Valor Econômico
Mandato começa com decisão sobre tamanho do
Estado
Em suas conversas com integrantes do
mercado financeiro, o secretário-executivo do Ministério do Planejamento,
Gustavo Guimarães, notou que os cálculos e modelos sobre o novo arcabouço
fiscal não têm considerado o fator democrático. E essa é, na sua avaliação, a
principal inovação trazida pela proposta do governo para um novo regime fiscal
sustentável.
O projeto do arcabouço estabelece que, no
primeiro ano do mandato presidencial, que coincide com o primeiro ano das
legislaturas na Câmara e no Senado, seja feita uma discussão sobre quanto será
gasto e quanto será poupado para pagar a dívida naquele ano e nos três
seguintes. O Executivo proporá, e o Legislativo apreciará, um compromisso sobre
o tamanho do Estado brasileiro naquele período.
As críticas segundo as quais o arcabouço não consegue estabilizar a dívida pública se esquecem do fator democrático, comenta o secretário. Isso porque projetam para longos períodos à frente a intensidade de ajuste fiscal escolhida para o atual mandato presidencial. No entanto, o fator democrático dá base a que, em 2027, o jogo possa ser outro.
Poderá ser adotado um ajuste fiscal que
corte fortemente as despesas, por exemplo. Ou que faça um ajuste rigoroso e
derrube a dívida pública como proporção do PIB.
A diferença será dada pelos parâmetros
inseridos no arcabouço. Esses serão objeto de discussão entre o Executivo e o
Legislativo no primeiro ano de cada ciclo político.
Então, quem não está entendendo nada do
arcabouço fiscal se prepare: nas próximas eleições, a discussão fundamental
poderá ser sobre parâmetros.
Se em 2022 debateu-se o teto de gastos, se
seria ou não mantido, em 2026 a discussão tende a ser se as despesas seguirão
crescendo a um ritmo menor do que as receitas, e quanto.
De forma bem resumida, o arcabouço é um
conjunto de regras que busca estabilizar a dívida pública. Combina uma meta de
resultado primário (diferença entre receitas e despesas, exceto juros, usada
para abater a dívida pública) e uma regra de crescimento das despesas em
relação às receitas.
Neste governo, as despesas vão crescer ao
ritmo de 70% do aumento das receitas. As metas de resultado primário foram
fixadas em 0% em 2024, 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2025 e 1% do PIB
em 2026. Com isso, a dívida ficará em 77,7% do PIB em 2024, 78,5% do PIB em
2024 e 79,3% do PIB em 2026.
Ou seja: a dívida não se estabiliza. Até
cresce.
O arcabouço é acusado de ser frouxo. É por
causa dos parâmetros escolhidos para o período até 2026. Eles determinam um
ajuste gradual. E é assim, explica Guimarães, porque o projeto vencedor nas
urnas em 2022 contempla a recuperação de políticas públicas e a retomada de
programas como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida. Isso exigiu
acrescentar R$ 145 bilhões no Orçamento deste ano, via PEC da Transição. É algo
que não pode ser cortado de uma vez nos anos seguintes.
Assim, o compromisso para os quatro anos do
atual mandato presidencial é cumprir uma regra de limite de despesa, mas com um
espaço maior do que haveria, por exemplo, se fosse mantida a regra do teto de
gastos.
Essa proposta está colocada com clareza
para todo o período, o que permite aos agentes econômicos colocar preço na
dívida pública.
Esse comprometimento com a meta reduz a
importância relativa das dificuldades eventualmente enfrentadas pelo ministro
da Fazenda, Fernando Haddad, para recompor a base tributária do Estado brasileiro,
avalia o secretário. De uma forma ou outra, assegura, a Fazenda buscará os R$
155 bilhões que faltam para zerar o déficit fiscal no ano que vem.
Prova disso é a discussão sobre o retorno
da tributação federal sobre combustíveis, ocorrida em março. Não foi possível
retomar 100% da cobrança, como queria a área econômica. Mas o resultado foi
obtido com uma reoneração parcial e uma elevação temporária do Imposto de
Exportação sobre petróleo. O mesmo deve ocorrer na taxação de compras no
exterior. Após idas e vindas, os marketplaces chineses prometem aderir às
normas da Receita Federal.
É dessa forma que o debate do momento, o
corte de incentivos fiscais, será conduzido, diz Guimarães. Ninguém na equipe
econômica tem ilusão que será um debate fácil. Mas o propósito é colocá-lo sob
a luz, para avançar da forma possível.
Outra novidade do arcabouço é tentar acabar
com um “me engana que eu gosto” que vigora há anos na política fiscal. Por
exemplo, ao tornar facultativo o bloqueio de verbas caso as contas públicas
estejam rumando para um saldo menor do que a meta.
Pelas normas atuais, um quadro assim exige
o bloqueio de despesas. Não raro, o ano começa com esse tipo de medida. No
segundo semestre, geralmente, o dinheiro é liberado. Os ministros precisam correr
para executar seu orçamento. É uma prática ruim para a gestão orçamentária,
segundo o secretário.
O arcabouço permite que o bloqueio não seja
feito. Até porque haverá uma margem de tolerância para o resultado fiscal. Se
ainda assim a meta for descumprida, estão previstas duas sanções: o Executivo
tem de se explicar ao Legislativo e, no ano seguinte, as despesas crescerão a
50%, e não mais a 70% das receitas.
Na mesma linha, a proposta diz que a falha
em alcançar a meta não configura descumprimento da lei.
Guimarães afirma que não é a criminalização
que fará o gestor buscar o objetivo de resultado primário. Compara com o que
ocorre com o Banco Central. Se a autoridade monetária é leniente na busca da
meta de inflação, afirma ele, as expectativas se deterioram. O mesmo deverá
ocorrer com a condução da política fiscal, e esse será o maior incentivo à boa
condução das contas públicas.
A agenda da política fiscal brasileira tem
à frente discussões difíceis que, por isso mesmo, são adiadas há décadas. Seria
muito bom se as dificuldades políticas, com Comissões Parlamentares de
Inquérito (CPIs) no radar, não colocassem esse ímpeto a perder.
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