Folha de S. Paulo
O Banco Central, com seus juros aloprados,
tornou-se a única e última esperança da direita
Ninguém sabota mais a autonomia do Banco Central do
que os atuais membros do Comitê de Política
Monetária. Dava-se como certa a manutenção
da Selic em 13,75% —afinal, a forma de ser do autonomismo compreende,
como é mesmo?, não contrariar expectativas— , mas até os fundamentalistas da
seita dos Devotos dos Santos do BC do Todos os Tempos esperavam que os profetas
fossem acenar com a possibilidade de uma queda em agosto. Que nada! Nem
indício. Mesmo gente que se obriga a frequentar o culto dizia na intimidade que
os juros poderiam cair já. Como sabem os leitores, penso que isso deveria ter
ocorrido faz tempo.
"Você é ignorante em economia; não sabe nada!" Hummm... E quem se propõe a me ensinar? Na hipótese de não saber, uma coisa ao menos é certa: não erro como sabujo de especialistas na própria teologia. Convenham, todas as antevisões dos expertos (sempre com "x") e fanáticos estavam erradas. E um erro não passa a ser um acerto porque eivado por jargões, vocabulário específico e certezas inabaláveis. Com frequência, não é a falta de convicção que produz desastres, mas o excesso —na hipótese de que haja algo além de interesse argentário.
Ainda bem que essa gente não luta uma
guerra, não constrói prédios, não abre abdomens, não faz a papa do bebê nem se
ocupa de logística. Imaginem os descalabros. Os valentes profetizaram sobre
inflação, crescimento, câmbio, déficit, dívida e o que mais vocês quiserem.
Erraram tudo. Flagrados, mandam os números às favas se estes contradizem suas
adivinhações. Mas cuidado ao questionar suas predições! Você pode ser acusado
de herege ou apóstata. Há nesses ambientes um verdadeiro clima de terror
religioso. Citar a Standard
& Poor’s, que viu o que nativos não viram, pode render o Tribunal do
Santo Ofício do Monetarismo Gagá.
A reação de Lula foi
suave. Descesse o porrete, os juros
futuros de 300 anos poderiam subir 0,1%, e é certo que seria acusado
de responsável pela, como é mesmo, deterioração das expectativas do fim do
mundo. Afinal, convém não contrariar uma outra doxa de certos círculos: tudo o
que acontece de ruim na economia brasileira é culpa do petista e "dessa
gente", e o bem, se algum há, se deve a fatores externos. Até a tese de
que ele tem "sorte" andou sendo ressuscitada. Creio que é chegada a
hora de o mandatário dividir essa carga com Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo
Pacheco (PSD-MG),
respectivos presidentes da Câmara e
do Senado —
a Casa à qual a dita autoridade monetária deve um tantinho de satisfação.
Adicionalmente, é preciso um esforço para
fazer chegar aos gentios o impacto
em 12 meses de cada ponto percentual da taxa: R$ 38 bilhões. Se tudo
andasse desarranjado, seria um custo a se pagar pelo desgoverno. Se, no
entanto, os fundamentos — sem exceção — justificam a queda e se esta não vem,
com acenos de que não virá em horizonte plausível, então é preciso dialogar com
quem paga a conta. Ademais, pergunte-se: o empresariado assistirá, em silêncio
obsequioso, ao despropósito de juros reais beirando os 9%? E pobre daquele que
ousar falar em mudança do sistema de metas de inflação, colocando o país em
linha, por exemplo, com as 10 maiores economias do mundo! Nessa área, os bravos
são mais nativistas do que John Dutton no governo de Montana — refiro-me ao
seriado "Yellowstone".
Sempre acho interessantes os momentos em
que os hierarcas levam as seitas que comandam ao colapso teológico, exigindo
dos crentes um exercício adicional de devoção. Os do banco-centralismo já
entregaram tudo à causa. Só falta a honra. Darão mais um passo ou escolherão
"detox" e "rehab"? Acho que já sei...
PS: Cristiano
Zanin se saiu muito bem. Os 58
votos indicam que parte considerável veio de parlamentares que estão
em legendas de oposição. Há inequívoco mérito do sabatinado, mas parece
evidente que o governo começa a se acertar no Congresso.
Convenham: quem não tem nem liderança nem eixo, e as indagações o revelaram,
são os oposicionistas. Havendo os sensatos, inclusive no PL, só uma torcida
faz sentido: pela inelegibilidade de Bolsonaro,
aquele que havia encontrado grafeno nos testículos e ovários de vacinados e
depois recuou. O BC é, no momento, a única e última esperança da direita.
Um comentário:
Adoooro!
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