O Estado de S. Paulo
Na prática, o Brasil está do lado da China e da Rússia na contestação da ordem internacional
Avida deu a Lula a oportunidade de dar o
troco a quem ele entende que lhe causou algum mal. Com a viagem à China, chegou
a vez dos americanos.
O presidente acha que o governo americano estava implicado na Lava Jato, visando destruir a capacidade de concorrência internacional de empreiteiras brasileiras. De qualquer modo, na visão lulista, os “loiros do Norte” sempre se dedicaram a impedir o desenvolvimento das potências do Sul, como o Brasil.
Vem dessa visão de mundo boa parte da postura de passar o pano na brutal agressão russa à Ucrânia. Pois, se os americanos estão apoiando um lado, só pode ser em interesse próprio, e quem se opõe à hegemonia imperialista gringa (como a Rússia) só pode estar do lado certo.
A expansão das relações do Brasil com a
China é a bofetada perfeita aplicada onde dói. No lote de documentos
confidenciais do Pentágono vazados recentemente está a preocupação americana
com acordos secretos entre a China e a Nicarágua – fora a notável ampliação da
presença chinesa na Argentina, entre outros.
Nesse conjunto de papéis confidenciais está
o registro de como os russos receberam a genialidade de Lula de propor um
“clube da paz” de países neutros para mediar a guerra na Ucrânia, em associação
com a China: como forma de se quebrar o paradigma ocidental de agressor
(Rússia) e vítima (Ucrânia).
O fortalecimento das relações com a China,
com a assinatura de mais de 20 acordos, vem embalado como defesa de interesse
nacional. De fato, sendo a China do ponto de vista comercial tão relevante para
o Brasil, como não se aproximar dela?
Ocorre que a essência da questão
internacional colocada hoje é geopolítica, e não simplesmente comercial. É
situação substancialmente diferente daquela de 20 anos atrás, quando a China
chamava a atenção por crescer muito. Com a Rússia, uma potência que lhe é
subordinada, o que a China pretende hoje é quebrar os 70 anos de ordem internacional
garantida sobretudo pelos Estados Unidos.
Vem daí o grande problema em manter a tal
“equidistância” entre potências gigantescas em pé de guerra (talvez seja um
problema insolúvel). Sistemas internacionais sempre dependeram de algum
ordenamento, imposto e mantido por uma ou por um conjunto de potências. China e
Rússia consideram que o atual ordenamento é prejudicial aos seus interesses. Na
prática, o Brasil indica o mesmo.
A atual liderança chinesa quer dar o troco
por 150 anos de humilhações impostas por potências ocidentais (na Rússia, ela
já conseguiu). O Brasil é uma potência média regional muito vulnerável, mas
Lula acha que chegou a vez dele também.
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