Valor Econômica
Sociedade brasileira precisa se conscientizar que mudança não virá de cima para baixo
Na semana passada, o economista André Lara
Resende, um dos idealizadores do Plano Real, publicou aqui no Valor um texto criticando
o “sequestro da imaginação” a que a política econômica brasileira está
submetida.
Na sua visão, estamos presos a uma armadilha
ditada por um receituário conservador que prescreve arrocho fiscal e juros
altos, enquanto o tratamento alternativo proposto pela esquerda tem como
efeitos colaterais a captura do orçamento público pelo patrimonialismo e pelo
corporativismo.
André Lara Resende chega a propor um roteiro de quatro dimensões para nos libertar dessa arapuca econômica: 1) melhoria da governança pública para blindar o orçamento da captura de grupos de interesse; 2) regulamentação inteligente da economia, voltada para ganhos de produtividade; 3) desenvolvimento de um plano de investimentos de longo prazo e 4) criação de um conselho para a coordenação das políticas monetária e fiscal.
Sintetizado assim, o trabalho parece simples.
Mas, quando se pensa nas muitas medidas necessárias para dar concretude a esses
objetivos, a tarefa se revela hercúlea até mesmo para quem foi capaz de acabar
a hiperinflação com um mecanismo engenhoso como a URV e todas as medidas
complementares adotadas pelo Plano Real. (A quem interessar, cometi a ousadia
de sugerir uma lista de dilemas envolvidos com o desdobramento das propostas de
ALR no meu espaço no site do Valor).
Para além da complexidade requerida para
estruturar uma transformação econômica guiada por boa governança,
produtividade, planejamento de longo prazo e coordenação de políticas, temos a
questão central de quem seria capaz de liderar esse processo. Com a política
brasileira polarizada entre uma direita aferrada a uma ortodoxia suicida e uma
esquerda seduzida por uma heterodoxia complacente com a captura do Estado (as
expressões são do amigo Sérgio Léo, no X), é difícil imaginar um “Plano Real 2”
voltado para o desenvolvimento sustentável e inclusivo.
Perguntas relativas ao “como” e ao “quem”
também têm sido frequentes nas conversas que tenho tido nas últimas semanas,
desde que lancei meu livro “O país dos privilégios - Volume 1: os novos e
velhos donos do poder”. Quando confrontadas com os estratagemas da elite de
servidores nos três Poderes da República e nos três níveis federativos para
obter rendimentos muito superiores à realidade brasileira, as pessoas,
frequentemente indignadas, me questionam se nosso país teria solução.
Buscando combater o pessimismo que os dados e
os relatos do livro transmitem, procuro elencar uma série de medidas que
poderiam corrigir parte das distorções que beneficiam os privilegiados do setor
público: restaurar a autoridade do teto do funcionalismo, coibir verbas
indenizatórias, rever competências dos Conselhos Nacionais de Justiça e do
Ministério Público de dispor sobre remunerações de seus membros, rediscutir a
autonomia financeira entre os Poderes, racionalizar carreiras, instituir um
regime de avaliação individual de desempenho, entre outras medidas.
Respondido o “como”, mais complicado ainda é
tentar demover o ceticismo dos interlocutores em relação a “quem” poderia mudar
o atual estado de coisas. Afinal, o cidadão brasileiro se encontra anestesiado
pela falta de vontade política de seus governantes, além de não vislumbrar no
quadro partidário ou mesmo nas instituições de controle (principalmente após os
erros da Lava Jato) o interesse e a coragem de romper esse círculo vicioso.
Para rebater esse negativismo incrédulo,
tenho recorrido a dois exemplos positivos que estão ocorrendo atualmente.
Contra todos os prognósticos contrários,
estamos próximos de aprovar a regulamentação de uma reforma que reduzirá
drasticamente privilégios do sistema de tributação sobre o consumo de bens e
serviços. Além disso, o Supremo Tribunal Federal está prestes a colocar freios
e condições à apropriação de nacos bilionários do orçamento público por meio de
emendas pix, de relator, de comissão e outras formas pouco transparentes de
aplicar dinheiro público com objetivos meramente eleitoreiros e privados.
Em ambos os casos, a solução não veio de cima
para baixo e nem partiu de lideranças político-partidárias ou instituições
públicas.
A reforma tributária só aconteceu porque
Bernard Appy reuniu economistas, tributaristas e contadores no Centro de
Cidadania Fiscal (CCiF), elaborou uma minuta de projeto de lei e o submeteu a
amplo debate com representantes de diversos setores, antes de submetê-lo ao
Congresso.
Da mesma forma, se não fosse o trabalho
incansável de organizações como Associação Brasileira de Jornalismo
Investigativo (Abraji), Transparência Brasil, Associação Contas Abertas e
Transparência Internacional, entre outras, políticos continuariam a nadar de
braçada nos bilhões do orçamento secreto, se beneficiando da falta de
transparência e de controle sobre a aplicação dos recursos.
Lideranças empresariais, da sociedade civil e
acadêmicos precisamos nos conscientizar que a mudança que queremos depende de
cada um de nós, e não deste ou daquele político.
Um comentário:
Podes crer.
Postar um comentário