O Estado de S. Paulo
A dádiva lulista aos esportistas reproduz princípio medieval, que é a origem da desigualdade no País
As 20 medalhas do Brasil na Olimpíada de Paris vão render, no total, R$ 5,39 milhões em prêmios do COB aos atletas. Muita gente ficou inexplicavelmente surpresa ao “descobrir” que até 27,5% do valor das premiações seria abocanhado pelo Imposto de Renda. O surto patriótico nas redes sociais motivou alguns parlamentares a propor leis para abolir a “taxação olímpica”. O presidente Lula se antecipou e assinou uma medida provisória isentando de IR os prêmios aos medalhistas.
O populismo olímpico do governo federal
ocorre em meio ao bloqueio de gastos. Na ponta do lápis, o benefício aos
atletas é irrisório diante do rombo nas contas públicas, previsto em R$ 32,6
bilhões para este ano. A isenção de IR para os medalhistas representará R$ 1,48
milhão. Ou seja, cerca de 0,0045% do que o governo precisaria arrecadar ou
economizar para atingir o equilíbrio fiscal. Trata-se de uma medida com um
custo baixo para os cofres públicos e com alto ganho político para Lula.
No fundo, a dádiva lulista aos esportistas
reproduz um princípio medieval que é apontado por historiadores como a origem
da desigualdade social no nosso país. Trata-se de uma dinâmica de sociedade em
que os abismos entre os estratos sociais são considerados naturais e até
desejados, contanto que as desvantagens de estar na base da pirâmide sejam
compensadas por favores eventuais.
João Fragoso, da UFRJ, escreve sobre isso no
livro A Sociedade Perfeita — As Origens da Desigualdade Social no Brasil
(Editora Contexto), em que analisa a formação da nossa sociedade nos séculos
XVII e XVIII. Ao tratar da relação entre senhores e escravos, ele observa que
“quando a contrapartida ao castigo justo, o favor merecido, não acontecia, a
ordem pública corria risco”. A população livre, por sua vez, continha numerosos
grupos que desfrutavam de isenções variadas, não precisando contribuir para o Estado
ou para sua defesa, fazendo recair sobre os menos privilegiados o peso dos
tributos e do serviço militar.
A maioria das modalidades esportivas é
subvalorizada ao longo dos quatro anos que antecedem uma Olimpíada. Os
raríssimos atletas que alcançam o pódio agora são agraciados com um privilégio
momentâneo, dando a Lula a oportunidade de se apresentar como benfeitor e
deixando todo mundo satisfeito. Afinal, em uma sociedade em que a desigualdade
é naturalizada, ascender socialmente significa acessar privilégios.
Um comentário:
Justo.
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