quarta-feira, 26 de abril de 2023

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Judiciário menos volúvel garante a força da democracia

O Globo

Decisões recentes do Supremo têm confirmado a máxima segundo a qual, no Brasil, até o passado é incerto

Na análise da primeira leva de denunciados pela invasão das sedes dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou réus os cem acusados. Punir os executores e autores intelectuais dos ataques golpistas do 8 de Janeiro é prioritário e imprescindível. Só assim se evitarão novas ameaças à democracia brasileira. Há, porém, riscos que a Corte precisa evitar. O maior é deixar-se levar pelas circunstâncias políticas, como tem ocorrido com frequência.

No exemplo mais recente, um julgamento em andamento no Supremo poderá alterar um dos pilares da última reforma trabalhista. Em fevereiro de 2017, o plenário julgou inconstitucional que empregados não sindicalizados fossem obrigados a pagar contribuição a sindicatos. Seis anos depois, tudo pode mudar. Cinco ministros votaram em favor da reviravolta — entre eles o relator, ministro Gilmar Mendes —, mas o ministro Alexandre de Moraes pediu vista nesta semana, interrompendo o julgamento.

Outro caso de revisão de decisão anterior tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para determinar se benefícios fiscais concedidos por estados às empresas no pagamento do ICMS devem estar sujeitos à incidência de outros dois impostos (IRPJ e CSLL). Pelo critério em vigor, a União não pode cobrá-los, mas tudo pode mudar. “Mesmo depois dessa primeira decisão do STJ, muitas empresas foram autuadas, o que gerou incontáveis contenciosos judiciais”, escreveu o ex-ministro Maílson da Nóbrega em artigo ontem no GLOBO. Agora, a depender da nova decisão, o custo para as empresas poderá chegar a R$ 65 bilhões anuais.

Esse tipo de vaivém, como destacou o colunista do GLOBO Merval Pereira, tem se repetido com mais frequência que o razoável. O resultado é insegurança econômica e jurídica. Em 2016, Gilmar apoiou a execução de penas depois da condenação do réu pela segunda instância, como na maioria dos países. Tempos depois, voltou atrás, defendendo que réus só podem ser punido quando estiverem encerrados todos os recursos à disposição, situação conhecida como “trânsito em julgado”.

A mudança virou o placar no Supremo e permitiu a libertação de centenas de condenados, em particular alvos da Operação Lava-Jato. A ministra Cármen Lúcia também mudou de opinião em processos da Lava-Jato. Seus votos ajudaram a invalidar acusações contra o hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Guarujá (SP). O ministro Edson Fachin deu meia-volta similar.

Não é proibido que os ministros de tribunais superiores revisem suas decisões, seguindo a máxima atribuída ao economista John Maynard Keynes: “Quando os fatos mudam, eu mudo de opinião”. O preocupante é que, no caso da Justiça brasileira, as reviravoltas parecem seguir não os fatos, mas apenas a lógica da opinião pública ou a necessidade política. Outra citação atribuída ao ex-ministro Pedro Malan parece mais oportuna nos casos recentes: “No Brasil, até o passado é incerto”.

É recomendável aos ministros do STF refletir sobre esse comportamento de “biruta ao vento” agora que se debruçam sobre os indiciados e réus do 8 de Janeiro. A condenação dos responsáveis pelo maior ataque à democracia brasileira deve ser célere, mas precisa ter base jurídica sólida. Excessos estimulados pelo clamor das ruas precisam ser evitados. Um Supremo menos volúvel contribuirá para garantir a força da democracia brasileira.

Não basta liberar vacina bivalente contra Covid para qualquer adulto

O Globo

Governo precisa garantir que milhões de doses sejam aplicadas para deter o vírus e evitar ainda mais desperdício

É oportuna a decisão do Ministério da Saúde de liberar a vacina bivalente contra a Covid-19 para toda a população adulta. Não só porque tende a aumentar os índices insatisfatórios de cobertura no país, mas também por combater o desperdício de doses, jogadas com frequência no lixo por não serem usadas no prazo recomendado.

Aplicada como reforço, a bivalente é a versão atualizada da vacina original contra a Covid-19 da Pfizer que protege contra sublinhagens da Ômicron, variante predominante no país e no mundo. Até segunda-feira, quando a decisão foi anunciada, era recomendada para maiores de 60 anos, profissionais de saúde, gestantes, puérperas, imunossuprimidos com mais de 12 anos e residentes em abrigos. Esse público soma 63,4 milhões de brasileiros. Agora, outros 97 milhões estarão aptos a tomá-la, desde que já tenham recebido pelo menos duas doses de outras vacinas.

Como lamentavelmente tem sido frequente, a vacinação com a bivalente avança a passos lentos. Em dois meses, apenas 16% do público-alvo foi vacinado, um desempenho decepcionante, especialmente por se tratar do grupo mais vulnerável. Desinformação nas redes sociais, problemas logísticos (dificuldade de acesso e horário de funcionamento dos postos), insuficiência de campanhas de conscientização e o próprio relaxamento da população diante da melhoria do cenário epidemiológico contribuem para o encalhe das doses. É preciso reconhecer que a Covid-19 só está sob controle graças à vacinação em massa. O vírus não foi embora. Por isso, não se pode relaxar. É fundamental seguir o esquema de vacinação recomendado pelo Ministério da Saúde.

Em dezembro, o governo assinou um contrato para compra de mais 50 milhões de doses da bivalente. Com as compradas antes, o total chega a 150 milhões. Estima-se que ainda existam 138 milhões de doses disponíveis, situação que contrasta com 2021, quando havia demanda e faltavam vacinas.

A baixa procura e a incompetência dos governos para usar as doses têm levado a um desperdício inaceitável. Em março, o Ministério da Saúde informou que, desde 2021, já foram descartados 39 milhões de doses de vacinas contra a Covid-19, a maior parte (27 milhões) nos primeiros meses deste ano. A incúria causou um prejuízo de R$ 2 bilhões aos cofres públicos. Outros estoques, não só da vacina contra a Covid-19, estão prestes a expirar, e o governo cogita doá-los a outros países.

Ao ampliar a vacinação com a bivalente, pelo menos se reduz a chance de descarte. Mas não bastará oferecê-la a um público maior se a procura continuar abaixo do esperado. Ministério, estados e prefeituras precisam sair da inércia e buscar formas eficazes de elevar os índices de imunização. O governo federal, pródigo na propaganda, deveria aproveitar o tempo para incentivar a vacina e combater a desinformação. Jogar no lixo vacinas que salvam vidas é um acinte à memória dos mais de 700 mil brasileiros que morreram de Covid-19, muitos sem a chance de tomar uma única dose.

Há metas e metas

Folha de S. Paulo

Compromissos claros na política monetária deveriam inspirar regra fiscal

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, decerto frustrou grande parte do mundo político ao declarar nesta terça-feira (25) que não tem como prever um prazo para o início do corte dos juros da instituição, hoje em elevadíssimos 13,75% ao ano.

O motivo apontado pelo executivo é simples e verificável por qualquer pessoa —a inflação do país continua em patamares perigosos. O IPCA registrou variação de 4,65% em 12 meses, e as expectativas para este 2023 estão em alta desde novembro passado, atingindo 6%, bem acima da meta de 3,25%.

À Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, Campos Neto disse o que deveria ser óbvio para todos os governantes e legisladores —que o descontrole de preços é uma tragédia social, como o demonstra o aumento dramático da fome, da pobreza e da desigualdade na vizinha Argentina.

Note-se que o BC não pretende cumprir a ferro e fogo a meta deste ano, o que exigiria juros ainda mais altos. Mas a instituição precisa demonstrar que faz o necessário para restabelecer a normalidade em prazo hábil. É o que sustenta a credibilidade do regime de metas, prestes a completar 24 anos.

O esforço requer prestação de contas permanente, por meio de comunicados, atas e relatórios periódicos que detalham os parâmetros seguidos pela política monetária, que, mais recentemente, foi reforçada pela autonomia do BC.

O Brasil não conseguiu se aproximar de tal sucesso no controle das contas públicas, provavelmente porque as consequências da imprudência orçamentária, embora reais e graves, não são tão perceptíveis de imediato para o eleitorado.

Diferentes normas foram fixadas e desrespeitadas. A seguida por mais tempo foi a de metas de superávit primário, iniciada também em 1999 e desvirtuada sob a petista Dilma Rousseff (2011-16), quando o Tesouro se tornou deficitário.

A perseverança, a transparência e os compromissos claros da política monetária deveriam servir de inspiração para a nova regra fiscal proposta por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Prometem-se limites para a expansão das despesas e prevê-se a volta dos superávits, mas os objetivos são pouco realistas.

Pior, o governo cuidou de estabelecer que o descumprimento das metas não será considerado infração e que a área econômica estará desobrigada de bloquear gastos para obter os saldos previstos.

Não se trata aqui de pregar a criminalização da política fiscal, para usar um termo do ministro Fernando Haddad, da Fazenda. Entretanto a credibilidade da regra depende da indicação de que as metas não serão deixadas de lado na primeira dificuldade —como muitos pressionam hoje o BC a fazer.

À beira da guerra civil

Folha de S. Paulo

Sudão vive conflito sangrento que pode afetar a conturbada vizinhança africana

Terceiro maior país da África, o Sudão se vê novamente imerso em um conflito militar, algo comum em sua história. Desta vez, os protagonistas são as forças leais ao governo ditatorial e uma milícia rival.

Ao completar duas semanas, o impasse entre os antigos aliados Fatah al-Burhan, homem forte do regime, e Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemedti, que comanda as Forças de Apoio Rápido, já deixou quase 500 mortos.

Sem solução à vista, o confronto, até agora concentrado nas ruas da capital Cartum, ameaça degringolar para uma guerra civil.

Desenrolar ainda pior seria a crise atravessar as fronteiras e desestabilizar uma região estratégica e populosa, rica em petróleo e berço de grupos radicais islâmicos.

O Sudão sofre há décadas os efeitos da presença desproporcional das Forças Armadas na vida do país, que teve raros períodos de democracia desde que conquistou a independência, em 1956. Conflitos de fundo étnico, amplificados pelo aumento da desertificação causado pelo aquecimento global, trouxeram ainda mais turbulência.

Um arremedo de estabilidade só ocorreu durante o período do general Omar al-Bashir, que governou por 30 anos em aliança com grupos islâmicos. Em 2019, pressionado pela deterioração econômica e desmoralizado após a independência do Sudão do Sul, ele foi derrubado por um levante popular.

Mas sua queda não resultou em governo civil e eleições. Ao contrário, abriu as portas para que facções militares se apoderassem do Estado e lutassem pelo espólio.

Por seu tamanho e localização, na fronteira entre a África subsaariana e o mundo árabe, o Sudão é crucial para a estabilidade regional.

A depender da intensidade e da duração do embate, ondas de refugiados podem afetar países como a Etiópia, que viveu sua própria guerra civil até 2022, e o Egito, outra ditadura em perene crise econômica. Grupelhos armados de países vizinhos podem interferir no confronto, como já ocorreu em grandes guerras africanas.

O único modo de encerrar o conflito é a partir de intensa pressão de países ricos, interessados em seus investimentos no setor de petróleo, e de vizinhos do continente.

Uma solução duradoura, contudo, depende de calendário sólido de eleições e da transferência do poder a civis. Mas o Sudão, afetado pelas pragas da militarização, do tribalismo e do radicalismo islâmico, parece distante desse cenário.

A necessária coerência do STF

O Estado de S. Paulo

Denúncias do 8 de Janeiro impõem múltiplos desafios à Justiça. O STF tem o dever de aplicar a lei e ser coerente com sua jurisprudência, sem buscar aplausos de quem quer que seja

No início do ano, a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), foram instaurados no Supremo Tribunal Federal (STF) diversos inquéritos relativos ao 8 de Janeiro. Além de investigações sobre os executores – muitos deles foram presos em flagrante –, abriram-se inquéritos para apurar a responsabilidade dos autores intelectuais, dos financiadores, dos partícipes por auxílio material e das pessoas que instigaram os atos criminosos.

Agora, o STF começou a analisar as denúncias apresentadas pela PGR com base nas investigações feitas. Na segunda-feira, a Corte decidiu pela admissibilidade do primeiro conjunto de acusações contra 100 pessoas. No dia seguinte, iniciou-se a sessão virtual para a apreciação de mais de duas centenas de denúncias. Essa sessão se encerra no dia 2 de maio, mas é apenas o início de um longo trabalho. Até o momento, a PGR denunciou 1.390 pessoas pelos atos do 8 de Janeiro, envolvendo tipos penais que vão desde incitação ao crime e deterioração de patrimônio tombado até associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado.

O julgamento desses casos impõe múltiplos desafios ao Judiciário, a começar pelo grande número de pessoas envolvidas. É um trabalho imenso, que sobrecarrega ainda mais a já sobrecarregada estrutura da Justiça. Basta pensar que o STF, além de todas as denúncias do 8 de Janeiro, que podem se transformar em ações penais, com suas várias fases, tem muitas outras tarefas como Corte constitucional.

Mas as questões operacionais, como o grande volume de trabalho, são apenas uma parte – nem sequer é a principal – dos desafios suscitados pelo 8 de Janeiro. O grande tema é o respeito à legalidade, com a aplicação da lei penal e processual penal em circunstâncias tão excepcionais. Caminhos extralegais poderiam não apenas suscitar nulidades e impunidades – o que seria extremamente prejudicial ao País –, mas gerar uma perda de autoridade e de legitimidade da Justiça, com o risco de autores de crimes gravíssimos serem transformados em vítimas ou mesmo em heróis nacionais.

Sobre os cuidados que o STF deve ter, destacam-se alguns pontos. Até aqui, por força das próprias circunstâncias, houve acentuado protagonismo do ministro Alexandre de Moraes. Ainda que possam ser feitos reparos em sua atuação à frente dessas investigações – não existe perfeição na vida pública –, é inegável sua contribuição, por meio de diligente exercício jurisdicional, na defesa do Estado Democrático de Direito. No entanto, é chegada a hora de esse protagonismo individual diminuir.

É preciso que toda a atividade do STF relacionada aos atos do 8 de Janeiro esteja revestida do caráter colegiado da Corte, o que tem duas consequências práticas. Em primeiro lugar, o trabalho jurisdicional envolvendo os inquéritos e as denúncias sobre os atos antidemocráticos deve estar apoiado solidamente na lei e na jurisprudência do Supremo. Nos últimos anos, a Corte fez um trabalho de grande importância a respeito da Operação Lava Jato; entre outros temas, corrigiu excessos e recordou regras de competência e de imparcialidade. Toda essa jurisprudência – verdadeiro aprendizado civilizatório – não pode ser agora ignorada.

A segunda consequência diz respeito à atuação dos outros ministros do STF. A defesa em uníssono do Estado Democrático de Direito não significa concordar com tudo o que é feito ou proposto pelo ministro Alexandre de Moraes. Unanimidades baseadas em circunstâncias, e não em rigorosas avaliações jurídicas, podem ser muito perigosas, ao possibilitar transigências com a lei e com a jurisprudência da Corte.

Pode parecer que, com os casos do 8 de Janeiro, o STF tem uma tarefa impossível a realizar: num contexto de acirramento político, apurar de forma isenta as diversas responsabilidades jurídicas. Mas a missão é viável. Basta que cada ministro viva o que se pede a todo juiz: a coerência de aplicar a lei, sem preferências e sem animosidades, com a valentia de desagradar, se assim for preciso, à opinião pública.

A conta salgada do mau jornalismo

O Estado de S. Paulo

O caso da Fox, que teve de pagar quase US$ 800 mi a empresa vítima de suas campanhas de desinformação, mostra que há limites para esse modelo de negócios baseado em mentiras

O bom jornalismo custa caro, mas o mau jornalismo custa mais caro ainda. O caso da Fox News, pivô de um processo que envolvia desinformação sobre a eleição presidencial de 2020 nos Estados Unidos, mostra que a difusão de falsidades travestidas de jornalismo, malgrado atraia imensa audiência, cedo ou tarde resulta em imenso prejuízo para quem as produz.

Há alguns dias, a Fox Corporation fechou um acordo com a empresa Dominion Voting Systems para indenizála em US$ 787,5 milhões (cerca de R$ 4 bilhões) por tê-la acusado sistematicamente de ter ajudado a fraudar a eleição presidencial de 2020 de modo a impedir a reeleição do então presidente Donald Trump. A Dominion pleiteava indenização de US$ 1,6 bilhão, mas aceitou reduzir a pedida e encerrou o caso, para frustração de muitos – afinal, se o processo fosse adiante, provavelmente o dono da Fox, o magnata Rupert Murdoch, seria chamado a depor e teria que explicar por que permitiu que a campanha contra a Dominion prosseguisse mesmo que vários jornalistas e executivos na Fox soubessem que se tratava de uma falsa acusação, como atestam comunicações internas da emissora incluídas como provas. O próprio Murdoch, mostra um dos documentos, qualificou a acusação contra a Dominion de “realmente louca”.

Entre as mensagens anexadas como provas estão e-mails trocados entre o então principal âncora da Fox, Tucker Carlson, e a direção da empresa, nos quais admitem que, ao contrário do que diziam no ar, não houve manipulação nenhuma do resultado da eleição. Usando seu enorme poder na emissora, Carlson ainda pressionou executivos da Fox News pela demissão sumária – “tipo esta noite”, como ele escreveu em uma das mensagens – de jornalistas da própria casa que ousaram contestar a alegação de que a eleição fora fraudada, em vista da absoluta falta de provas de que as urnas eletrônicas tinham sido adulteradas.

Principal usina de fake news sobre a eleição presidencial de 2020, em particular sobre o caso da Dominion, o programa de Carlson era uma espécie de centro difusor dos medos, preconceitos e ódios que animam a extrema direita norte-americana, tornando-o líder de audiência entre todos os canais de TV por assinatura nos Estados Unidos. Na esteira do caso, a Fox afinal demitiu Carlson, desfazendose de seu reluzente anel para preservar os dedos.

Ao longo do caso, a Fox argumentou que o processo movido pela Dominion violava a liberdade de imprensa prevista na Constituição americana, porque, segue o raciocínio, a emissora estava sendo perseguida por ter simplesmente reproduzido a opinião de diversas personalidades, inclusive o presidente Trump. Ou seja, a Fox, como é habitual entre os que lucram com mentiras, escorou-se em proteções constitucionais básicas para legitimar o sistemático envenenamento da democracia.

Felizmente, mesmo num país que trata a liberdade de expressão como um direito sagrado, a desculpa não colou, ante a enxurrada de provas de que se tratava de difamação intencional.

Seria ingênuo supor que a Fox não esteja gestando outro Tucker Carlson para apresentá-lo em momento oportuno; afinal, não foi Carlson quem fez a Fox, antes pelo contrário – esse jornalista, que desonra a profissão, foi durante um bom tempo um produto cuidadosamente manufaturado pelos executivos da emissora para atiçar os instintos mais primitivos de uma audiência progressivamente incapaz de pensar por si mesma. Há todo um nicho de negócios que se criou em torno do negacionismo e da desinformação, bastante explorado por maus jornalistas e vitaminado pela irresponsabilidade das redes sociais, que desafia as leis, a ética e a democracia em todo o mundo.

Para todos os efeitos, contudo, o desfecho do caso da Dominion contra a Fox serve para mostrar que felizmente há um limite, pecuniário e reputacional, para os que insistem em fazer da desinformação um modelo de negócios.

Perigo na Avenida Paulista

O Estado de S. Paulo

Paulistano é obrigado a adotar estratégias de guerra para não ser roubado na avenida-símbolo de SP

Andar pelas ruas de São Paulo é hoje um ato de coragem, e os paulistanos que encaram esse desafio diariamente se cercam de estratégias de guerra. Falar ao celular, infelizmente, deixou de ser um direito dos transeuntes na maior metrópole do País, sob pena de ter o aparelho levado a qualquer hora do dia, em qualquer lugar. Roubos de carteiras, joias ou mesmo bijuterias, entre outros pertences, também são ameaças constantes. Uma das saídas acaba sendo esconder objetos até nas meias. Como se fosse normal viver assim.

Chama especial atenção o fato de que essa violência ganhou contornos de epidemia na Avenida Paulista − uma das vias públicas mais vigiadas na região central de São Paulo. Como revelou o Estadão, a avenida-símbolo da capital registrou no ano passado o maior número de roubos dos últimos dez anos: 1.106, média de três ocorrências por dia. Houve aumento também de furtos, atingindo o segundo maior patamar do período, com mais de 6 mil casos denunciados à polícia.

Ora, se a situação chegou a esse ponto na Paulista, é assustador imaginar o que pode estar ocorrendo em outras áreas da cidade. A propósito, vale lembrar que a Pinacoteca de São Paulo, no centro, recentemente colocou um aviso na calçada para alertar seus frequentadores quanto ao risco de usar celular nas imediações do prédio − algo que hotéis na região da Paulista também fazem.

As estatísticas de roubos e furtos foram obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e são reveladoras da dinâmica dessas formas de crime. Conforme informou o Estadão, 42,3% dos casos se deram nos arredores do Museu de Arte de São Paulo (Masp), num raio de 350 metros. Por outro lado, domingo, quando a avenida é fechada para carros, foi o dia da semana com maior quantidade de furtos e roubos − 34,7% −, seguido por sábado, com 14,2%. Em outras palavras, quase metade das ocorrências concentrouse nos fins de semana ou numa área específica – o que, em tese, deveria facilitar a prevenção e a repressão.

Eis um ponto de partida para o efetivo combate a esse tipo de violência. Para isso, é essencial que as forças policiais façam uso adequado dos dados. Mais que respostas protocolares sobre reforço do policiamento ostensivo − iniciativa necessária, mas insuficiente −, o que se espera são ações coordenadas de inteligência para mapear e prevenir riscos. O mesmo vale para a Guarda Civil Metropolitana sob o comando da Prefeitura. A rigor, essa mesma atitude deve orientar o policiamento em toda a cidade e não somente na Avenida Paulista.

Lamentavelmente, a situação na avenida mais paulista de São Paulo é sintoma de uma onda de violência que se espalha pelas ruas. Ao tirar os pés de casa, o paulistano se vê forçado a encarar um campo de batalha. Roubos a transeuntes, como se sabe, afetam diretamente a percepção sobre segurança pública, o que tende a ter dramático impacto econômico e social. Sem a preservação do direito de ir e vir, prevalecem a desconfiança, o medo e o trauma. Não se faz uma cidade saudável assim.

Contribuição assistencial obrigatória é um retrocesso

Valor Econômico

A contribuição será obrigatória para trabalhadores não sindicalizados, desde que aprovada em acordos ou convenções coletivas

A contribuição assistencial para os sindicatos de trabalhadores poderá voltar a ser obrigatória - deixou de sê-lo com a reforma trabalhista de 2017 -, após inesperada mudança de entendimento dos ministro Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes. A inconstância do Supremo parece ter se acelerado no tempo. Tanto em 2017 quanto em 2018 o tribunal se debruçara sobre a questão do fim do imposto sindical e da cobrança da contribuição, decidindo por manter a extinção do primeiro e tornar voluntária para não sindicalizados a contribuição.

Gilmar Mendes e Barroso alegaram o estrangulamento financeiro dos sindicatos com a queda das receitas - previsível e abrupta. Não se estabeleceu na reforma trabalhista, nem nos julgamentos envolvendo pontos polêmicos dela nos tribunais, um período de transição para o fim do imposto. Os números variam um pouco, mas a redução dos recursos para os sindicatos foi superior a 90% em um par de anos. O bolo dos recursos para centrais, confederações, federações e sindicatos encolheu de R$ 3,5 bilhões em 2017, antes da reforma, para R$ 128,3 milhões em 2019.

O fator principal da redução foi o fim do imposto sindical, criado na era Vargas, cujos efeitos atingiram com a mesma intensidade os sindicatos patronais. Suas receitas cativas saíram de R$ 564 milhões em 2017 para R$ 31,4 milhões. A diferença é que as entidades empresariais têm outras fontes de recursos, igualmente compulsórias, como as contribuições do sistema S, da ordem de R$ 17 bilhões em 2021.

O ministro Alexandre Moraes pediu vistas do processo que reintroduz a contribuição assistencial obrigatória. Falta apenas um voto para que o STF a aprove, tendo já se manifestado favorável a ela, além de Barroso e Mendes, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Edson Fachin. Aprovada, a contribuição será obrigatória para trabalhadores não sindicalizados, desde que aprovada em acordos ou convenções coletivas. Foi garantido o direito de oposição - o trabalhador terá que formalmente manifestar que não quer pagá-la.

A diferença é enorme em relação à regra atual, que exige o consentimento expresso dos trabalhadores não sindicalizados para a cobrança. No primeiro caso, os sindicatos têm de fazer um intenso trabalho de convencimento para aumentar suas receitas. No segundo, é o interessado, o trabalhador não sindicalizado, que terá de tomar providências para não ser cobrado. Como os não sindicalizados, a enorme maioria, não participam da vida associativa, a contribuição acabará sendo cobrada por omissão.

O imposto sindical garantia vida confortável aos sindicatos, que financeiramente eram como repartições do Estado. A capacidade de arregimentação não influia na receita, era indiferente buscá-la. Por isso a representação sindical definhou e segue caindo. Ela se reduziu de 16,1% em 2012 para 14,4% em 2017, antes da reforma, e diminuiu para 11,2% em 2019, segundo dados do Diap. No setor privado, ela é ainda menor: 8%.

Por outro lado, como representantes obrigatórios nos acordos coletivos, o que os sindicatos obtivessem nas negociações era válido para toda a categoria. Pelo serviço, os trabalhadores pagavam um dia de trabalho, o imposto sindical.

A contribuição compulsória traz vários problemas. Um, que começou a surgir com o fim do imposto sindical, foi o de que seu valor, fixado em assembleias em geral pouco representativas, chegava a superar o do imposto sindical para atender à conveniência das burocracias das entidades, fossem elas ativas ou acomodadas. A autorização formal que passou a ser exigida pode refrear a demanda por recursos dentro de limites razoáveis, sob pena de fracasso. Estimula também as entidades a consultas amplas de não sindicalizados e campanhas de filiação, tornando-as necessárias, e não mais dispensáveis, como na época do imposto. O trabalhador que objeta a cobrança não tem de se deslocar até a sede do sindicato em horário comercial, como vários exigiram, para protocolar sua discordância.

Por outro lado, os sindicatos perderam o imposto mas não a unicidade, que veta mais de uma entidade representativa por categoria por região ou cidade. Isso impede fusões horizontais, que reduziria custos e daria mais eficiência às campanhas salariais. Esse problema não se resolve com a obrigatoriedade da contribuição de não-sindicalizados, um evidente retrocesso.

 

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