Valor Econômico
Se a Argentina perder os mercados de Brasil e
China, e os chineses resolverem executar a dívida argentina, assim como o
fizeram com países africanos, Milei terá dificuldades de cumprir seu mandato
A ausência na posse de Javier Milei bastaria
para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dar o recado de que
foi tratado de maneira ofensiva pelo presidente eleito da Argentina durante
a campanha. Ainda assim, Lula fez saber, pelo ministro da Secretaria de
Comunicação Social, Paulo Pimenta, que esperava um pedido de desculpas. A
exigência veio depois que Milei convidou pessoalmente o ex-presidente Jair
Bolsonaro para sua posse. “Ele fez sua escolha”, resumiu um assessor
presidencial.
Basta olhar para as contas da Argentina para se concluir que a birra parece desnecessária. Brasil e China, de fato, foram os países mais agredidos por Milei durante a campanha eleitoral. Mas se a Argentina perder os mercados de ambos os países, e os chineses resolverem executar a dívida argentina, assim como o fizeram com países africanos, Milei terá dificuldades de cumprir seu mandato.
“É default na certa”, diz uma autoridade
econômica do governo brasileiro. A Argentina depende mais do Brasil do que o
inverso. Pelo menos, enquanto Joe Biden estiver no poder.
O presidente eleito da Argentina anunciou que
irá aos Estados Unidos antes da posse, mas são improváveis as chances
de que consiga, de Biden, pressão semelhante àquela que, em 2018, Donald
Trump fez sobre o FMI para que o governo Maurício
Macri conseguisse um empréstimo de US$ 56,3 bilhões e chegasse com fôlego
para derrotar o peronismo na disputa pela reeleição. Não chegou. Perdeu
para Alberto Fernandez e, nesta eleição, trabalhou para que Milei o
fizesse.
Não parece razoável que Milei deposite todas as suas fichas em ganhar tempo até um retorno de Donald Trump ao poder. A queda nas taxas de juros internacionais o favorece, e o anúncio das primeiras privatizações parece, claramente, ser destinado a criar uma rede de boa vontade das finanças com seu governo, mas é improvável que consiga atrair capital necessário para cumprir a promessa de dolarização da economia. Estelionato eleitoral haverá. A dúvida agora é a dimensão.
Por enquanto, a aposta anunciada em seu
discurso de vitória não pareceu equivocada. O pronunciamento sugeriu um
presidente mais moderado do que o candidato. A começar pela hora em que foi
feito. Massa reconheceu a derrota às 20h, antes mesmo de o resultado ser
anunciado. Milei só discursou como presidente eleito duas horas depois.
Demonstrou certa cautela em preparar uma manifestação que não se limitasse a
reproduzir a gritaria de sua campanha.
As citações também cumpriram um papel. Só
mencionou duas pessoas, Karina Milei, sua irmã, que foi chefe de sua
campanha, e Santiago Caputo, que chamou de arquiteto de sua vitória.
O nome de Caputo, que é sócio de uma empresa de marketing político
chamada Move, , ainda não havia aparecido publicamente nos discursos
de Mileie a imprensa argentina, de uma maneira geral, ignorava sua
preponderância na campanha.
Se resolveu mencioná-lo, não parece ser
apenas em reconhecimento, mas também em função daquilo que pretende sinalizar.
Caputo é um consultor que largou o curso de engenharia da computação para
estudar ciência política e se aproximou de Milei durante sua campanha a
deputado federal em 2021. A sinalização é dada pelos vínculos familiares de
Caputo.
Ele é filho de um ex-presidente do colégio de
escritores da cidade de Buenos Aires, Claudio Caputo, cujos irmãos
orbitam em torno de Macri. Nicolás Caputo é um empresário que o
ex-presidente argentino, Mauricio Macri, chama de “amigo de alma”, e Luis
Caputo foi ministro das Finanças de seu governo.
Macri foi incapaz de reverter sua derrota
para o peronismo em 2019, a despeito do empréstimo com o FMI, mas tem
a confiança da elite financeira argentina da qual Milei agora precisa. Foi
valorizado ainda por Milei, que mencionou sua “grandeza ímpar” ao lhe apoiar,
juntamente com a candidata da coligação “Juntos pela Mudança”, Patrícia
Bullrich.
Contam para isso os votos da aliança de Macri
e Bullrich, que elegeu 93 deputados e 24 senadores, e o apoio dos governadores
das províncias. O partido de Milei, o Liberdade Avança, não elegeu nenhum
governador e é largamente minoritário no Parlamento. Tem 7 senadores, entre 72,
e 35 deputados, entre 257 cadeiras
Mas não apenas. Milei vai precisar da turma
de Macri para governar tanto junto ao Congresso, quanto junto à sociedade e aos
países vizinhos. Fadada a eleição do atual ministro da Economia argentino,
Sergio Massa, com quem o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem
uma interlocução próxima, resta a Milei se valer de ex-colaboradores do governo
Macri, como Federico Sturzenegger, para estabelecer novas pontes com as
autoridades monetárias brasileiras.
Ex-presidente do Banco Central no governo Macri, Sturzenegger foi professor da Universidade da Califórnia, onde o atual presidente do BC brasileiro, Roberto Campos Neto, graduou-se. Em agosto, esteve em São Paulo para um encontro entre ex e atuais autoridades monetárias do continente. Uma interlocução via macrismo não estava nos planos do governo brasileiro, que apostou na interlocução entre Massa e Haddad. A saber agora se entrará nos planos de Milei.
2 comentários:
■A Argentina precisa do Brasil, a Argentina precisa dos Estados Unidos, a Argentina precisa da Europa, a Argentina precisa de todo mundo. Mas muito pouco o mundo --China, Estados Unidos e Brasil incluídos-- estão em condições de ajudar a Argentina, principalmente nas condições em que se encontra a Argentina de hoje, com sua economia destruída pelo populismo dito de esquerda do peronismo.
Eu falei ajudar?
Países não ajudam ; países têm interesses!
O trabalho de política externa e da diplomacia profissional existe para tratar destes interesses dos seus respectivos países. Nas relações de interesses entre os paises a boa política externa e a diplomacia profissional é que devem agir, e não os humores ou o ideologismo de presidentes da república!
■Lula enviou um batalhão de marqueteiros para a Argentina para colaborar com a candidatura do partido populista alinhado com o populismo do PT. Os marqueteiros enviados por Lula tinham a encomenda de produzir e espalhar ódio sobre Javier Milei, chamá-lo de fascista e coisas assim:: o adversário, tratado com a truculência com que se trata inimigos, se sentiu ofendido. Como retribuição Lula foi chamado de corrupto pelo então candidato argentino.
■■Da querela entre eles, sabe-se que efetivamente que Lula é corrupto e dizer isto não é ofender ; quanto a Javier Milei, não se sabe se ele é fascista, mas a julgar por declarações dele próprio há muitos motivos para se desconfiar da possibilidade de ele ser fascista e só o tempo irá resolver está dúvida.
Agora, passada a campanha eleitoral, os ideologismos e os temperamentos mesquinhos, vingativos e inflamados devem ser evitados. Os presidentes não devem sequer determinar a diplomacia e a política adequada mesmo se sabem fazer isto, ainda mais quando não sabem, como é o caso de Lula e parece também ser o caso de Javier Milei.
Em favor dos interesses dos países, deixem a diplomacia profissional agir.
A Argentina é nossa vizinha e, se a economia desta vizinha melhorar, é quase o que sobra de mais garantido para comprar algum produto industrial brasileiro, dada a produtividade e a qualidade pouco competitiva de nossa economia industrial. O Brasil é importante para a Argentina, mas a Argentina também é importante para o Brasil.
Se era para um ficar exigindo que o outro peça desculpas, melhor era que Lula antes não ofendesse Milei e que Milei não devolvesse a agressão com uma fala que, embora seja verdadeira, sobre Lula ser corrupto, não contribui em nada para a boa relação entre as presidências.
Que horror!
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