segunda-feira, 12 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Prefeitos que não deram fim a lixões precisam se explicar

O Globo

Brasil ainda tem 3.000 depósitos irregulares que causam doenças e aumentam o aquecimento global

Se todo o lixo produzido no mundo a cada ano fosse colocado em contêineres enfileirados, cobriria distância maior que uma viagem de ida e volta à Lua. Jogados em lixões, os resíduos causam problemas de saúde pública, contaminam o meio ambiente e produzem gases que provocam o aquecimento global. Entre 400 mil e 1 milhão de pessoas morrem por ano de doenças ligadas à má gestão do lixo, diz relatório recente da ONU.

Em tema tão premente, prefeitos brasileiros de diferentes regiões devem explicações. No Brasil, 33,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, ou 40% do lixo gerado, têm destinação inadequada, segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). A prática é um desrespeito à legislação e exige escrutínio de órgãos de controle.

Em 2010, foi sancionada a lei que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos. O texto previa o fim dos lixões em quatro anos. Diante de protestos contra o tempo exíguo, as regras foram alteradas. O prazo final acabou no início de agosto.

Muitas prefeituras aproveitaram a prorrogação para investir em aterros sanitários. São essas as obras que protegem o solo e os lençóis freáticos, capturam parte do metano emitido e contam com licença ambiental. Em 2018, Alagoas foi o primeiro estado a erradicar os lixões. Em seguida, Rondônia fez o mesmo. Mato Grosso do Sul e Pernambuco estão próximos dessa meta. Em vários casos, a pressão dos Tribunais de Contas e do Ministério Público ajudou a acabar com a inércia. Em outros lugares, porém, o descaso prevaleceu. Existem 3 mil áreas de depósito irregular de lixo no país. “Há cidades de todos os tamanhos com lixões ativos”, diz o presidente da Abrema, Pedro Maranhão.

Aumentar o prazo mais uma vez, como defende parte dos prefeitos, seria a alternativa equivocada. Fingir que a questão é falta de tempo nunca resolverá o problema. Os desafios são de gestão e investimento. Cada tonelada de resíduo custa, em média, R$ 90 para receber o destino adequado. Embora a legislação permita a cobrança de taxa para cobrir o serviço de manejo dos resíduos sólidos, apenas 437 dos 5.570 municípios brasileiros adotaram a medida até abril deste ano, segundo levantamento feito pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).

Ao Jornal Nacional, o presidente da Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski, declarou que faltam recursos e defendeu um aporte do governo federal da ordem de R$ 45 bilhões. O Ministério do Meio Ambiente tem uma estimativa mais realista. Para Adalberto Maluf, secretário nacional de Meio Ambiente Urbano da pasta, o país precisa de R$ 7 bilhões. A participação de empresas do setor privado na gestão do lixo poderia render R$ 4 bilhões, e municípios e estados ficariam com o restante da conta.

Muitas prefeituras sem um sistema de tratamento adequado dos resíduos sólidos se destacam por obras eleitoreiras e contratações de festas e shows por cifras elevadas. A atuação de órgãos de controle deveria evitar que continuem a descuidar de forma irresponsável da saúde pública, do combate ao aquecimento global e do meio ambiente.

Teste de drogas em motoristas deve elevar segurança no trânsito

O Globo

Profissionais que transportam passageiros e cargas terão exames surpresa a cada dois anos e meio

É acertada a decisão do governo federal de apertar o cerco sobre o uso de drogas por motoristas profissionais. Desde o dia 1º de agosto, está em vigor uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego determinando que empresas com motoristas de carga ou de transporte de passageiros terão de realizar testes toxicológicos de surpresa em seus funcionários.

Pelas normas, os motoristas deverão ser selecionados por sorteio, de forma totalmente aleatória e sem comunicação prévia. O exame precisa ser realizado previamente à admissão e ao desligamento do empregado (como já era exigido), além de a cada dois anos e meio. O objetivo, segundo o ministério, é controlar os riscos decorrentes do uso de substâncias psicoativas que causem dependência ou que comprometam a capacidade de direção.

A portaria do governo não deixa claro se a norma também valerá para motoristas de aplicativos. O presidente do Instituto de Tecnologias para o Trânsito Seguro (ITTS), toxicologista Márcio Liberbaum, que participou dos debates sobre a nova resolução, disse ao GLOBO que por enquanto as regras não incluem a categoria, a ser regulamentada posteriormente. O ideal é que o tratamento seja o mesmo.

Liberbaum diz que o teste consegue detectar se o condutor fez uso de droga num prazo de seis meses anterior à testagem. Se o resultado for positivo, a empresa deverá encaminhar o motorista a um exame clínico para que seja verificado se há dependência química. Segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a probabilidade de um motorista sob efeito de droga se envolver num acidente de trânsito com morte é cerca de cinco vezes maior em relação aos condutores que não a usaram (o grau de risco varia conforme a substância).

Estudos mostram que a prevalência de drogas psicoativas entre motoristas varia de 3,9% a 20%. Para enfrentar o problema, a Opas recomenda, além das testagens, campanhas de conscientização.

O uso de drogas por motoristas profissionais — muitas vezes com o objetivo de se manter acordados —não é o único problema que contribuiu para a violência no trânsito. Ele é só mais um ao lado da mistura de álcool e direção, da imprudência, do desrespeito às regras, de estradas esburacadas, mal sinalizadas e de traçado obsoleto. Mas é fundamental atuar também nessa frente, que geralmente fica relegada a segundo plano. Não se sabe até que ponto as empresas respeitarão a nova norma — a periodicidade de dois anos e meio é razoável. Mas espera-se que empregadores e empregados atuando no transporte de passageiros e de cargas entendam a importância da medida para prevenir acidentes graves e aumentar a segurança no trânsito, o que deve ser do interesse de todos. De qualquer forma, o governo deve investir na capacidade para fiscalizar o cumprimento da exigência.

IPCA sobe mais que previsto, mas alimentos têm deflação

Valor Econômico

IPCA ainda dista da meta, mas não a ponto de justificar nova alta de juros

A inflação em julho subiu 0,38%, mais do que o esperado pelos 41 analistas ouvidos pelo Valor e bem mais que a projeção do Banco Central para o mês (0,12%). O IPCA está sendo puxado no ano por serviços e pelos preços monitorados. Em 12 meses, o índice encostou no teto da meta de inflação, 4,5%. Paradoxalmente, no acumulado do ano até julho, 2,87% é a menor taxa desde 1998, quando foi de 1,65%.

A alta do IPCA não chegou exatamente a surpreender. A inflação foi bem baixa no mesmo mês do ano passado (0,12%) e, na comparação anual com agosto, setembro e outubro, as leituras serão pequenas, entre 0,23% e 0,26%. A média mensal do IPCA ao longo de 2024 tem sido mais alta, mas não é difícil que a inflação em 12 meses caia em agosto, se os preços dos alimentos se comportarem bem.

Há dados positivos no índice. Os preços de alimentos e bebidas tiveram deflação (-1%) em julho, a maior para o mês desde 1999. Esses itens têm o maior peso no IPCA, e foram puxados para baixo pela queda de 1,51% na alimentação no domicílio. Tiveram impacto de -0,22 ponto percentual, o suficiente para anular altas observados em seis dos nove grupos que compõem o IPCA, com exceção de transportes, que contribuiu com 0,37 ponto percentual.

A elevação dos preços dos alimentos em Porto Alegre contribuiu para inflar o IPCA de junho, colocando um ponto de interrogação sobre a evolução dos preços no resto do ano. Porto Alegre puxou agora a variação para baixo dos preços dessa categoria, com uma deflação superior à média, de -1,62%, só inferior à contribuição no mesmo sentido de Vitória (-1,95%). A inflação, por outro lado, está também menos espalhada. O índice de difusão geral, que mede a porcentagem do número de itens que aumentaram em relação ao total, recuou de 53,5% em junho para 46,9%.

Mas as advertências da ata do Copom parecem estar sendo confirmadas, o que não é bom sinal. Segundo o IBGE, a inflação de serviços voltou a subir e chegou a 0,75% no mês e 5,01% em 12 meses. Serviços, segundo o BC, assumiram papel preponderante no processo inflacionário, mas, por outro lado, a alimentação no domicílio, sobre a qual a ata afirmara que deixara de contribuir para derrubar a inflação, surpreendeu positivamente. O setor de serviços está sendo puxado pelo aumento do emprego e da renda, de forma que não é de se esperar que deixem de oferecer alguma resistência à queda do IPCA, a menos que a economia desaqueça significativamente, o que não vai acontecer.

A inflação de julho teve dois fatores de pressão preponderantes. O item que individualmente mais colaborou para elevar o IPCA do mês foi a gasolina, com 0,16 ponto percentual. A variação de transportes, com 0,37 ponto percentual, teve influência marcante dos preços de passagens aéreas (julho é mês de férias), um indicador que vem variando na casa dos dois dígitos para cima ou para baixo nos últimos meses. Os combustíveis, em 12 meses, estão com altas fortes, somando 9,08%. O óleo diesel foi majorado em 18,14% no período.

Isso faz com que a variação em 12 meses dos preços administrados, como combustíveis e energia, tenha sido maior do que a de serviços. Com peso perto de um terço no índice, avançaram 7,04% no acumulado até julho. A energia residencial aumentou 1,93% em julho. A projeção para os preços monitorados no cenário de referência utilizado pelo BC é de 5% em 2024. Ela parece subestimada, mas pode estar correta se não houver surpresas no resto do ano. A bandeira de energia, que se tornou amarela no mês passado e elevou a conta de luz, voltou a ser verde em agosto. Quanto ao petróleo, rondam grandes incertezas, diante da possibilidade de aumento da tensão no Oriente Médio a partir do temor de um enfrentamento mais amplo entre Irã e Israel, que jogaria as cotações para o alto.

Determinante para o efeito doméstico das commodities em geral, o dólar deverá perder fôlego depois da escalada de junho-julho, quando chegou a R$ 5,75. A valorização da moeda americana inverteu seu rumo nos últimos dias - na sexta-feira sua cotação fechou em R$ 5,51. Em agosto, o dólar recua 2,53%, em um movimento que pode afastar o pior cenário: sua permanência nos níveis de fim de julho, o que teria efeito certo altista nos preços domésticos, um dos riscos apontados pela ata do Copom. O esperado início do corte de juros pelo Fed (o banco central americano), em agosto ou setembro, deverá retirar um pouco mais de fôlego do dólar ante o real.

A média dos cinco núcleos de inflação acompanhados pelo BC subiu em julho, alcançando 3,83% em 12 meses. A inflação cheia, porém, vai fechar o ano abaixo de 4,5%, como preveem a maioria dos analistas - 4,12% de acordo com a mais recente pesquisa do Focus. O IPCA ficará então distante da meta, como é consenso entre analistas e BC, mas não a ponto de justificar uma elevação dos juros no curto prazo, que seguem no terreno contracionista. A perspectiva mais otimista, por enquanto, não é boa. Para a inflação se aproximar dos 3% será preciso manter a Selic em 10,5% por seis trimestres. O governo poderá melhorar muito esse cenário superar a enorme descrença e cumprir a meta fiscal.

Gasto insustentável já mostra conta a Lula

Folha de S. Paulo

Despesas obrigatórias consumirão quase todo o Orçamento extra de 2025; políticas públicas terão de ser comprimidas

Aproxima-se o momento inevitável em que o governo petista precisará lidar com o crescimento insustentável dos gastos obrigatórios no Orçamento. Luiz Inácio Lula da Silva ainda resiste, mas se não tomar decisões politicamente difíceis correrá grande risco de instabilidade econômica na segunda metade de seu terceiro mandato.

Segundo estudo da consultoria da Câmara dos Deputados, divulgado pelo jornal Valor Econômico, praticamente todo o espaço aberto pelas regras do marco fiscal para novas despesas em 2025 será consumido pelas rubricas obrigatórias, em que o governo é quase um mero repassador de pagamentos.

Pelas normais atuais, o dispêndio pode crescer no ritmo de 70% da alta da arrecadação, com teto de 2,5% e piso de 0,6% ao ano acima da inflação —mesmo em caso de frustração na coleta de impostos.

Seguindo tais parâmetros, o espaço para mais gasto no próximo ano é estimado em R$ 138,3 bilhões. Desse montante, nada menos que R$ 135 bilhões deverão ser direcionados a aposentadorias e pensões, salários do funcionalismo e outras transferências sociais.

Como tem sido o caso nas últimas décadas, os recursos disponíveis para outras políticas públicas e investimentos vão sendo comprimidos, desequilibrando a prestação de serviços do Estado.

A raiz do problema, como se sabe, está nas regras que corrigem as despesas. Grande parte dos benefícios previdenciários, trabalhistas e assistenciais segue a variação do salário mínimo, que é reajustado acima da inflação por decisão política do governo endossada pelo Congresso, que não fizeram contas do impacto no Orçamento.

Corrigir o piso salarial de modo a partilhar os ganhos de produtividade com os trabalhadores é um direcionamento correto, mas para tanto seria preciso desvincular o valor das aposentadorias e outros benefícios, que devem apenas acompanhar a inflação de modo a proteger o poder de compra.

Outra inconsistência é a indexação dos aportes em saúde e educação, que acompanham a expansão das receitas, em desalinho com a regra básica do marco fiscal.

O resultado aritmético é o continuado aumento do peso de tais setores, em prejuízo do restante do funcionamento da máquina pública. Alinhar os parâmetros de correção é medida óbvia, que depende de mudança constitucional.

Sem enfrentar o problema, o governo procura ganhar tempo por meio de revisões nos programas, com economia estimada de R$ 25,9 bilhões em 2025, e outras medidas corretas, mas paliativas.

A demora resultará tão somente em enfraquecimento do Estado diante do progressivo engessamento da despesa orçamentária.

A ditadura descartável

Folha de S. Paulo

Governo Lula endurece com regime de Ortega; falta fazer o mesmo com a Venezuela

A diplomacia de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) parece saber com qual ditadura de esquerda pode brigar. A mais recente diatribe da Nicarágua de Daniel Ortega foi rebatida com a expulsão de sua embaixadora no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matus, na semana passada.

Itamaraty reagiu corretamente, com base no princípio de reciprocidade nas relações diplomáticas. O regime nicaraguense, que sempre encontrou apoio nos governos petistas, desta vez não obteve a complacência do Planalto.

No dia anterior, o embaixador do Brasil em Manágua, Breno Dias da Costa, havia sido expulso do país por não ter comparecido à celebração dos 45 anos da vitória da Revolução Sandinista, comandada por Ortega. Relevante, para a ditadura, foi o fato de Dias da Costa ter seguido orientação do Itamaraty.

Em situações semelhantes, o diálogo bilateral perde densidade, mas não se extingue. Nesse caso, porém, o canal diplomático esgotou-se em plena gestão de Lula.

A crise mostrou-se inevitável na medida em que fracassaram os movimentos do brasileiro pela moderação do regime. A intercessão do petista, a pedido do papa Francisco, pela libertação de sacerdotes católicos presos arbitrariamente jamais foi perdoada por Ortega.

O governo Lula ainda tentou, de modo vexatório, preservar o diálogo com Manágua. Prova disso foi sua recusa em unir-se a 55 membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que condenaram a Nicarágua por crimes contra a humanidade, em 2023.

Para amenizar sua impostura, o Brasil na ocasião se disse pronto a acolher nicaraguenses expulsos pelo regime. Em correção de rumo, três meses depois, endossou declaração da Organização dos Estados Americanos que cobrava do país respeito ao Estado de Direito.

Nos seus governos anteriores, Lula jamais vislumbrou tais passos, mesmo diante das evidências inequívocas de prisões arbitrárias, execuções extrajudiciais, torturas e destruição paulatina das instituições democráticas promovidas por seus companheiros da esquerda na Venezuela e na Nicarágua.

Desta vez, a cumplicidade com ditaduras cobra um preço doméstico.

O jogo de perde-perde de Lula

O Estado de S. Paulo

Casos da Venezuela e da Nicarágua mostram como o Brasil tem sido desmoralizado na região que supostamente deveria liderar, a despeito da condescendência de Lula com essas ditaduras

Não bastassem os esforços do governo Lula para contemporizar as atrocidades cometidas por Nicolás Maduro na Venezuela, agora o “companheiro” Daniel Ortega, o ditador nicaraguense, acrescentou um grão de sal à desmoralização do Brasil na região a qual o País supostamente deveria liderar. Ortega expulsou o embaixador brasileiro, em razão de sua ausência numa celebração propagandística da Revolução Sandinista. Lula, por sua vez, encheu-se de brios e expulsou a embaixadora da Nicarágua. Muito pouco, muito tarde.

Mesmo com toda a deferência de Lula a Maduro, o ditador venezuelano trata com total desdém as solicitações do companheiro brasileiro para que comprove sua alegada vitória eleitoral. Antes das eleições, Maduro ridicularizou as supostas apreensões de Lula e ainda insultou o Brasil ao questionar a idoneidade do nosso sistema eleitoral.

Se fosse só ingratidão pela longa ficha de serviços prestados por Lula às ditaduras de extrema esquerda, esses episódios se prestariam apenas a alimentar um exame de consciência do PT. Mas, muito além disso, eles ilustram a completa incapacidade do governo brasileiro de exercer influência numa zona de interesse natural, como a América Latina, em que o Brasil é a maior economia. O teste de realidade está dizimando as fantasias de Lula e seu ideólogo Celso Amorim de uma liderança regional supostamente alavancada por seus laços com as lideranças de esquerda.

O recado de ditadores como Maduro e Ortega é inequívoco: quem manda são a China e a Rússia, que financiam e armam países dispostos a enfrentar o Ocidente em geral e os Estados Unidos em particular. Na prática, o apoio do Brasil se tornou dispensável para esses tiranos, e se isso deixa Lula aflito, que tome “chá de camomila”, conforme receitou o insolente Maduro.

Lula parece perdido entre as ilusões de que o Brasil poderia liderar o movimento regional do tal “Sul Global” contra as nações ricas e o “imperialismo estadunidense” e a realidade de que o País é hoje um peão no Grande Jogo sino-russo na América Latina. Os ideólogos petistas presumem que o eixo global de poder está mudando definitivamente e que o Brasil precisa se alinhar aos vencedores, isto é, China e seus satélites. E é por isso que o Brasil de Lula, sob o manto do “pragmatismo”, tem sido vergonhosamente condescendente com a violência dos companheiros Maduro e Ortega, sem que o País tenha nenhum ganho com isso.

Assim como os interesses nacionais ditam um posicionamento independente na guerra fria entre China e EUA, o pragmatismo impõe, sim, cuidados diplomáticos para defender esses interesses junto aos donos do poder na Venezuela. Mas esquerdistas insuspeitos, como o presidente chileno, Gabriel Boric, mostram que é possível exercer esse pragmatismo sem conspurcar valores fundamentais, como a defesa da democracia e da soberania do povo venezuelano e de seus direitos humanos.

Sem o poder das armas ou do dinheiro, o Brasil construiu, desde os tempos do Império, uma sofisticada máquina diplomática para exercer o chamado “soft power” e navegar com equilíbrio entre as rivalidades geopolíticas de grandes potências. Que Lula jogue essa tradição no lixo e sobreponha suas afinidades e fidelidades aos princípios constitucionais das relações exteriores – como a promoção da democracia ou a defesa dos direitos humanos – é deplorável, mas não surpreendente. Esse sempre foi o padrão. O surpreendente é que essas atitudes não entregam sequer as prometidas contrapartidas. Ninguém escolhe o Brasil como destino de investimentos em razão do palavrório supostamente humanitário de Lula sobre a guerra na Ucrânia ou em Gaza. E as promessas de liderança regional na América Latina se decompõem a olhos vistos.

O rei está nu, e os delírios de Lula de encerrar sua carreira como “líder do Sul Global”, quando não um “príncipe da paz universal”, são triturados sob a Realpolitik de China e Rússia. O choque de realidade seria um problema tão somente para Lula, se o seu anacronismo, seu revanchismo e sua pusilanimidade não estivessem arrastando consigo a reputação e os interesses do Brasil.

O 13º da conta de luz

O Estado de S. Paulo

Emendas incluídas no marco regulatório para eólicas em alto-mar, além de incentivar a energia poluente, fariam consumidor pagar o equivalente a mais uma conta de luz por ano

O consumidor brasileiro pode pagar o equivalente a uma conta de luz a mais por ano para bancar novos subsídios ao setor elétrico, resultado dos “jabutis” inseridos por deputados federais no projeto que cria o marco regulatório para usinas eólicas em alto-mar (offshore), que irá a votação no Senado nas próximas semanas. O cálculo, feito pela Abrace Energia, mostra que a tarifa média paga por cada consumidor hoje é de R$ 168,15, e os jabutis representarão, em média, um extra de R$ 221,96 por ano em cada conta de luz.

Jabuti é o termo que define os “contrabandos” anexados por parlamentares a projetos em discussão – grande parte das vezes sem a menor relação com o texto original – para passar matérias de seu interesse. Foi popularizado por Ulysses Guimarães quando presidia a Câmara e costumava repetir, ao identificar esse tipo de emenda, que “jabuti não sobe em árvore, se está lá foi água de enchente ou mão de gente”.

O principal objetivo do projeto é garantir a ampliação da oferta de energia limpa com as eólicas offshore, mas, como não bastasse a carona indesejada, os jabutis vão inclusive na direção oposta, incentivando o uso de usinas a carvão e gás, além do financiamento da construção de gasodutos para levar o combustível a termoelétricas que ainda nem existem. Tudo isso à custa dos usuários de energia elétrica de todo o País que arcarão com a despesa em suas tarifas mensais.

Como mostrou reportagem do Estadão, o projeto, que iniciou seu trâmite no Senado, ao chegar à Câmara foi usado para acomodar várias outras propostas, aprovadas em plenário praticamente sem debate. Em dezembro do ano passado, estudo apresentado durante encontro de entidades setoriais detalhou cálculos que estimam em R$ 25 bilhões por ano, até 2050, os impactos dessas emendas, o que equivale ao total de R$ 658 bilhões.

Encargos e impostos que bancam subsídios concedidos pelo governo já absorvem quase metade do valor atual das contas de luz. Parte considerável dessa distorção é resultado direto da marra populista da então presidente Dilma Rousseff, que em 2012 decidiu baixar a tarifa por medida provisória, estratégia que, por óbvio, fracassou, deixando um enorme passivo na Conta de Desenvolvimento Econômico (CDE). Para piorar, o Tesouro, que bancava os subsídios aportando recursos na CDE, deixou de fazê-lo, e toda a conta ficou com os consumidores.

O crédito tomado pelas distribuidoras para suportar o baque nas receitas durante a pandemia de covid está embutido na conta de luz; os prejuízos da seca histórica de 2021 e 2022 que afetou os reservatórios também. E, de forma espantosa, Lula da Silva resolveu repetir a inconsequência de Dilma com outra medida provisória que autorizou o governo a tomar empréstimo para pagar os créditos assumidos em nome dos consumidores.

Trata-se de operação, já em curso, de securitização de R$ 20 bilhões que a União teria a receber em três décadas da Eletrobras como parte do processo de privatização. Ou seja, uma antecipação, com emissão de títulos e pagamento de juros. Diz o governo que a previsão é de baixar entre 2,5% e 10% as contas de luz. Ainda que o cálculo esteja correto, será mais uma ilusão de curto prazo que, como a experiência já comprovou, não tardará a causar mais um passivo de grande monta.

Já o projeto das eólicas offshore, se receber a aprovação do Senado com todos os jabutis que carrega, não apenas representará custo adicional aos consumidores, como vai pressionar a inflação e ampliar o entrave à competitividade industrial. Espera-se do Senado o debate técnico que não houve na Câmara para eliminar essas distorções e malandragens.

Afinal, a transição energética dita a pauta mundial, e não há como explicar o prolongamento por mais dez anos, até 2050, das poluentes usinas a carvão. Além disso, está cada vez mais claro que a conta de luz serve para pagar muito mais do que o consumo de energia elétrica, funcionando como uma espécie de imposto para financiar a construção de gasodutos em direção a usinas térmicas ainda inexistentes e linhas de transmissão, sem necessidade de brigar por verbas no Orçamento. Os jabutis são muito espertos.

Peculiar conceito de trabalho no MP

O Estado de S. Paulo

Promotores querem folgas para dar conta do trabalho; no fundo, só querem mais salário

Os promotores e procuradores de Justiça de São Paulo parecem ter um conceito muito peculiar de trabalho, segundo o qual, quando há excesso de trabalho, deve-se trabalhar menos, não mais, para colocar o serviço em dia. Somente essa subversão da lógica explicaria a reivindicação feita pelos integrantes do Ministério Público (MP) paulista para que se amplie de três para dez dias as folgas que podem gozar por mês em razão de um suposto acúmulo de acervo processual.

Um trabalhador comum, se desafiado a executar uma carga maior de serviço, terá de trabalhar mais para executar essa tarefa, e, como contrapartida, receberá hora extra, conforme previsto na legislação trabalhista, ou contabilizará banco de horas. Mas, como os promotores e procuradores, ao que tudo indica, não são trabalhadores comuns, quando acumulam serviço sobre os quais são os únicos responsáveis, querem trabalhar menos. Ou trabalham pouco ou trabalham mal – talvez, os dois.

Não parece justificável tanta exaustão, a ponto de se buscar mais tempo para o ócio. Não há relato de que promotores e procuradores sejam submetidos a duras condições de trabalho. Ademais, diferentemente do resto dos mortais brasileiros, desfrutam de 60 dias de férias ao ano e, como parte da elite do funcionalismo, são muito bem pagos para dar conta de seus afazeres em troca de prestação de serviço com agilidade e qualidade aos cidadãos. Hoje, em São Paulo, o salário inicial no MP é de R$ 30,6 mil e, quando se alcança o topo, chega a R$ 37,6 mil. Trata-se de uma contrapartida nada desprezível.

Contudo, como se sabe, esse ganho pode ser maior. São muitas as estratégias que podem levar ao incremento da renda mensal, que, não raro, fazem com que boa parte dos integrantes das carreiras jurídicas ganhe acima do teto constitucional, hoje de R$ 44 mil. São subterfúgios, popularmente conhecidos como penduricalhos, que garantem pela via administrativa, e, sobretudo, com dribles ao Legislativo, remunerações generosas. E, ao fim e ao cabo, o pleito dos promotores e procuradores de São Paulo é só mais um deles.

Isso ocorre porque, no fundo, o pedido feito pela Associação Paulista do Ministério Público ao procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, busca engordar ainda mais o contracheque dos promotores e procuradores, haja vista que essas folgas podem ser convertidas em dinheiro, e fora do teto. Reclamam os integrantes do MP o fato de o Judiciário paulista já conceder dez dias de folga – ou seja, mais dinheiro – aos magistrados que supostamente trabalham demais. Sem mencionar estimativas de impacto financeiro, querem, ainda, o pagamento de retroativos desde maio de 2022, quando a chamada licença compensatória foi instituída pelo Conselho Nacional do Ministério Público.

Ora, os promotores e procuradores paulistas mal conseguem esconder que o verdadeiro interesse que está por trás da falácia do trabalho excessivo e das folgas é meramente financeiro. Esse tipo de estratagema, sim, é motivo de muito cansaço, mas dos cidadãos, que já estão fartos de arcar com tantos privilégios.

Brasileiras vencedoras e desprotegidas

Correio Braziliense

O retrato do país que persegue o feminino é assustador, a despeito da Lei Maria da Penha

O Brasil que viu as atletas conquistarem medalhas e orgulharem a nação nas Olimpíadas 2024 precisa se debruçar ainda mais sobre a questão da violência de gênero. O país que acompanhou Rebeca Andrade e suas colegas da ginástica, Beatriz Souza, Rafaela Silva, Duda, Ana Patrícia, Bia Ferreira, Larissa Pimenta, Tatiana Weston-Webb, Rayssa Leal e as jogadoras do futebol e do vôlei mostrarem força e competência para chegar ao pódio não oferece segurança para que meninas e mulheres vivam sem medo.

O triunfo feminino em Paris comprova o que o cotidiano escancara em território nacional: o talento e a capacidade de superação das brasileiras em todas as atividades, incluindo o esporte de alta performance. Os discursos conscientes das nossas representantes nos Jogos, únicas a garantirem o ouro, precisam ser uma indicação a mais da necessidade premente de eliminar os ataques às mulheres.

Em 2023, o Brasil registrou um crime de estupro a cada seis minutos. Com o total de 83.988 casos e aumento de 6,5% em relação a 2022, um triste recorde foi registrado. As mulheres são a maioria das vítimas e os agressores estão, na maior parte das vezes, dentro de casa. Esse é um recorte aterrorizante que faz parte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado no mês passado. O levantamento aponta também que o número de mulheres que sofreu algum tipo de violência doméstica foi de 258.941 no ano passado, o que representa um aumento de 9,8% em comparação com os 12 meses anteriores.

O retrato do país que persegue o feminino é assustador, a despeito da Lei Maria da Penha, referência mundial no combate à violência doméstica contra meninas e mulheres. Na última quarta-feira, a legislação completou 18 anos, mas ainda com desafios para a sua aplicação. Se a lei é exemplar, é necessário discutir o aprimoramento das políticas públicas para o atendimento dessas vítimas.

Apesar dos avanços, reconhecidos por especialistas, a opressão ao feminino ainda é um dos principais problemas sociais do país. A violência que mira a mulher aumenta e, muitas vezes, choca pelo nível de crueldade. A redução da desigualdade de gênero e a ampliação do debate em torno do tema têm de ser encaradas com determinação, mobilizando toda a sociedade.

Nessa luta, a participação dos homens precisa ser mais efetiva. De muitas maneiras, eles devem repensar suas atuações diante da avalanche de casos de ataques às mulheres. Abuso, importunação sexual, perseguição, assédio e feminicídio — crimes que não dão trégua — precisam ser combatidos por toda população.

Medidas e discussões a partir do masculino podem contribuir de forma significativa para a proteção das mulheres. Acabar com o machismo e a misoginia é uma missão que cabe a todos. No dia a dia, observar atitudes e comentários pode fazer a diferença. Não é possível aceitar que amigos, colegas de trabalho e parentes apresentem sinais de desrespeito às mulheres sem serem repreendidos. Essa é uma postura óbvia, mas normalmente negligenciada. O posicionamento de cada um diante das ocorrências é determinante para que elas recuem.

A mobilização de mulheres e homens é o caminho para extirpar esse mal. E apenas o discurso masculino não basta. A luta contra a violência que aflige as mulheres tem de envolver desde os pequenos, com educação e conscientização, até os idosos. O Brasil precisa começar a se orgulhar também apresentando vitórias que garantam a total segurança às suas cidadãs.


 

 

 

 

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