Folha de S. Paulo
Os valores definem a roupagem com a qual o
país se apresenta
O desempenho de um país na cena
internacional sempre consiste em delicada mescla de afirmação de valores e da
intenção de promover seus interesses, uma coisa e outra sujeitas aos recursos
de poder de que a nação dispõe.
Os valores definem a roupagem com a qual o
país se apresenta. Já os interesses nacionais, seja lá como venham a ser
entendidos a cada ciclo histórico, requerem condutas que garantam segurança
contra ameaças e ampliação de oportunidades econômicas –notadamente via
comércio, atração de investimentos, cooperação científica ou técnica– ,dando
voz ao país nos foros mundiais.
Nem sempre valores e interesses se harmonizam. Quando destoam, os últimos se impõem. A efetivação de ambos é ainda caudatária da disponibilidade de recursos econômicos e militares.
A paz, a primazia dada a soluções
negociadas para os conflitos e o respeito ao direito internacional são valores
inseparáveis da ação externa do Brasil –tão longevos quanto a República. Com o
passar das décadas, a defesa da democracia veio se juntar a eles.
Antigos também são a aposta no
multilateralismo e na capacidade das organizações que lhe dão vida, o
universalismo nas relações diplomáticas, a prudente autonomia em relação às
potências do planeta e a diversificação de parceiros econômicos.
Finalmente, desde os tempos do Barão do Rio
Branco, chanceler de 1902 a 1912, a ambição da política externa do país é ir
além da esfera regional.
Ao longo da centena
de dias do novo governo, os valores, interesses e projetos da boa
tradição da diplomacia brasileira voltaram a prevalecer, orientando os
primeiros movimentos da gestão chamada de Lula 3. Mas, hoje como no passado, a
ação internacional requer dosagem equilibrada entre aqueles e a capacidade real
de influir nas decisões.
A política externa está bem servida com
iniciativas do Itamaraty para reconstruir pontes rompidas e com as visitas do
presidente a nossos principais parceiros.
Disso destoa a pretensão de alçar o país a
mediador da Guerra da Ucrânia, para o que não dispõe de mínimo cacife.
Muito piores foram os achegos ao autocrata
russo Vladimir Putin,
cuja prisão acaba de ser decretada pelo TPI (Tribunal
Penal Internacional), onde tramita denúncia contra Bolsonaro.
Nem a defesa da paz e da democracia, nem a
expectativa de ganhos econômicos –muito menos a ambição legítima de
protagonismo internacional– justificam a iniciativa.
*Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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