O Estado de S. Paulo
Quanto mais cedo o Brasil compreender a grandeza do seu potencial e a gravidade da crise, mais perto estaremos de ter alguma coisa que possa chamar de futuro
Acabo de chegar do Vale do Jequitinhonha,
onde fiz dois programas de TV. Além de contar a história em imagens, fiz
algumas anotações que me parecem úteis. A primeira delas é constatar que a
emergência climática planetária chegou a uma região específica do Brasil,
trazendo muitas mudanças. De outras maneiras, isso pode acontecer em muitos
lugares, daí a importância de chamar a atenção, de novo, para o dado essencial
do momento: a emergência climática está empurrando os países ocidentais e
também a China e o Japão a buscarem uma economia de baixo carbono.
Uma das formas de reduzir as emissões, a mais rápida e visível, é substituir os carros movidos a gasolina por carros elétricos. Aí entra a importância do Médio Jequitinhonha, onde há muitas jazidas de lítio.
Empresas de vários países chegaram ao Vale,
comprando terras, fazendo pesquisas, produzindo e exportando lítio, como já é o
caso de um grupo liderado por uma jovem carioca, Ana Cabral, que tem passagem
vitoriosa pelo mercado financeiro de Nova York: contra todos os preconceitos,
ela conseguiu montar a empresa, explorar o lítio sem barragens de resíduo (a
China compra até os resíduos) e, hoje, o que era praticamente uma startup vale
US$ 4 bilhões.
Todas essas histórias e também a da
produção cultural do Vale conto no meu trabalho televisivo.
O que quero destacar, aqui, são algumas
lições que aprendi sobre como reagir quando o novo mundo aparece de repente,
com suas urgências e também com sua eficácia.
Uma das preocupações principais é
ambiental. De um lado, as próprias empresas se preocupam com isso, investindo
pesadamente na redução do impacto. Mas o fato de produzirem para um mercado
internacional em busca da economia verde as torna vulneráveis também, caso não
sejam ambientalmente exemplares. Essa variável aumenta o poder dos movimentos
locais.
Outra dificuldade é a presença de
forasteiros e, consequentemente, o aumento de preços dos serviços consumidos
também pelos nativos. Não há muitas saídas para isso, exceto a formação de mão
de obra na própria localidade. Nesse sentido, o Médio Jequitinhonha está bem
servido, pois tem um Instituto Federal na cidade de Araçuaí com um moderno
laboratório de mineração. Isso não basta, é preciso investimento em cursos, mas
já é um bom começo.
Um terceiro fator que deveria mobilizar a
população são os impostos recolhidos nessas novas atividades. Para onde vão?
Estão sendo usados adequadamente? Qual o nível de transparência?
Não tenho nenhuma intenção de fazer prevalecer
uma pauta. Trata-se de algo subjetivo, bastante diverso numa sociedade tão
complexa como a nossa. No entanto, acho que este movimento da economia mundial
e suas repercussões no Brasil não deveriam ser esquecidos. Por trás dele está o
aquecimento global.
Mesmo alguns fenômenos, como o El Niño, que
causou tanta devastação no Sul, deveriam ser objeto de uma atenção especial. O
El Niño ganha seu apogeu em dezembro e, certamente, terá um grande impacto,
provocando chuvas no Sul e seca no Norte e Nordeste.
Em 1997, o Senado se interessou pelo tema e
produziu um bom documento, analisando o El Niño e sugerindo medidas permanentes
e emergenciais. Seria preciso voltar ao assunto. O trabalho foi muito bom, mas
as consequências, limitadas. Em 1997, o aquecimento global ainda não era vivido
com a intensidade dramática de hoje, quando sabemos que a temperatura média no
planeta subiu 1,5 grau e, infelizmente, continuará subindo.
O senador Esperidião Amin, que propôs o
trabalho de 1997, certamente tentará de novo interessar o Congresso para que se
alinhem ao menos os projetos destinados a fortalecer a defesa civil e à
mobilização da sociedade, fatores essenciais na emergência.
Mesmo sem discutir agendas subjetivamente
formuladas, tenho a impressão de que o Brasil ainda não está muito atento para
a realidade, seja a do aquecimento global, seja a da transição para a economia
verde.
O discurso presidencial ao menos mudou.
Lula pensa de forma oposta a Bolsonaro e também de forma distinta daquela que
pensava nos mandatos anteriores.
O Congresso, no entanto, ainda parece
sonolento diante do mundo em transformação. A própria mídia não conseguiu ainda
ultrapassar como poderia o marco da polarização política que fascina as redes
sociais. Terremoto no Marrocos, milhares de mortos nas tempestades da Líbia,
alguns desses eventos extremos estão ligados ao clima.
O livro elementar de jornalismo de Fraser
Bond dizia: qualquer problema em nossa rua é mais notícia do que um terremoto
na China. Eram tempos em que o mundo não parecia tão interdependente. Aliás,
continua não parecendo para figuras como Trump e Bolsonaro, com sua temática
estreitamente nacionalista. Mas hoje o mundo é um só, nosso destino é
interligado e a emergência climática diz respeito à sobrevivência de toda a
humanidade.
Não adianta forçar a barra, mas, quanto mais cedo o Brasil virar a chave, quanto mais cedo compreender a grandeza do seu potencial e a gravidade da crise, mais perto estaremos de ter alguma coisa que possa chamar de futuro.
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