quinta-feira, 13 de abril de 2023

Maria Hermínia Tavares* - O resgate da diplomacia

Folha de S. Paulo

Os valores definem a roupagem com a qual o país se apresenta

O desempenho de um país na cena internacional sempre consiste em delicada mescla de afirmação de valores e da intenção de promover seus interesses, uma coisa e outra sujeitas aos recursos de poder de que a nação dispõe.

Os valores definem a roupagem com a qual o país se apresenta. Já os interesses nacionais, seja lá como venham a ser entendidos a cada ciclo histórico, requerem condutas que garantam segurança contra ameaças e ampliação de oportunidades econômicas –notadamente via comércio, atração de investimentos, cooperação científica ou técnica– ,dando voz ao país nos foros mundiais.

Nem sempre valores e interesses se harmonizam. Quando destoam, os últimos se impõem. A efetivação de ambos é ainda caudatária da disponibilidade de recursos econômicos e militares.

A paz, a primazia dada a soluções negociadas para os conflitos e o respeito ao direito internacional são valores inseparáveis da ação externa do Brasil ­–tão longevos quanto a República. Com o passar das décadas, a defesa da democracia veio se juntar a eles.

Antigos também são a aposta no multilateralismo e na capacidade das organizações que lhe dão vida, o universalismo nas relações diplomáticas, a prudente autonomia em relação às potências do planeta e a diversificação de parceiros econômicos.

Finalmente, desde os tempos do Barão do Rio Branco, chanceler de 1902 a 1912, a ambição da política externa do país é ir além da esfera regional.

Ao longo da centena de dias do novo governo, os valores, interesses e projetos da boa tradição da diplomacia brasileira voltaram a prevalecer, orientando os primeiros movimentos da gestão chamada de Lula 3. Mas, hoje como no passado, a ação internacional requer dosagem equilibrada entre aqueles e a capacidade real de influir nas decisões.

A política externa está bem servida com iniciativas do Itamaraty para reconstruir pontes rompidas e com as visitas do presidente a nossos principais parceiros.

Disso destoa a pretensão de alçar o país a mediador da Guerra da Ucrânia, para o que não dispõe de mínimo cacife.

Muito piores foram os achegos ao autocrata russo Vladimir Putin, cuja prisão acaba de ser decretada pelo TPI (Tribunal Penal Internacional), onde tramita denúncia contra Bolsonaro.

Nem a defesa da paz e da democracia, nem a expectativa de ganhos econômicos –muito menos a ambição legítima de protagonismo internacional– justificam a iniciativa.

*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.

Nenhum comentário: