quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Vinicius Torres Freire - Farra nos subsídios para empresas

Folha de S. Paulo

Há indícios de fraude ou desvio de finalidade da isenção de impostos, diz governo Lula

ministério da Fazenda suspeita que empresas deram um jeito irregular ou criminoso de não pagar impostos ao se aproveitar da isenção de tributos federais do Perse, como noticiou esta Folha.

O Perse é o "Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos", criado em 2021 para socorrer empresas de feiras, congressos, shows, turismo, entretenimento etc., muitas arrasadas na epidemia de Covid.

A suspeita vem desde a segunda metade do ano passado, quando a Receita Federal verificava motivos da arrecadação fraca em geral e do valor espantoso da renúncia efetiva de impostos do Perse, muito além da estimada.

O governo notou irregularidades mais leves e indícios de fraude descarada, como no caso de postos de gasolina, muita vez utilizados pelo crime para sonegar e lavar dinheiro em qualquer situação.

O assunto explodiu de vez pois:

O governo diz que abrir mão de impostos por causa do Perse custa pelo menos R$ 16 bilhões (em vez dos estimados R$ 4,4 bilhões para 2024), talvez muito mais, se contadas as irregularidades;

O Congresso está fulo com o governo, que editou medida provisória para acabar antecipadamente com o Perse até 2025, em vez de fins de 2026, como previa a lei do programa.

Não apenas por causa do Perse, o governo diz que passou a requerer das empresas que declarem os benefícios tributários que recebem.

Recentemente, fechou a chamada "brecha" que permitia a empresas variadas se aproveitar do subsídio para investimentos em títulos imobiliários e agroindustriais, de resto uma distorção econômica aumentada.

Um plano central de Haddad é aumentar a receita do governo a fim de cobrir o déficit do governo federal e de eliminar favores tributários, em particular os mais iníquos, o que chama de "jabutis".

No cálculo da Receita para este ano, o gasto tributário total estimado seria de R$ 523,7 bilhões. É mais do que o triplo do gasto anual com o Bolsa Família. A receita federal bruta prevista para 2024 é de R$ 2,5 trilhões.

Parte desse meio trilhão de isenções tributárias se destina a pessoas físicas. Outra para instituições públicas. Parte jamais voltará para o governo (se o imposto for cobrado, o negócio desaparece).

Há benefícios sérios, alguns algo inevitáveis. O Minha Casa, Minha Vida. Poupança. Transporte escolar, aposentadoria de doentes graves. Horário eleitoral gratuito. Instituição de pesquisa científica e livros.

O grosso, porém, deveria estar "sub judice". É uma enormidade, quase sempre sem avaliação de custo e benefício. No total, o gasto tributário equivale a uns 5% do PIB.

Em 2022, a receita dos estados era de 8,6% do PIB; a dos municípios, de 2,3% (é o último ano para o qual há cálculo oficial de carga tributária).

Nesta dinheirama estão contados também os benefícios tributários de políticas industriais, de desenvolvimento regional, setorial etc. o nome que se dê; de apoio a pequenas e médias empresas (muitas delas de ricos PJ): Simples, Zona Franca de Manaus, indústrias, agro, companhias aéreas, subsídio para famílias que pagam plano de saúde e escola privada.

Estão aí socorros ou incentivos que deveriam ser temporários e foram prorrogados a perder de vista, como os da Zona Franca.

Esse balaio de meio trilhão causa iniquidades sociais, distorções econômicas, ineficiências; faz mais gente ou empresa pagar mais imposto do que outras, facilita o aumento da dívida pública. Facilita desvios, fraudes, crimes, como diz o próprio governo.

É um alerta para o risco de desvio ou ineficiências de incentivos tais como os de políticas industriais ou de "desenvolvimento", como se quer voltar a fazer —não é um impeditivo, necessariamente. Mas é risco de problema.

 

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