quarta-feira, 26 de abril de 2023

Zeina Latif - Diferentes problemas, diferentes soluções

O Globo

A grande vulnerabilidade de um banco central é a pressão de governantes sobre a condução da política monetária

Uma das novidades da proposta do novo arcabouço fiscal foi o relaxamento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um importante legado do governo FHC. Pela proposta, o descumprimento das metas de resultado primário (exclui o pagamento de juros) não implicará qualquer punição ao Executivo, bastando o Presidente da República encaminhar ao Congresso uma mensagem apresentando as razões para isso e as medidas de correção.

Tampouco será obrigatório o contingenciamento de despesas quando o cumprimento da meta estiver ameaçado, conforme apontado pelos relatórios de avaliação bimestral do Tesouro. Caso aprovada, a regra valerá para os demais Poderes, o Ministério Público e a Defensoria Pública.

A ausência de punição enfraquece a própria regra de ajuste de despesas contida na proposta, que estabelece que se o resultado primário ficar abaixo do intervalo de tolerância (+/- 0,25 pp) da meta, o aumento de despesas no ano seguinte ficará limitado a 50% do crescimento da receita primária – importante lembrar o piso proposto de 0,6% para o crescimento das despesas reais (corrigidas pela inflação).

Há grande espaço para empurrar o problema para frente, sendo que a cada ano, uma nova meta fiscal, menos ambiciosa, poderá ser estabelecida na Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Trata-se de retrocesso institucional esgarçar o, já frágil, conjunto de regras que disciplinam o orçamento público. De quebra, preocupa o precedente aberto para medidas na mesma direção em estados e municípios.

O governo minimiza o problema afirmando que o mesmo modelo funciona para o regime de metas de inflação, já que, no seu descumprimento, o BC precisa apenas escrever uma carta ao ministro da Fazenda.

Porém, são situações muito distintas. Problemas diferentes exigem soluções diferentes.

A grande vulnerabilidade de um banco central é a pressão de governantes sobre a condução da política monetária. Afinal, juros artificialmente baixos podem aquecer temporariamente a economia, trazendo ganhos políticos. Daí o papel da autonomia do BC, para criar blindagens a pressões externas.

Não faria sentido punir os dirigentes do BC pelo não cumprimento da meta, pois a taxa de inflação não é uma variável sob seu controle direto. O BC não poderia reduzir a inflação do mesmo modo que o Ministério da Fazenda pode cortar gastos.

O BC administra seu instrumento, que é a taxa de juros Selic, para, indiretamente, controlar a inflação, e isso em meio a muitas incertezas. Não apenas pela ocorrência de choques – como mudanças nos preços internacionais e nos gastos públicos –, mas também porque o efeito do remédio não é totalmente preciso e previsível.

Há vários canais de transmissão dos juros para a inflação – como o do crédito, do câmbio, das expectativas – e cada um tem suas especificidades (potência e timing para materialização), que, por sua vez, podem variar diante de diferentes circunstâncias. Não é algo estável e automático, tornando mais complexa a tarefa do BC.

Por exemplo, a alta de juros pode ter efeito mais modesto no crédito face ao aumento dos desembolsos do BNDES. Outro exemplo é a menor responsabilidade fiscal do governo produzindo uma elevação na taxa neutra de juros (aquela que nem acelera, nem freia o crescimento econômico). São fatores de difícil antecipação e identificação.

Tomando o momento atual, questiona-se se os canais da política monetária estão funcionando adequadamente, já que o ritmo da desinflação está aquém do esperado. Causa incômodo a relativa rigidez da inflação de serviços (7,6% anual), tendo em vista, não apenas os juros altos, mas o comportamento favorável da inflação de outros itens que costumam impactá-la, como alimentos e alguns preços administrados.

Já o Ministério da Fazenda exerce o controle direto no resultado fiscal, ainda que longe de ser pleno, tendo em vista a elevada rigidez de gastos, previstos em lei, e as decisões dos demais poderes que acabam gerando novas despesas.

Exatamente por isso é ainda mais importante o papel da LRF, para dar maior capacidade ao Executivo, sob a escrutínio do Tribunal de Contas da União, para dificultar a criação de novas despesas e para incentivar reformas estruturais voltadas a conter gastos obrigatórios.

Em meio a tantas dificuldades para controlar as despesas, a nova regra fiscal deveria reforçar a LRF, e não enfraquecê-la.

 

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Lendo e aprendendo.