sexta-feira, 23 de junho de 2023

Vinicius Torres Freire - A fúria do governo com o BC

Folha de S. Paulo

É difícil entender a atitude do governo e até de Haddad com decisões recentes sobre a Selic

Discutir o nível da taxa básica de juros pode ter interesse. Se vai ser meio ponto percentual maior ou menor, no prazo de um trimestre, em uma economia volátil, com grandes variações, como a brasileira, não parece muito relevante nem faz muito sentido. A reação outra vez furibunda do governo contra a decisão do Banco Central é ainda menos compreensível, inclusive agora a de Fernando Haddad.

Imagine-se uma situação em que o BC larga a inflação na casa que vai dos 4,5% aos 5%, que ainda parece ser o caso da variação do IPCA ao final desde 2023. Que a meta de inflação de 2024 ficasse perto disso, em 4%, como gente da política do governo cogitava no início do ano. O que seria da Selic, uma taxa de curtíssimo prazo, e das demais taxas básicas da economia, de prazo mais longo? E da inflação?

Teríamos taxas de juros persistentemente mais altas, ao longo do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva. É uma hipótese, mas baseada também nas taxas que os donos do dinheiro cobravam até março deste ano.

Isto é: Selic apenas um pouco mais baixa e na média do período mais alta; taxas "ao longo da curva" (em prazos mais longos) mais altas; inflação um tanto maior; dólar um tanto mais desvalorizado. Isso quer dizer também salários (em termos reais) mais achatados e crescimento do PIB provavelmente menor.

É possível também imaginar uma situação, adiante, em que o presente arrocho do Banco Central melhore as perspectivas econômicas de Lula 3. Isto é, se o BC não fizer bobagem a partir de agora.

O que isso quer dizer? Uma inflação menor, com uma baixa mais rápida e segura da Selic, pode reduzir os custos da dívida pública. Não só. As taxas de prazo mais longo têm caído, o que influencia o custo do dinheiro para investimento. Podem cair mais. O governo já está pagando menos para financiar seus déficits a prazo mais longo. Sim, com a Selic alta e tanta dívida sendo rolada a essa taxa, a situação é preocupante. Mas, repita-se, com inflação mais baixa, Selic mais baixa ao longo do mandato, é possível que a vida de Lula 3 fique menos difícil.

Sim, menos difícil. Lula herdou uma dívida pública enorme, esqueletos no armário (como os precatórios) e renúncias irresponsáveis de impostos, afora problemas crônicos da economia e do Estado brasileiros. Se não contiver o crescimento da dívida, teremos problemas. Se o "combo" inflação-e-pois-Selic continuar alto, pior ainda para a dívida.

Entende-se assim, ainda menos, a reação de pessoas como Fernando Haddad —que não é como um deputado ligado ao comando do PT, que acaba de pedir a cabeça de Roberto Campos Neto (mesmo que conseguisse, não adiantaria nada, para seus fins).

O ministro da Fazenda disse nesta quinta-feira que o BC está "contratando problema futuro", como "inflação futura ou aumento da carga tributária futura". Haddad parece se basear na ideia de que o BC e sua Selic vão quebrar o governo por excesso de remédio. Por que não pensa na hipótese contrária? De inflação e juros mais altos ao longo de três anos, caso o BC tivesse "largado a mão"?

No entanto, gente do governo de que faz parte fala em "sabotagem" do BC e coisas assim. É possível dizer coisas duras a respeito de Bancos Centrais. "Sabotagem" é apenas ignorância. Fora a hipótese da tolice ignara e de manias de conspiração, é difícil de entender essa atitude, mesmo politicamente.

Sim, o BC ainda está sub judice. Depende do que vai fazer, em especial a partir de setembro. Até lá, não haverá mudança relevante alguma, com Selic estável ou caindo a esmola de 0,25 ponto ou 0,5 ponto percentual. Aprovar enfim o dito "arcabouço fiscal", cobrar mais impostos para conseguir um déficit limitado a 0,5% do PIB, aprovar uma reforma tributária boa, isso fará diferença.

 

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