O Estado de S. Paulo
Se a vitória não foi possível com um líder
carismático usando sem cerimônia todo o aparato do Estado, ela se torna mais
difícil caso a direita não encontre o novo modelo
A maioria dos observadores acha que Jair
Bolsonaro ficará inelegível. Ele acha isso também, logo, é o momento de
analisar as consequências de sua saída da cena eleitoral.
Devem ser consequências muito amplas, que
transcendem à própria reorganização da direita e repercutem inclusive nos
adversários.
A primeira hipótese, mais óbvia, é a que
trata da sucessão de Bolsonaro. Qual a linha a ser escolhida? Seria uma
sucessão baseada no sangue com um nome familiar ou tenderá a se fixar em
políticos com experiência administrativa?
A tendência, a julgar por algumas pesquisas
entre os bolsonaristas, é a da escolha de nomes que já passaram pelo crivo das
eleições estaduais e pelas dificuldades de gerir a máquina pública.
A segunda pergunta vai aumentando o nível de complexidade. O bolsonarismo continuará sendo uma força hegemônica na direita ou tende a se integrar num bloco maior?
Com a radicalização dos últimos anos, e
sobretudo com a força das redes sociais, é possível dizer que um fator presente
no processo de redemocratização já não existe mais: o confronto entre PT e PSDB
conduzia os eleitores de direita e uma escolha moderada demais para seu gosto
atual.
A guerra de memes e a ampla luta cultural
nas redes continuarão a impulsionar o confronto com a esquerda. Mas, certamente,
a saída de Bolsonaro implicará mudanças.
No debate político mais clássico, é
possível que seja cobrada uma posição distinta à de Bolsonaro quanto ao papel
do Estado. Existe uma crítica de que, apesar da escolha de Paulo Guedes,
Bolsonaro não se distanciou muito na redução do papel do Estado.
Nesse sentido, sem um líder carismático, é
possível que se exija da alternativa política à direita uma guinada mais
liberal do que a vivida em 2018.
Há outros temas que aparentemente dizem
respeito à personalidade de Bolsonaro. A agressividade é um deles. Ocorre que
tanto Bolsonaro como Donald Trump são, também, frutos de um processo virtual
com certas características: a franqueza é cultuada e a grosseria se tornou
banal.
É muito difícil de comparar as duas
experiências, mas o movimento que se desenvolveu nos Estados Unidos, sobretudo
em reação ao Occupy Wall Street, em 2011, ganhou sua força na internet
precisamente agredindo e humilhando adversários.
As primeiras vítimas foram mulheres,
profissionais que analisavam os games e passaram a ser vistas como inimigas. O
racismo, por sua vez, tornou-se mais áspero durante os oito anos de Barack
Obama. Havia uma agressividade que combinava racismo e antifeminismo e acabou
chegando ao auge quando se lançou Hillary Clinton como candidata. Tudo isso
convergiu para a candidatura de Trump, que, de certa maneira, procurou
encarná-la.
Bolsonaro intuitivamente fez do feminismo
seu grande adversário. Insultou deputadas, atacou jovens repórteres. De certa
maneira, seu instinto o levava a uma defesa do mundo patriarcal que parecia em
perigo. Com isso, arrastava a simpatia de centenas de homens que também se
sentem ameaçados com os novos tempos. Uma realidade bem nítida nos Estados
Unidos, onde existem até hoje coletivos de celibatários involuntários, os
Incels, alinhados com a extrema direita.
Esse modelo político num país onde as
mulheres são maioria deve sofrer uma revisão, ainda que moderada, caso a
direita leve em conta o resultado das eleições.
Outro fator que aproxima a experiência da
extrema direita brasileira da americana é a negação do aquecimento global,
descartando as evidências científicas e atribuindo-o a uma ideologia
globalista.
A grande riqueza brasileira são seus
recursos naturais, sua preservação e sua exploração sustentável são, para
muitos, nossa grande saída estratégica.
Não é um destino da direita a defesa da
destruição do meio ambiente. Na Inglaterra, ela tem uma política ecológica e há
um debate sobre o tema entre intelectuais conservadores.
Neste caso, a alternativa a Bolsonaro tem
uma pequena margem de manobra, pois sua base, sobretudo produtores rurais,
ainda resiste não só à pressão internacional, como às evidências do desastre
climático que pode ameaçar seriamente seu negócio.
De qualquer forma, a ausência de Bolsonaro
empurra a direita para mudanças contraditórias. Se avançar para uma versão mais
moderada, pode se afastar da base que se formou nos confrontos radicais das
redes sociais. Por outro lado, se mantiver a fidelidade a todos os preconceitos
que Bolsonaro expressa abertamente, pode se arriscar a perder espaço.
Um comentário:
Se correr o bicho pega...
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