quarta-feira, 26 de abril de 2023

Raphael Di Cunto - Governo analógico e as lições da Shein

Valor Econômico

Bolsonarismo segue forte ao construir narrativas anti-PT

A forma desastrada com que o governo Lula (PT) anunciou a taxação das varejistas chinesas e depois recuou é atestado de um modelo político ainda analógico e que não soube lidar com as redes sociais. Mais do que lamentar o impacto na popularidade do governo e as consequências econômicas, os petistas precisam aprender as lições do “caso Shein” para não repeti-las na reforma tributária, na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do 8 de janeiro, no marco fiscal e outras pautas que surgirão no Congresso.

A direita mostrou extrema eficiência para usar essas armas contra o governo. O caso das joias sauditas mal chegou à opinião pública, ocupada discutindo os preços da gasolina. Apoiadores radicais do ex-presidente foram os responsáveis por invadir e depredar as sedes dos três Poderes, mas a pressão das redes ajudou a coletar as assinaturas para a CPMI dos atos golpistas e construir a narrativa de que é o governo Lula quem tem algo a temer. As invasões do Movimento dos Sem Terra (MST) deram coesão ao agro na antipatia ao PT e resultarão em outra CPI ruim para o governo do partido.

O caso da Shein precisa ser estudado mais a fundo pelo governo para que não se repita. Lula tinha ali um ótimo motivo para endurecer com as chinesas e arrecadar R$ 6 bilhões por ano. Parte desses sites burla a fiscalização, sonega impostos e prejudica com concorrência desleal as empresas que geram empregos no Brasil. A moça de baixa renda paga barato por uma blusinha? Paga, mas corre o risco de não ter renda para comprá-la porque a varejista brasileira fechou a loja da sua cidade e nem ter remédio no posto de saúde para seus filhos porque o imposto não foi pago pela classe média que se aproveita da mesma brecha.

A linha de argumentação do Ministério da Fazenda estava correta, mas, a partir daí, faltou de tudo na comunicação - a começar por um pouco de noção. O secretário da Receita, Robinson Barreirinhas, menosprezou o impacto da medida e a anunciou numa entrevista exclusiva ao Uol publicada no meio da Páscoa. Janja, num ato de voluntarismo, tomou a iniciativa de responder a um perfil simpatizante no Twitter para “explicar” que quem vai pagar o imposto “é a empresa e não o consumidor”, virou meme e quebrou a narrativa do governo sobre combater a sonegação. O ministro Fernando Haddad fechou o caixão da ideia com uma fala elitista de que só conhecia a Amazon, onde comprava “um livro todo dia”.

O governo tinha ao seu lado as grandes varejistas brasileiras, muitas em crise, fechando lojas e ameaçando demissões, além da indústria, mas não articulou com elas nenhuma resposta para defender a medida. Leu-se, aqui e acolá, mais por iniciativa da imprensa do que por reação coordenada, entrevistas com algum grande empresário a favor de frear a “concorrência desleal”. Nenhuma campanha publicitária, site ou nem sequer um manifesto veio a público. Parlamentares da mirrada base aliada não sabiam como responder aos protestos de eleitores nas redes. A direita, por outro lado, deu propulsão aos ataques, criou memes e fez chegar a grande parte da população que o governo do PT, “aquele do Estado grande e dos grandes desvios”, quer taxar até a blusinha baratinha ou a unha postiça que vinha da China.

A popularidade já frágil de Lula caiu, com a Shein como grande responsável, e o jogo de empurra sobre a culpa correu forte nos corredores de Brasília. A Secretaria de Comunicação reclamou que não foi avisada previamente, a Fazenda queixou-se da falta de reação oficial e o presidente decidiu enterrar a medida e trocá-la por um “aperto” na fiscalização.

Batalha perdida, esperava-se que o governo ajeitasse a casa para os próximos embates. No mesmo dia em que divulgou que desistiu de acabar com a brecha usada pelas varejistas chinesas, Lula falou besteira em reunião com governadores sobre os ataques as escolas e disse que “não tem game falando de amor”, só game “ensinando a molecada a matar”. A barulhenta e ativa comunidade gamer, tão importante na eleição, foi à loucura e está há uma semana atacando o petista com memes - e há aqueles que lembram, em contraste, que Bolsonaro diminuiu os impostos do setor.

Foi outro caso utilizado pela direita para desgastar o petista e até os influenciadores digitais simpáticos a Lula criticaram, mas não houve reação oficial, nem sequer para mostrar a contradição da direita, já que foram dois governadores bolsonaristas que primeiro citaram os games na reunião como culpados pelos ataques.

Não é preciso ser especialista em mídias digitais para ver que o governo do PT tem problema crítico de mobilização política pós-eleição. A taxação do e-commerce é impopular, mas havia espaço para construir uma narrativa que a tornasse palatável (ou a reforma da Previdência não causava protestos?). Se na campanha eleitoral havia influenciadores, celebridades e subcelebridades espontaneamente defendendo as pautas de Lula diariamente. Hoje há falas isoladas, elogios a políticas públicas e cobranças e críticas a que todo governo está sujeito, mas o grosso da mobilização acabou e só quem vive da polarização política segue de fato ativo. Enquanto isso, as redes da direita continuam coesas nos ataques ao PT e o bolsonarismo mantém-se vivo mesmo com um Bolsonaro apagado.

“Desenhando pela milésima vez: o governo Lula tem uma enxurrada de notícias boas todos os dias. A falsa sensação de ‘crise’, ou de mau momento, é porque estamos perdendo a NARRATIVA!”, protestou na sexta-feira o deputado federal André Janones (Avante-MG) pelo Twitter, dias após voltar de viagem à China com Lula. Janones cobra coordenação mais eficaz nas redes, mas o PT o escanteou após a eleição.

A falta de militância digital mais eficiente e coordenada trará consequências sérias. Qual será a narrativa dos atos golpistas após a CPI do 8 de janeiro? Como ficarão o marco fiscal e a reforma tributária, com a imagem já consolidada de que o PT pretende ampliar a arrecadação de impostos? Não há dinheiro do Orçamento ou cargos suficientes para convencer um Congresso já arredio se a pressão dos eleitores nas redes for pela oposição a Lula e ao PT.

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