Folha de S. Paulo
Lideranças dizem que Planalto é
"indeciso" e "lerdo" e cobram regras do jogo no parlamento
O governo levou uns safanões no Congresso.
"Não é nem oposição, é confusão", diz um parlamentar centrista com
meia dúzia de mandatos e lideranças nas costas. Diz que o governo é
"indeciso", "demora para fazer acordo" e "não
organizou ainda nem a casa dele".
"Precisa tomar cuidado, porque tem o
arcabouço fiscal, que deve mudar um pouco, e muita CPI entrando. Mesmo sem
oposição, estão se embananando", diz. Não é o único.
O governo se propôs a tarefa enorme de aprovar um plano fiscal (gasto e receita) de caráter inédito em 20 anos e uma reforma tributária. Para que seu "arcabouço fiscal" funcione, precisa de um aumento de receita (em relação ao PIB, ao tamanho da economia) raro, maior do que as altas de arrecadação dos anos muito excepcionais de 2010-11 e 2021. Mas, desta vez, terá de aumentar imposto. É difícil.
Um senador governista acha que há
"centralização excessiva na Casa Civil, que não despacha rápido". O
senador diz que Arthur
Lira (PP-AL), presidente da Câmara, "é um trator, para o bem ou para o
mal. Faz acordo, mas quer saber logo do acordo e controlar essa pauta [de
votações], quer saber quem põe em qual lugar para controlar, em CPI ou
relatoria".
Um exemplo. Lula modificou, por decreto,
parte das leis conhecidas como "marco do saneamento", que em resumo
facilitam a privatização desses serviços. Os decretos corrigiam alguns
problemas e, no pacote, facilitavam uma sobrevivência precária do Estado no
setor de água e esgoto.
Lideranças relevantes do Congresso não
gostaram. O "marco" foi objeto de longa discussão parlamentar, ainda
é uma lei fresca e foi um momento importante do acordo liberal de 2016-2022,
além de ter incentivado planos de investimento. Lira disse que não quer
"retrocessos" nesse e em outros marcos liberais do período.
Nesta terça-feira, Lira facilitou a votação
que pode derrubar decretos do governo. O que mais agastou a turma foi o fato de
que o governo "não conversa direito" e "é lerdo para mostrar
decisão, quem manda", diz o deputado. E daí?
É quase maio e ainda não houve votação
relevante. Além da CPI
dos Atos Golpistas, mais três vão entrar em funcionamento: a das Americanas,
a das apostas esportivas e a do MST, que pode chamuscar o governo.
A impressão que fica, em conversa com
conhecedores das manhas parlamentares, é que lideranças do Congresso ainda não
entenderam ou não viram as regras do jogo do governo e não têm acordos claros
(recursos em ministérios, além de acertos sobre comandos de posições no
Congresso).
Os comandantes da Câmara querem votar o
arcabouço fiscal em maio. A ideia, parece, não é promover mudanças grandes. Mas
fez efeito nessa turma o protesto "liberal" contra a falta de um modo
qualquer de obrigar o governo a fazer superávits primários.
Críticas à nova regra fiscal se aprofundam.
Os economistas Marcos Lisboa, Marcos Mendes, Marília Taveira, Cristiano de
Souza e Rogério Nagamine Costanzi publicaram estudo detalhado sobre as perspectivas do plano.
Lisboa e Mendes são críticos duros de governos petistas, decerto. Projeções
sobre PIB, receita, inflação, despesa etc. têm algo de arbitrário e futurista,
ok.
Mas as projeções do estudo são razoáveis e
as contas são fortes. É muito difícil ter superávit com despesas obrigatórias
crescendo (Previdência com reajuste real do salário mínimo, reajuste de
servidores, vinculação de despesa com saúde e educação à receita etc.), o que
de resto provoca um achatamento de outros gastos importantes. A conta não
fecha, mesmo com aumentos históricos de receita. Será preciso desvincular e
limitar o aumento da despesa real.
O Congresso é dado a gastos, claro, e não
vai ouvir Lisboa, Mendes etc. Mas está disposto a endurecer um tico o plano
Lula-Haddad. Dada a presente desarticulação do governo, de resto quase
minoritário na Câmara, pode acontecer.
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