receitas e despesas, porém, não é favorável, e independe do arcabouço esboçado. As receitas do governo geral, segundo o FMI, devem cair de 38,7% no ano passado para 35,8% em 2023 e estabilizar em torno disso nos anos seguintes. As despesas, possivelmente calculadas ainda sob a vigência do antigo teto de gastos, têm boa redução, de 44,6% do PIB em 2023 para 39,6% em 2028. Mesmo assim, superam por boa margem a arrecadação prevista.

O alinhamento da política fiscal com a política monetária, para o FMI, pode reduzir o ímpeto inflacionário e, com o tempo, diminuir os juros e permitir a volta do crescimento e a elevação das receitas e dos investimentos. Mas para isso, será preciso que andem juntas, e não separadas, como hoje no Brasil.

 

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