O Globo
Tendo entrado no rotativo, o governo passou
a pagar a totalidade dos juros com novas emissões de dívida
O debate econômico que hoje se trava no
país está mesmo fora dos trilhos. Já há até quem argumente que, tendo aprovado
o arcabouço fiscal, o Congresso estaria agora obrigado a viabilizar o colossal
aumento de receita de que o governo “precisa” para levar adiante seu
desajuizado programa de expansão de gastos.
É preciso entender com clareza o que ficou estabelecido na lei complementar que permitiu ao governo se livrar do teto de gastos e instaurou o atual arcabouço de expansão fiscal. Em qualquer circunstância, o valor real do dispêndio primário do governo terá expansão de no mínimo a 0,6% ao ano.
Mas tal expansão poderá ser mais rápida se
o desempenho da receita tributária permitir. Do aumento real de arrecadação,
70% poderão ser destinados à expansão de gastos primários, desde que a taxa
real de crescimento desses gastos não ultrapasse um teto de 2,5% ao ano.
O que está sendo sugerido é que o Congresso
teria a obrigação de assegurar ao governo a elevação de carga tributária que
lhe permita expandir seu dispêndio primário a taxas tão próximas a 2,5% ao ano
quanto possível.
Não só o Congresso não está obrigado a isso
como, tudo indica, parece pouco inclinado a aprovar a elevação de carga
tributária que o Planalto contempla. E o governo já percebeu que, tendo em
conta a forte expansão de gastos que desencadeou, logo estará às voltas com
inesperada e séria restrição fiscal, por mais frouxas que, de início, as regras
do arcabouço parecessem ser.
A esta altura, já não há mais dúvida sobre
qual será a válvula de escape a que o governo recorrerá. Descumprir ou alterar
a já medíocre meta fiscal de zerar o déficit primário em 2024, mesmo sabendo
que isso seria visto como um último rasgar da fantasia que escancararia a real
extensão de seu descompromisso com a responsabilidade fiscal.
E Lula e o PT já têm pronto o discurso para
jogar a culpa no Congresso. A meta teria ficado inviável porque o Congresso não
“entregou” a elevação de carga tributária que se fazia necessária.
É preciso ter em mente que, na melhor das
hipóteses, nos seus quatro anos de mandato, o governo deverá gerar um resultado
primário acumulado zero: déficit de 1,5% do PIB, em 2023, déficit zero, em
2024, e superávits de 0,5%, em 2025, e de 1% do PIB, em 2026. Soma zero. Isso
significa que, neste mandato, não haverá nenhum esforço relevante para pagar os
juros da dívida pública.
Em português claro, o governo entrou no
rotativo e passou a pagar a totalidade dos juros com emissões adicionais de
dívida. O que implica uma dinâmica de dívida muito mais fácil de entender do
que costuma ser. Com resultado primário acumulado zero, o aumento real da
dívida bruta será, grosso modo, determinado pela taxa real de juros implícita
que sobre ela incide.
Supondo que tal taxa seja em média de 6% ao
ano, ao final de quatro anos, a aumento real da dívida terá sido de cerca de
26,2%.
Em que medida isso elevará a dívida como
proporção do PIB, depende, claro, da expansão da economia. Supondo que taxa
real média de crescimento do PIB seja de 2,0% ao ano, em linha com as
expectativas da última pesquisa Focus, a expansão acumulada em quatro anos será
de 8,2%.
Dividindo-se 126,2% por 108,2%, chega-se a
um salto de mais de 16,6% na dívida como proporção do PIB. A relação
dívida/PIB, que era de 0,73 quando Lula iniciou seu governo, passará a ser de
0,85 no final de seu mandato (0,73x1,166). Uma farra fiscal de arromba.
Uma exorbitância que poderá assumir
proporções ainda mais graves caso sobrevenha combinação mais adversa de taxas
de juros e de crescimento do PIB, ou — como é bem provável — o governo venha a
gerar um resultado primário acumulado negativo ao longo do mandato.
É tendo isso em vista que se deve avaliar a
disposição com que o Congresso deverá considerar a proposta de elevar a carga
tributária em nada menos que R$ 168 bilhões, para atender às necessidades
“prementes” de expansão de gastos do governo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário