sexta-feira, 15 de setembro de 2023

O que a mídia pensa: editoriais /opiniões

STF tem chance de rever decisão sobre Odebrecht

O Globo

Descoberta de pedido de cooperação à Suíça desperta dúvida sobre argumentos usados por Toffoli

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem diante de si a oportunidade de rever a decisão monocrática do ministro Dias Toffoli que anulou o acordo de leniência firmado pela Odebrecht com o Ministério Público na Operação Lava-Jato. Isso porque foi desmentido um dos principais argumentos usados por Toffoli para tomar a decisão — a alegada inexistência de um pedido oficial de cooperação jurídica das autoridades do Brasil às da Suíça, país de onde veio a maior parte das provas usadas contra a Odebrecht.

Depois de negar ter encontrado qualquer pedido, o Ministério da Justiça enviou nesta semana ao Supremo um ofício afirmando ter localizado a solicitação feita pelos procuradores. No ofício, o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do ministério afirma ter encontrado a demanda feita pelo Ministério Público em junho de 2016, seis meses antes do acordo de leniência, fechado em dezembro daquele ano.

A própria Odebrecht aceitou entregar, como parte do acordo, toda a contabilidade das propinas pagas a autoridades e políticos no mundo todo, mantidas por seu Departamento de Operações Estruturadas nos sistemas digitais identificados como MyWebDay e Drousys. Visto que a entrega foi voluntária, como consta dos termos do acordo, os procuradores não precisaram esperar a chegada das senhas de acesso da Suíça para analisar as provas (elas chegariam só em outubro de 2017).

É estranho que hoje a defesa da Odebrecht — e dos réus vinculados à empresa — afirme que os procuradores deveriam ter esperado a chegada das senhas para firmar o acordo de leniência, pois a mesma defesa aceitou entregá-las na ocasião. Os advogados alegam que na época houve coerção, justificativa endossada por Toffoli em sua decisão com termos duros como “tortura” ou “pau de arara”.

Em que pesem as hipérboles e a ênfase do ministro em seu despacho, a descoberta do pedido de cooperação às autoridades suíças é suficiente para despertar dúvidas sobre a decisão. Sem dispor da informação correta, Toffoli pode muito bem ter sido induzido a erro. Afinal, trata-se de acordo que resultou na admissão de crimes, ressarcimento de R$ 3,8 bilhões pela Odebrecht e de R$ 3,1 bilhões pela Braskem (controlada pela Odebrecht). Boa parte do dinheiro foi devolvido nos Estados Unidos e na própria Suíça, com o aval das respectivas autoridades. Odebrecht e Braskem ainda pagaram multas bilionárias pelos acordos fechados nos dois países.

Por tudo isso, cabe aos ministros do Supremo analisar com serenidade o recurso da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) contra a decisão de Toffolli. Dadas as nuances e a complexidade do caso, é fundamental que novos olhares se debrucem sobre todos os argumentos, de modo a chegar a uma conclusão ponderada, que não ponha em risco todas as provas entregues pela Odebrecht. Não apenas porque elas representam a verdade sobre fatos criminosos, mas também porque sua descoberta representou um dos maiores avanços do Brasil no combate à corrupção.

A análise do recurso poderá ser feita pela Segunda Turma, encarregada dos processos da Lava-Jato, ou pelo próprio plenário. Quanto mais ministros do STF puderem se pronunciar a respeito do assunto, mais segurança o Brasil terá de que a decisão tomada será justa e correta.

P.S.: A Odebrecht enviou a seguinte manifestação ao GLOBO: "A Odebrecht esclarece que nunca participou ou se manifestou nessa ação ou em outra recentemente relacionada. E também não fez qualquer comentário pela imprensa sobre a decisão divulgada na semana passada".

Julgamento do Google é caso antitruste mais importante desde Microsoft

O Globo

Relevância política das gigantes digitais alimenta movimento para que sejam disciplinadas

Desde que o governo dos Estados Unidos fez acordo com a Microsoft, o país não assiste a um caso antitruste tão importante quanto o movido pelo Departamento de Justiça e por 38 estados contra a Alphabet, empresa dona do Google, sistema de busca mais usado na internet. A acusação ao Google é semelhante à feita contra a Microsoft em 1998: abusar de seu monopólio no mercado de buscas com práticas anticompetitivas — para manter intactos seu domínio e as receitas publicitárias dele decorrentes.

Entre as práticas elencadas pela acusação estão o pagamento de US$ 10 bilhões ao ano para que Apple e outros fabricantes de celular mantenham o Google como buscador padrão em seus equipamentos. Outro exemplo citado foi a intervenção da Alphabet para barrar a startup Branch Metrics, associação da coreana Samsung com a americana AT&T para desenvolver um sistema de pesquisa em aplicativos (o Google alterou acordos com as empresas para impedir o projeto). A Apple está envolvida noutro caso. Em 2002, ela adotou o Google como buscador padrão em seu navegador e, três anos depois, começou a dividir as receitas publicitárias das buscas. Quando, em 2007, tentou oferecer ao usuário outra opção para buscas (o Yahoo!), o Google vetou. Se o projeto fosse adiante, deixaria de dividir receitas com a Apple.

É indiscutível que, com 90% das buscas, o Google domina o mercado. Em publicidade, o buscador faturou US$ 83 bilhões no primeiro semestre, quase todo o lucro da Alphabet. Mas tamanho lá não é crime. Pela lei americana, demonstrar abuso de monopólio exige provar que o consumidor tenha sido prejudicado. Não é simples. Como o serviço de busca é gratuito, as autoridades terão de se esforçar para mostrar que os acordos comerciais citados na acusação levam a perdas. O Google alega prestar um serviço melhor com suas alianças e diz que paga às empresas de celular como uma fábrica de cereal paga a supermercados por exposição nas prateleiras. Alegação questionável.

Juristas defendem que os tribunais americanos privilegiem não apenas o impacto dos monopólios para o consumidor, mas também para a competição e a inovação. A ideia é evitar que concorrentes inovadores sejam sufocados. Com base nesse argumento, cortes europeias condenaram a Alphabet em três processos, a multas de € 8 bilhões.

Parece ser consenso que o monopólio do Google nas buscas inibiu a concorrência, mas não impediu o surgimento de competidores que o ameaçam. Basta lembrar a OpenAI, empresa de inteligência artificial criadora do ChatGPT, comprada pela Microsoft para aperfeiçoar seu buscador. O Google ainda corre para alcançá-la.

A Justiça americana prepara mais dois casos contra a Alphabet, voltados para monopólio em publicidade digital. Há outro caso contra a Meta (dona de Facebook, Instagram e WhatsApp), e estão em curso investigações sobre a Amazon. A relevância política adquirida pelas gigantes digitais tem alimentado um movimento crescente para discipliná-las. Ele é meritório, mas também enfrentará grande resistência.

Falta mais vigor nas ações contra aquecimento global

Valor Econômico

O compromisso de reflorestamento de áreas degradadas (12 milhões de hectares) mal progrediu e precisa sair do papel, assim como a criação de um íntegro e abrangente mercado de créditos de carbono

Não há motivos para otimismo após a publicação do Global Stocktake, o inventário mais atualizado do estágio de avanço do aquecimento do planeta, apresentado aos países do G20 em Nova Déli. O relatório corrobora outras pesquisas de várias fontes com o mesmo resultado sombrio: a meta de restringir o aquecimento global a 1,5 grau a partir da média da temperatura pré-industrial não será alcançada com o esforço atual. Sem medidas adicionais mais drásticas, os termômetros indicarão mais 1,7 C a 2,1 C, caso sejam cumpridas as medidas nacionalmente determinadas de redução das emissões revisadas na COP27, realizada no Egito. Isso significa que os eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes, ganharão intensidade e abrangência, ampliando seus custos em vida e recursos.

Para ter alguma chance de reduzir a níveis aceitáveis a temperatura global, as emissões de carbono e outros gases nocivos à atmosfera teriam de cair 43% até 2030 e 60% até 2035. Não é o que acontece. As emissões seguem crescendo, e a queima de combustíveis fósseis não deu ainda sinais de arrefecimento. Uma projeção do Fundo Monetário Internacional estimou que os subsídios a esses combustíveis chega a US$ 7 trilhões, com pelo menos US$ 1,4 trilhão de subsídios diretos (preços). Os números são superlativos. Os investimentos que poderiam, em primeiro lugar, mitigar os efeitos do aquecimento e, depois, reduzir a ocorrência de eventos extremos são enormes, mas proporcionalmente pequenos em relação ao tamanho da ameaça à sobrevivência humana. O relatório Stern, de 2006, apontava que para conseguir reverter o aquecimento, investimentos ao redor de 1% do PIB por ano, ou US$ 1 trilhão, seriam suficientes. Como o próprio relatório antecipou há 16 anos, essa quantia seria factível de ser investida e irrisória diante dos prejuízos da inação. Os balanços das seguradoras mostram que a conta de Stern estava correta.

Levantamento da Swiss Re obtido pelo Valor (12 de setembro) relata o acirramento, ao longo do tempo, das intempéries climáticas e dos danos causados. Não por acaso, os cinco períodos mais severos ocorreram entre 2020 e 2022, com estragos estimados em US$ 238,3 bilhões no período. E apenas três furacões em 2017 causaram perdas de mais US$ 250 bilhões. O mais grave, porém, é que há uma mudança de padrão nos eventos climáticos - são mais disseminados, com perdas crescentes, porém menos concentradas.

Extremos de temperatura, que no Brasil produziram catástrofes no Rio Grande do Sul, com ciclones extratropicais antes raramente presentes na região, e temporais devastadores no litoral paulista, vão se reproduzir em miniaturas diárias em todos os continentes. Estudo publicado na revista Sciences Advances, feito pela Universidade de Oxford, indica que eles terão dias de “calor letal”, temperatura de 35 graus por mais de 6 horas a fio, pondo em risco a sobrevivência humana. No Brasil, estão sob risco desse calor “incompensável” a Amazônia e a região do Pantanal-Chaco (O Globo, 8 de setembro). Se o aquecimento ultrapassar 2 C, a fatia das estações meteorológicas mundiais afetadas por temperaturas aniquiladoras subirá de 17% para 36%.

Apesar do aumento, e não diminuição, nas emissões, há avanços relativos. A Agência Internacional de Energia divulgou prévias de suas projeções anuais que preveem que o pico do consumo de combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão) ocorrerá antes de 2030. Isso significa que a demanda, apesar de oscilações eventuais que podem ser causadas por problemas geopolíticos e ou outros choques de oferta, deverá cair sistematicamente a partir daí. A consultoria Oxford Economics avalia que esse pico deve ocorrer já em 2027.

Os motivos são auspiciosos: produção e vendas de carros elétricos acima das expectativas, no caso da mobilidade urbana, e do grande avanço da disponibilidade de energias alternativas, no caso da substituição de fontes de eletricidade. A fuga ao consumo de gás na Europa, diante da ameaça de uso político da energia pela Rússia, após a invasão da Ucrânia, acelerou o processo. Mudanças estruturais do consumo chinês, que se desloca para serviços, têm grande parcela de influência no resultado. Segundo a AIE, os carros elétricos somaram 14% das vendas mundiais em 2022, com 10 milhões de unidades, que aumentarão para 14 milhões este ano. Pela projeção, o total desses veículos em circulação economizará 5 milhões de barris de petróleo por dia, cerca de 5% do atual consumo mundial. Ainda assim, o consumo de petróleo bateu recorde. Os progressos observados, nota a AIE, são insuficientes para conter o aumento de temperatura na fronteira do 1,5 C. No caso brasileiro, é preciso pôr fim ao acelerado desmatamento da Amazônia e do Cerrado, providência a caminho após a política antiambiental de Jair Bolsonaro. O compromisso de reflorestamento de áreas degradadas (12 milhões de hectares) mal progrediu (Valor ontem) e precisa sair do papel, assim como a criação de um íntegro e abrangente mercado de créditos de carbono.

Lula estável

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra aprovação razoável, mas eleitor dá sinais de que espera mais

A avaliação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) praticamente não se alterou desde o início de seu terceiro mandato. O governo é tido como ótimo ou bom por 38% dos entrevistados pelo Datafolha, ante os 37% em junho e 38% em março. É ruim ou péssimo para 31%, pouco acima dos 27% de junho.

A estabilidade parece compreensível. Não houve alterações relevantes na vida do país, na política, na economia ou em outras áreas que pudessem modificar de forma sensível a opinião pública. Pode-se dizer, na verdade, que a mudança maior foi certa estabilização do clima político e, para o bem ou para o mal, das condições de vida.

Deixou o poder um grupo dado à estridência e a atos tresloucados, quando não golpistas. A polarização persiste na sociedade, o que ajuda a explicar a reprovação de Lula, mas o bolsonarismo se retraiu com o ocaso de seu líder.

Não houve desaceleração aguda da atividade econômica e aumento do desemprego, como se temia no início do ano, ainda que o cenário esteja longe de entusiasmar.

De mais significativo na pesquisa, caiu de 50%, em março, para 43% agora a parcela dos brasileiros aptos a votar que espera um governo Lula ótimo ou bom.

O mercado de trabalho se mantém entre estabilidade e melhora modesta. A inflação dos alimentos teve desaceleração forte. Benefícios sociais tiveram aumento importante já sob Jair Bolsonaro (PL).

O líder petista terminou seu segundo mandato, em 2010, com aprovação de 77%, e a diferença em relação a sua popularidade atual pode parecer chocante. Mas talvez não seja preciso lembrar que, naquele ano, o país vivia seu melhor momento de crescimento da renda em três décadas.

Não havia, ademais, a divisão política extremada destes tempos. Conforme o Datafolha, têm avaliação favorável da gestão de Lula 72% de seus eleitores. Já entre os que declaram ter votado em Bolsonaro no ano passado, ínfimos 6% dão boa nota à administração.

De todo modo, cumpre recordar que, no início de seu primeiro governo, em 2003, Lula colhia uma aprovação modesta, em torno de 43% —com queda para 39% no ano seguinte. Seu prestígio começou a decolar apenas em 2006.

Diga-se em favor do petista que os números, embora não grandiosos, são melhores que os de Bolsonaro após nove meses de sua posse. Nesse período, o antecessor marcava 29% de ótimo e bom.

Dadas a ainda difícil situação socioeconômica, as profundas divisões políticas e a duração ainda exígua do governo, o resultado da pesquisa pode ser considerado satisfatório para Lula. O cidadão, entretanto, dá indícios de que espera mais de seu terceiro mandato.

Transporte às urnas

Folha de S. Paulo

Passe livre é defensável, mas demanda debate maior; voto deveria ser facultativo

Na enxurrada de novas regras eleitorais aprovadas às pressas pela Câmara dos Deputados em benefício dos partidos, uma rara proposta de interesse genuíno da sociedade é a imposição de transporte coletivo gratuito nos dias de votação. Ainda assim, o tema não mereceu debate à altura de sua relevância.

Segundo o texto proposto de última hora, "os entes federados, direta ou indiretamente, por suas concessionárias ou permissionárias, devem ofertar gratuitamente o serviço público de transporte coletivo de passageiros". Sabe-se lá como a norma será seguida e custeada em todos os rincões do país, mas essa não é a única questão.

Um dos argumentos principais em favor do passe livre é que, sendo o voto obrigatório no país, cabe ao Estado garantir que todos os cidadãos, em particular os mais pobres, possam cumprir esse dever.

A tese faz sentido, mas envolve as consequências de uma distorção. Como esta Folha advoga há anos, o voto deveria ser facultativo, como na esmagadora maioria das democracias —vale dizer, deveria ser um direito a ser exercido conforme a escolha de cada eleitor.

A discussão é tabu no mundo político brasileiro, possivelmente devido ao receio de que o fim da obrigatoriedade resulte em queda do comparecimento de eleitores e, assim, questionamento à legitimidade dos eleitos. Tais preocupações já parecem superadas pelos fatos.

A abstenção tem subido no país desde a redemocratização, num sinal de que os cidadãos vão percebendo que, na prática, o voto não é tão obrigatório assim —as sanções para os que não vão às urnas em geral são ínfimas, e os transtornos para as justificativas diminuíram com a informatização. Nada disso torna menos legítimos os eleitos.

Estudo publicado neste ano pelo Ipea, instituto de pesquisa vinculado à União, concluiu que o passe livre adotado em 379 municípios (respondendo por quase 50% do eleitorado) no segundo turno de 2022 não teve impacto relevante no comparecimento, embora tenha contribuído para a mobilidade urbana naquela data.

Dito de outra maneira, o benefício foi aproveitado basicamente pelos que já pretendiam votar.

Tudo considerado, o transporte gratuito ainda pode ser defensável como meio de facilitar o voto dos mais pobres. Trata-se, porém, de mais uma política pública proposta sem a necessária avaliação de custos, benefícios, meios de execução e alternativas.

Avança a sem-vergonhice

O Estado de S. Paulo

Ao aprovar a tal ‘minirreforma’ eleitoral, Câmara revela que não liga para o interesse público quando o que está em jogo são a manutenção de poder e o acesso a gordas fatias do Orçamento

A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira passada o texto-base do Projeto de Lei (PL) 4438/23, parte de um conjunto de medidas legislativas que, sorrateiramente, tem sido chamado de “minirreforma” eleitoral. Que o leitor não se engane: nada há de “mini” nessa reforma. Trata-se de alterações significativas no Código Eleitoral, na Lei das Eleições e na Lei dos Partidos Políticos para beneficiar, única e exclusivamente, os atuais detentores de mandato eletivo e os partidos políticos.

O PL 4438/23, de autoria da deputada Danielle Cunha (União-RJ), é uma licença para que os partidos disponham de recursos públicos praticamente sem controle, pois enfraquece sobremaneira os mecanismos que obrigam as legendas a dar a devida destinação ao dinheiro dos Fundos Partidário e Eleitoral. Não bastasse isso, o projeto ainda dificulta o aumento da participação de segmentos sub-representados da sociedade, como mulheres e negros, na vida política e eleitoral do País. Em suma, um rematado retrocesso.

Como o carnaval, a Lavagem do Bonfim e as Festas Juninas, é tradição no País que projetos dessa natureza apareçam no radar dos parlamentares em anos pré-eleitorais. Algumas dessas mudanças na legislação eleitoral vieram para melhorar o sistema político, como são os casos do fim das coligações partidárias para eleições proporcionais e o estabelecimento de uma cláusula de desempenho, conhecida como “cláusula de barreira”, para acesso aos fundos públicos. Outras vieram para piorá-lo. Raríssimas, porém, foram tão aviltantes ao interesse público como o projeto ora aprovado pela Câmara.

Caso o Senado chancele a sem-vergonhice e o PL 4438/23 seja sancionado pelo presidente Lula da Silva até o dia 6 de outubro – como espera o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), interessado que as mudanças estejam em vigor nas eleições de 2024 –, estará instalado no País um verdadeiro vale-tudo eleitoral. É disso que se trata. Se a vida dos parlamentares e dos dirigentes partidários já era extremamente confortável no Brasil, haja vista que, mesmo sendo organizações privadas, os partidos são mimados com dinheiro farto e fácil dos contribuintes, com a tal “minirreforma” eleitoral os mandatários serão praticamente inimputáveis no que concerne à malversação de recursos dos fundos públicos, desrespeito às cotas de candidaturas de mulheres e negros e falhas na prestação de contas à Justiça Eleitoral, entre outros desvios.

O placar de votação (367 votos favoráveis e 86 contrários), além da aliança entre as principais legendas do governo (PT) e da oposição (PL) – só o Novo, o Podemos e o PSOL votaram contra a dita “minirreforma” –, não deixa dúvida de que, quando se trata da proteção de seus interesses classistas, parlamentares que não raro podem chegar às vias de fato nos embates na Câmara são capazes de deixar os escrúpulos de lado, dar as mãos e caminhar juntos na desfaçatez.

O relator do projeto, Rubens Pereira Júnior (PT-MA), jura de pés juntos que a aprovação do PL 4438/23 é “indispensável” para simplificar o processo de prestação de contas dos partidos à Justiça Eleitoral. Por tornar “mais simples”, entenda-se enfraquecer os principais instrumentos à disposição do Judiciário para fiscalizar a utilização dos recursos públicos que alimentam os bilionários fundos que irrigam as contas das legendas e que nem sequer deveriam existir. Entre as medidas aprovadas está, por exemplo, a autorização para doações por meio de Pix sem a obrigatoriedade de usar o CPF como chave, uma avenida para a lavagem de dinheiro. Outro absurdo é a possibilidade de subcontratação de fornecedores sem a necessidade de os partidos informarem à Justiça quem, de fato, recebeu o dinheiro, o que torna a compra de votos muito mais difícil de ser detectada.

Ao aprovar esse rol de anomalias – e outras estão a caminho, inclusive a chamada PEC da Anistia –, a Câmara revela que a ampla maioria dos deputados não dá a mínima para o interesse público quando o que está em jogo é a manutenção de poder e o acesso a gordas fatias do Orçamento.

O abraço dos párias

O Estado de S. Paulo

O apelo de Putin ao lunático Kim mostra que suas cartas estão acabando, mas pressagia riscos para a Ucrânia, para as democracias, a estabilidade na Ásia e para a segurança global

Depois da primeira invasão da Ucrânia, em 2014, a Rússia foi expulsa do G-8. Após a segunda invasão, Vladimir Putin faltou às duas cúpulas do G-20 e foi “desconvidado” da última cúpula do Brics pela África do Sul, que se veria obrigada a cumprir uma ordem de prisão expedida pelo Tribunal Penal Internacional. Com efeito, sua única visita internacional (sem contar os antigos satélites soviéticos que hoje integram o Tratado de Tasquente, a Otan russa) foi ao Irã. Agora, Putin estendeu o tapete vermelho para Kim Jong-un, o neto do tirano fantoche imposto por Stalin à Coreia do Norte, o Estado mais fechado e totalitário do mundo – uma versão em miniatura, mas com esteroides, do que a Rússia está se transformando sob Putin.

O conclave na base espacial de Vostochny foi celebrado com pompa e circunstância pelas mídias dos dois regimes, e Kim prometeu “apoio pleno e incondicional” à Rússia em sua “luta sagrada contra o Ocidente”. Mas não houve comunicados oficiais. É certo, no entanto, um acordo para o fornecimento de armas à Rússia.

Isso representa um risco iminente para a Ucrânia. Após o fracasso fragoroso de seu Plano A, uma blitzkrieg contra a Ucrânia, Putin aposta numa guerra de atrito, na expectativa de que o tempo exaurirá as forças ucranianas e a solidariedade ocidental. Mas Kiev tem realizado avanços, ainda que modestos, em sua contraofensiva. O Kremlin está com dificuldades de repor sua munição, e os recrutamentos compulsórios têm gerado desgosto na população. A Coreia do Norte tem amplos estoques e fábricas de bombas e foguetes, a maioria baseada em tecnologias soviéticas compatíveis com o arsenal russo. O acordo pode envolver ainda mísseis balísticos de curto alcance, blindados, drones e até mesmo tropas.

Em troca, a Rússia pode oferecer óleo cru e grãos a um país famélico e falido. O principal interesse de Kim, contudo, está na transferência de tecnologia para modernizar seu arsenal. Isso intensificaria as tensões na Ásia. Vizinhos apreensivos com um Estado errático e agressivo poderiam responder escalando sua corrida por arsenais.

A China, que exerce um poder tutelar sobre os dois países, não tem interesse nessa instabilidade e pode interferir para limitar esse escambo sinistro. Mas só em parte. Pequim não vê nenhum problema em uma guerra prolongada na Europa e certamente se compraz com a tal “luta sagrada” contra o “imperialismo” ocidental.

O pacto pode ainda intensificar a degradação do controle global de armas nucleares, já no seu ponto mais periclitante desde a guerra fria. Nem à Rússia nem à China interessa robustecer as capacidades nucleares de Kim. Mas, a depender da barganha, Moscou pode violar seus compromissos com as sanções da ONU à Coreia do Norte e cooperar com o desenvolvimento não só de satélites de espionagem, como de mísseis e submarinos nucleares.

O conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, advertiu que os países “pagarão um preço”. Mas anos de sanções unilaterais e mesmo multilaterais tiveram impacto limitado sobre a Coreia do Norte, e a Rússia tem engendrado meios de contornar essas barreiras para financiar sua guerra. No G-20, as potências ocidentais se viram obrigadas a aliviar as pressões pela condenação da Rússia para garantir uma declaração conjunta e impedir o malogro da presidência rotativa da Índia, com quem contam para reequilibrar as relações de poder na Ásia. O presidente americano, Joe Biden, legitimamente preocupado com uma escalada, tem hesitado em enviar mísseis de longo alcance para a Ucrânia, apesar do apoio bipartidário do Congresso. A hesitação pode se transformar em franca recusa se Donald Trump for eleito no ano que vem, algo com que Putin conta.

Nada de bom pode sair desse abraço sombrio dos párias. Ele pressagia ameaças para a Ucrânia, para a estabilidade na Ásia, para o eixo democrático e para a segurança global. Se há um aspecto positivo, é o fato de que ele revela que as cartas de Putin estão se esgotando. Mas mesmo esse consolo é ambivalente. Déspotas desesperados são mais, não menos, perigosos.

Argentina contrata o caos

O Estado de S. Paulo

Benesses concedidas pelo candidato governista, Sergio Massa, repetem modelo de gestão irresponsável

Quanto mais se aproxima o primeiro turno da eleição presidencial da Argentina, em 22 de outubro, maior o volume de benesses fiscais anunciadas ao eleitorado pelo ministro da Economia, Sergio

Massa – não por acaso, o candidato do governo peronista à Casa Rosada. Em se tratando de um país sem arrecadação suficiente para cobrir nem mesmo gastos obrigatórios, os pacotes de bondades só se explicam pelo temor do peronismo de derrota nas urnas. Grave é o fato de tal conduta repetir o modelo baseado na gestão irresponsável da macroeconomia, em soluções improvisadas e no descompromisso com o interesse maior dos argentinos que, ao longo de quatro décadas, empurram o país vizinho à falência, ao descrédito internacional e à escalada da pobreza.

Como a maioria de seus antecessores na pasta da Economia, Massa preferiu a fórmula do desastre argentino a um receituário econômico minimamente responsável, ainda que eleitoralmente inviável. Recentemente, ao conhecer-se a taxa de inflação de 124,4% nos 12 meses encerrados em agosto, o ministro anunciou a devolução de 21% do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) recolhido por aposentados, microempreendedores e trabalhadores domésticos. Ampliou também os benefícios do cartão alimentação e a oferta de crédito subsidiado. Já havia reduzido para apenas 90 mil o contingente de pessoas físicas sujeitas ao Imposto de Renda, congelado preços de bebidas e alimentos e obrigado o governo nacional, as províncias e o setor privado a pagar bônus aos trabalhadores. Cobertas por emissões de pesos sem lastro no Banco Central, tais benesses inevitavelmente agravam as expectativas de inflação e elevam o endividamento público de um país campeão em moratórias.

Consultorias argentinas estimam que 2023 se encerre com taxa de inflação acumulada de mais de 170% e recuo de 3% a 3,5% no Produto Interno Bruto (PIB) – além da reserva internacional esvaziada. A meta de déficit fiscal de 2,5% do PIB acertada pelo governo peronista com o Fundo Monetário Internacional (FMI) já foi para o espaço, graças às medidas eleitoreiras. O saldo negativo deve superar 10% do PIB. Se o FMI já surpreendeu ao liberar mais de US$ 7,5 bilhões para a Argentina em agosto, depois da desvalorização cambial, um novo desembolso no fim de outubro será um milagre.

O caos econômico já são favas contadas a partir de dezembro, quando o novo governo toma posse, e recairá com chumbo sobre os 40% mais pobres da população do país. A escalada nas pesquisas de seu oponente de extrema direita, Javier Milei, um defensor da dolarização que soube captar o anseio coletivo pela destituição da classe governante desde 1985, não justifica as atitudes de Massa. Como homem público e ministro de Estado, teria obrigação de priorizar o interesse dos argentinos pela estabilidade e de romper com o padrão de irresponsabilidade na gestão macroeconômica do país. Ao abdicar dessa missão, o peronista diz muito sobre o presidente que se propõe a ser.

Alzheimer: atenção ao paciente e à família

Correio Braziliense

De acordo com pesquisadores, em 30 anos, serão 4 milhões de brasileiros portadores da doença

Setembro é o Mês Mundial da Doença de Alzheimer, oportunidade em que as sociedades e associações médicas se mobilizam para chamar a atenção para o “combo” diagnóstico precoce e alerta aos fatores de risco.

O Alzheimer afeta hoje no Brasil mais de 1,5 milhão de pessoas diretamente e outros milhões de indivíduos se considerarmos os familiares e cuidadores envolvidos na assistência ao paciente. Além de os efeitos da doença serem um baque na vida da família — a começar pelo diagnóstico —, pensar que um ente (geralmente pai ou mãe, ou mesmo os dois) viveu a maior parte da vida forte, lúcido, de maneira autônoma, e agora tem uma doença crônica, sem cura, afeta a saúde mental dos familiares e amigos mais próximos.

Essa realidade será ainda pior daqui a algumas décadas. De acordo com pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 30 anos, serão 4 milhões de brasileiros com a enfermidade.
A atenção para os fatores de risco, bem como o diagnóstico precoce é fundamental na jornada de cuidado das pessoas e famílias envolvidas. A Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) realiza, ao longo de todo o mês de setembro, campanha alertando para condições que podem levar à demência. Diabetes, hipertensão, baixa acuidade auditiva, isolamento social e causas genéticas são apenas alguns desses itens. Fatores ambientais e de estilo de vida são determinantes, sendo responsáveis por aproximadamente 50% dos casos de Alzheimer no Brasil. Falta educação para a saúde, falta informação precisa e que atinja os nichos adequadamente.

Segundo Renata Faria Simm, neurologista da Imuno Brasil, empresa que atua no setor de saúde, é a partir da informação que as pessoas derrubam qualquer barreira e não deixam que sejam colocadas mais dificuldades e limitações aos doentes.

Se antes carregava o peso do nome, “mal de Alzheimer”, como se fosse uma sentença de morte, hoje se transformou "apenas" em doença, ao lado de tantas outras, o que de certa forma reduziu um pouco a carga do paciente. E é exatamente o motivo pelo qual todos os anos, repetidas e repetidas vezes, as campanhas tentam levar informação atualizada para uma população que não cuida muito de si.

Desestigmatizar e disponibilizar qualidade de vida ao paciente e à sua rede de apoio, garantindo a integração dele à sociedade deve ser obrigação das instituições de saúde, públicas e privadas, e constar nos documentos como função de todos os representantes que gerem as políticas públicas de saúde dos municípios e estados. Enquanto isso não ocorre, sofre o paciente e sofrem as famílias.

 

 

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