Valor Econômico
Prova de fogo para novo ministro do Supremo
foi ter sido indicado
Sabatinas de indicados para o Supremo
Tribunal Federal, nas últimas décadas, têm sido termômetro de fraqueza do
presidente da República, mas não de força.
A aprovação já está dada. De forma tácita,
os senadores parecem partir da premissa de que as indicações feitas pelo
Planalto precisam ser chanceladas, em respeito à harmonia entre os Poderes.
Pelo mesmo motivo é normal que o futuro integrante da Suprema Corte diga que o
Judiciário deve praticar a autocontenção, que cabe ao Legislativo a tarefa de
legislar e por aí vai. Há um componente de jogo jogado neste ritual. O anormal
é haver dificuldade.
Há pouco mais de 20 anos, em maio de 2003, a CCJ do Senado sabatinou dois candidatos ao Supremo no mesmo dia. Cezar Peluso foi aprovado de manhã e Carlos Ayres Britto de tarde. Na semana seguinte seria a vez de Joaquim Barbosa. Os três tinham sido indicados por Luiz Inácio Lula da Silva poucos dias antes, em um recorde ainda não batido em tempos de democracia, o que não significou que o petista não tenha enfrentado turbulências no Senado em seu primeiro mandato. Em 2004, por exemplo, teve que enfrentar na Casa a CPI dos Bingos, na esteira de um escândalo que derrubou José Dirceu da coordenação política de seu governo.
A sabatina e aprovação pelo plenário de
Cristiano Zanin nessa quarta-feira está no ponto neutro: aconteceu exatamente
dentro do intervalo de tempo que costuma ocorrer. O placar final, de 58 a 18,
não traduz a realidade da base governista na Casa.
Pontos fora da curva foram os governos
Dilma e Bolsonaro. Sobretudo no caso da ex-presidente petista. Foram as únicas
ocasiões nas três últimas décadas em que o exercício da prerrogativa
presidencial de indicar titulares para o Supremo esteve em xeque.
A sabatina do indicado Teori Zavascki, em
2012, teve que ser dividida em duas sessões, de tão longa que foi. O professor
do Insper Diego Werneck Arguelles, estudioso do tema, relembra que o problema
naquela ocasião foi o contexto. O Supremo estava no meio do julgamento da Ação
Penal 470, a do mensalão, que comprometia o coração do petismo. E o indicado
por Dilma iria participar do processo, iniciado em agosto daquele ano e
plenamente concluído no começo de 2014.
A oposição cobrou de forma dura qual seria
a posição de Teori sobre o caso. Werneck relembra que não se tratava de uma
resistência específica contra o jurista gaúcho, mas da ofensiva que mudava o
tom da oposição em relação aos governos petistas. Se não fizeram uma aposta
pelo impeachment quando estourou o caso do mensalão, entre 2005 e 2006, seis
anos depois todas as oportunidades de tentar emparedar o governo eram
aproveitadas.
A sabatina e a aprovação de Edson Fachin,
em 2015, deu-se uma semana depois da promulgação da PEC da Bengala, que passou
a aposentadoria compulsória dos magistrados de 70 para 75 anos, tirando de
Dilma o direito de indicar os substitutos dos então ministros Celso de Melo e
Marco Aurélio Mello. Essas vagas seriam no futuro preenchidas por Bolsonaro.
Foi um momento emblemático da debilidade de Dilma no Congresso, que adicionou
um ingrediente de extrema tensão na sabatina de Fachin.
No caso de Bolsonaro, a sabatina de André
Mendonça em 2021 demorou quase cinco meses, entre a indicação em 12 de julho e
a aprovação final em 1º de dezembro. Mendonça teve que enfrentar resistências
em diversas camadas, do fato de ser “terrivelmente evangélico” à sua polêmica
conduta como ministro da Justiça. A procrastinação do exame de seu nome, obra
do presidente da CCJ, senador Davi Alcolumbre, denotou também a falta de
empenho de Bolsonaro em trabalhar pela aprovação de seu indicado.
No caso de Zanin, aponta Werneck, a
oposição desviou o foco. Usou a ocasião para bater no Supremo, em especial no
presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre Moraes. A motivação
explícita foi o julgamento no TSE, iniciado nessa quinta-feira, que deve deixar
Bolsonaro inelegível.
Nem mesmo a presença do senador Sergio Moro
(União Brasil-PR) e provocações feitas pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL)
transformaram a sabatina em um ajuste de contas da classe política contra a
Operação Lava-Jato, como poderia ter sido o caso. O julgamento de Bolsonaro esfriou
a sabatina. Retirou o clima político que poderia marcá-la.
A verdadeira resistência a Zanin não se deu
no Senado. Deu-se antes, no jogo de pressões entre os aliados de Lula para
tentar barrar a indicação. No meio jurídico, trabalhou-se para emplacar algum
integrante do grupo “Prerrogativas”, ou um nome ligado ao ministro que abriu a
vaga, Ricardo Lewandowski. Também houve articulação para que o presidente
buscasse uma jurista negra, de forma a aumentar a representatividade no
Supremo.
A origem desta resistência remonta há
alguns anos. Houve questionamento sobre a estratégia jurídica que Zanin
desenvolveu na defesa de Lula, ao fim exitosa. Essa era uma causa muito
disputada entre os advogados ligados ao presidente. Na classe política outros
possíveis candidatos eram mais articulados, como o presidente do TCU, Bruno
Dantas, ou o próprio presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Mas Zanin tinha um
único apoio, aquele que basta.
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