Prefeitos que não deram fim a lixões precisam se explicar
O Globo
Brasil ainda tem 3.000 depósitos irregulares
que causam doenças e aumentam o aquecimento global
Se todo o lixo produzido no mundo a cada ano
fosse colocado em contêineres enfileirados, cobriria distância maior que uma
viagem de ida e volta à Lua. Jogados em lixões, os resíduos causam problemas de
saúde pública, contaminam o meio ambiente e produzem gases que provocam o
aquecimento global. Entre 400 mil e 1 milhão de pessoas morrem por ano de
doenças ligadas à má gestão do lixo, diz relatório recente da ONU.
Em tema tão premente, prefeitos brasileiros de diferentes regiões devem explicações. No Brasil, 33,3 milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos, ou 40% do lixo gerado, têm destinação inadequada, segundo a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (Abrema). A prática é um desrespeito à legislação e exige escrutínio de órgãos de controle.
Em 2010, foi sancionada a lei que criou a
Política Nacional de Resíduos Sólidos. O texto previa o fim dos lixões em
quatro anos. Diante de protestos contra o tempo exíguo, as regras foram
alteradas. O prazo final acabou no início de agosto.
Muitas prefeituras aproveitaram a prorrogação
para investir em aterros sanitários. São essas as obras que protegem o solo e
os lençóis freáticos, capturam parte do metano emitido e contam com licença
ambiental. Em 2018, Alagoas foi o primeiro estado a erradicar os lixões. Em
seguida, Rondônia fez o mesmo. Mato Grosso do Sul e Pernambuco estão próximos
dessa meta. Em vários casos, a pressão dos Tribunais de Contas e do Ministério
Público ajudou a acabar com a inércia. Em outros lugares, porém, o descaso prevaleceu.
Existem 3 mil áreas de depósito irregular de lixo no país. “Há cidades de todos
os tamanhos com lixões ativos”, diz o presidente da Abrema, Pedro Maranhão.
Aumentar o prazo mais uma vez, como defende
parte dos prefeitos, seria a alternativa equivocada. Fingir que a questão é
falta de tempo nunca resolverá o problema. Os desafios são de gestão e
investimento. Cada tonelada de resíduo custa, em média, R$ 90 para receber o
destino adequado. Embora a legislação permita a cobrança de taxa para cobrir o
serviço de manejo dos resíduos sólidos, apenas 437 dos 5.570 municípios
brasileiros adotaram a medida até abril deste ano, segundo levantamento feito
pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA).
Ao Jornal Nacional, o presidente da
Confederação Nacional de Municípios, Paulo Ziulkoski, declarou que faltam
recursos e defendeu um aporte do governo federal da ordem de R$ 45 bilhões. O
Ministério do Meio Ambiente tem uma estimativa mais realista. Para Adalberto
Maluf, secretário nacional de Meio Ambiente Urbano da pasta, o país precisa de
R$ 7 bilhões. A participação de empresas do setor privado na gestão do lixo
poderia render R$ 4 bilhões, e municípios e estados ficariam com o restante da
conta.
Muitas prefeituras sem um sistema de
tratamento adequado dos resíduos sólidos se destacam por obras eleitoreiras e
contratações de festas e shows por cifras elevadas. A atuação de órgãos de
controle deveria evitar que continuem a descuidar de forma irresponsável da
saúde pública, do combate ao aquecimento global e do meio ambiente.
Teste de drogas em motoristas deve elevar
segurança no trânsito
O Globo
Profissionais que transportam passageiros e
cargas terão exames surpresa a cada dois anos e meio
É acertada a decisão do governo federal de
apertar o cerco sobre o uso de drogas por motoristas profissionais. Desde o dia
1º de agosto, está em vigor uma portaria do Ministério do Trabalho e Emprego
determinando que empresas com motoristas de carga ou de transporte de
passageiros terão de realizar testes toxicológicos de surpresa em seus
funcionários.
Pelas normas, os motoristas deverão ser
selecionados por sorteio, de forma totalmente aleatória e sem comunicação
prévia. O exame precisa ser realizado previamente à admissão e ao desligamento
do empregado (como já era exigido), além de a cada dois anos e meio. O
objetivo, segundo o ministério, é controlar os riscos decorrentes do uso de
substâncias psicoativas que causem dependência ou que comprometam a capacidade
de direção.
A portaria do governo não deixa claro se a
norma também valerá para motoristas de aplicativos. O presidente do Instituto
de Tecnologias para o Trânsito Seguro (ITTS), toxicologista Márcio Liberbaum,
que participou dos debates sobre a nova resolução, disse ao GLOBO que por
enquanto as regras não incluem a categoria, a ser regulamentada posteriormente.
O ideal é que o tratamento seja o mesmo.
Liberbaum diz que o teste consegue detectar
se o condutor fez uso de droga num prazo de seis meses anterior à testagem. Se
o resultado for positivo, a empresa deverá encaminhar o motorista a um exame
clínico para que seja verificado se há dependência química. Segundo a
Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), a probabilidade de um motorista sob
efeito de droga se envolver num acidente de trânsito com morte é cerca de cinco
vezes maior em relação aos condutores que não a usaram (o grau de risco varia conforme
a substância).
Estudos mostram que a prevalência de drogas
psicoativas entre motoristas varia de 3,9% a 20%. Para enfrentar o problema, a
Opas recomenda, além das testagens, campanhas de conscientização.
O uso de drogas por motoristas profissionais
— muitas vezes com o objetivo de se manter acordados —não é o único problema
que contribuiu para a violência no trânsito. Ele é só mais um ao lado da
mistura de álcool e direção, da imprudência, do desrespeito às regras, de
estradas esburacadas, mal sinalizadas e de traçado obsoleto. Mas é fundamental
atuar também nessa frente, que geralmente fica relegada a segundo plano. Não se
sabe até que ponto as empresas respeitarão a nova norma — a periodicidade de
dois anos e meio é razoável. Mas espera-se que empregadores e empregados
atuando no transporte de passageiros e de cargas entendam a importância da
medida para prevenir acidentes graves e aumentar a segurança no trânsito, o que
deve ser do interesse de todos. De qualquer forma, o governo deve investir na
capacidade para fiscalizar o cumprimento da exigência.
IPCA sobe mais que previsto, mas alimentos
têm deflação
Valor Econômico
IPCA ainda dista da meta, mas não a ponto de justificar nova alta de juros
A inflação em julho subiu 0,38%, mais do que
o esperado pelos 41 analistas ouvidos pelo Valor e bem mais que a projeção do
Banco Central para o mês (0,12%). O IPCA está sendo puxado no ano por serviços
e pelos preços monitorados. Em 12 meses, o índice encostou no teto da meta de
inflação, 4,5%. Paradoxalmente, no acumulado do ano até julho, 2,87% é a menor
taxa desde 1998, quando foi de 1,65%.
A alta do IPCA não chegou exatamente a
surpreender. A inflação foi bem baixa no mesmo mês do ano passado (0,12%) e, na
comparação anual com agosto, setembro e outubro, as leituras serão pequenas,
entre 0,23% e 0,26%. A média mensal do IPCA ao longo de 2024 tem sido mais
alta, mas não é difícil que a inflação em 12 meses caia em agosto, se os preços
dos alimentos se comportarem bem.
Há dados positivos no índice. Os preços de
alimentos e bebidas tiveram deflação (-1%) em julho, a maior para o mês desde
1999. Esses itens têm o maior peso no IPCA, e foram puxados para baixo pela
queda de 1,51% na alimentação no domicílio. Tiveram impacto de -0,22 ponto
percentual, o suficiente para anular altas observados em seis dos nove grupos
que compõem o IPCA, com exceção de transportes, que contribuiu com 0,37 ponto
percentual.
A elevação dos preços dos alimentos em Porto
Alegre contribuiu para inflar o IPCA de junho, colocando um ponto de
interrogação sobre a evolução dos preços no resto do ano. Porto Alegre puxou
agora a variação para baixo dos preços dessa categoria, com uma deflação
superior à média, de -1,62%, só inferior à contribuição no mesmo sentido de
Vitória (-1,95%). A inflação, por outro lado, está também menos espalhada. O
índice de difusão geral, que mede a porcentagem do número de itens que
aumentaram em relação ao total, recuou de 53,5% em junho para 46,9%.
Mas as advertências da ata do Copom parecem
estar sendo confirmadas, o que não é bom sinal. Segundo o IBGE, a inflação de
serviços voltou a subir e chegou a 0,75% no mês e 5,01% em 12 meses. Serviços,
segundo o BC, assumiram papel preponderante no processo inflacionário, mas, por
outro lado, a alimentação no domicílio, sobre a qual a ata afirmara que deixara
de contribuir para derrubar a inflação, surpreendeu positivamente. O setor de
serviços está sendo puxado pelo aumento do emprego e da renda, de forma que não
é de se esperar que deixem de oferecer alguma resistência à queda do IPCA, a
menos que a economia desaqueça significativamente, o que não vai acontecer.
A inflação de julho teve dois fatores de
pressão preponderantes. O item que individualmente mais colaborou para elevar o
IPCA do mês foi a gasolina, com 0,16 ponto percentual. A variação de
transportes, com 0,37 ponto percentual, teve influência marcante dos preços de
passagens aéreas (julho é mês de férias), um indicador que vem variando na casa
dos dois dígitos para cima ou para baixo nos últimos meses. Os combustíveis, em
12 meses, estão com altas fortes, somando 9,08%. O óleo diesel foi majorado em 18,14%
no período.
Isso faz com que a variação em 12 meses dos
preços administrados, como combustíveis e energia, tenha sido maior do que a de
serviços. Com peso perto de um terço no índice, avançaram 7,04% no acumulado
até julho. A energia residencial aumentou 1,93% em julho. A projeção para os
preços monitorados no cenário de referência utilizado pelo BC é de 5% em 2024.
Ela parece subestimada, mas pode estar correta se não houver surpresas no resto
do ano. A bandeira de energia, que se tornou amarela no mês passado e elevou a
conta de luz, voltou a ser verde em agosto. Quanto ao petróleo, rondam grandes
incertezas, diante da possibilidade de aumento da tensão no Oriente Médio a
partir do temor de um enfrentamento mais amplo entre Irã e Israel, que jogaria
as cotações para o alto.
Determinante para o efeito doméstico das
commodities em geral, o dólar deverá perder fôlego depois da escalada de
junho-julho, quando chegou a R$ 5,75. A valorização da moeda americana inverteu
seu rumo nos últimos dias - na sexta-feira sua cotação fechou em R$ 5,51. Em
agosto, o dólar recua 2,53%, em um movimento que pode afastar o pior cenário:
sua permanência nos níveis de fim de julho, o que teria efeito certo altista
nos preços domésticos, um dos riscos apontados pela ata do Copom. O esperado
início do corte de juros pelo Fed (o banco central americano), em agosto ou
setembro, deverá retirar um pouco mais de fôlego do dólar ante o real.
A média dos cinco núcleos de inflação
acompanhados pelo BC subiu em julho, alcançando 3,83% em 12 meses. A inflação
cheia, porém, vai fechar o ano abaixo de 4,5%, como preveem a maioria dos
analistas - 4,12% de acordo com a mais recente pesquisa do Focus. O IPCA ficará
então distante da meta, como é consenso entre analistas e BC, mas não a ponto
de justificar uma elevação dos juros no curto prazo, que seguem no terreno
contracionista. A perspectiva mais otimista, por enquanto, não é boa. Para a
inflação se aproximar dos 3% será preciso manter a Selic em 10,5% por seis
trimestres. O governo poderá melhorar muito esse cenário superar a enorme
descrença e cumprir a meta fiscal.
Gasto insustentável já mostra conta a Lula
Folha de S. Paulo
Despesas obrigatórias consumirão quase todo o
Orçamento extra de 2025; políticas públicas terão de ser comprimidas
Aproxima-se o momento inevitável em que o
governo petista precisará lidar com o crescimento insustentável dos gastos
obrigatórios no Orçamento. Luiz Inácio Lula da
Silva ainda resiste, mas se não tomar decisões politicamente difíceis correrá
grande risco de instabilidade econômica na segunda metade de seu terceiro
mandato.
Segundo estudo da consultoria da Câmara dos
Deputados, divulgado pelo jornal Valor Econômico, praticamente todo
o espaço aberto pelas regras do marco fiscal para novas despesas em 2025 será
consumido pelas rubricas obrigatórias, em que o governo é quase um mero
repassador de pagamentos.
Pelas normais atuais, o dispêndio pode
crescer no ritmo de 70% da alta da arrecadação, com teto de 2,5% e piso de 0,6%
ao ano acima da inflação —mesmo
em caso de frustração na coleta de impostos.
Seguindo tais parâmetros, o espaço para mais
gasto no próximo ano é estimado em R$ 138,3 bilhões. Desse montante, nada menos
que R$ 135 bilhões deverão ser direcionados a aposentadorias e pensões,
salários do funcionalismo e outras transferências sociais.
Como tem sido o caso nas últimas décadas, os
recursos disponíveis para outras políticas públicas e investimentos vão sendo
comprimidos, desequilibrando a prestação de serviços do Estado.
A raiz do problema, como se sabe, está nas
regras que corrigem as despesas. Grande parte dos benefícios previdenciários,
trabalhistas e assistenciais segue a variação do salário
mínimo, que é reajustado acima da inflação por
decisão política do governo endossada pelo Congresso, que não
fizeram contas do impacto no Orçamento.
Corrigir o piso salarial de modo a partilhar
os ganhos de produtividade com os trabalhadores é um direcionamento correto,
mas para tanto seria preciso desvincular o valor das aposentadorias e outros
benefícios, que devem apenas acompanhar a inflação de modo a proteger o poder
de compra.
Outra inconsistência é a indexação dos
aportes em saúde e educação,
que acompanham a expansão das receitas, em desalinho com a regra básica do
marco fiscal.
O resultado aritmético é o continuado aumento
do peso de tais setores, em prejuízo do restante do funcionamento da máquina
pública. Alinhar os parâmetros de correção é medida óbvia, que depende de
mudança constitucional.
Sem enfrentar o problema, o governo procura
ganhar tempo por meio de revisões nos programas, com economia estimada de R$
25,9 bilhões em 2025, e outras medidas corretas, mas paliativas.
A demora resultará tão somente em
enfraquecimento do Estado diante do progressivo
engessamento da despesa orçamentária.
A ditadura descartável
Folha de S. Paulo
Governo Lula endurece com regime de Ortega;
falta fazer o mesmo com a Venezuela
A diplomacia de Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) parece saber com qual ditadura de
esquerda pode brigar. A mais recente diatribe da Nicarágua de Daniel Ortega foi
rebatida com a expulsão de
sua embaixadora no Brasil, Fulvia Patricia Castro Matus, na semana
passada.
O Itamaraty reagiu
corretamente, com base no princípio de reciprocidade nas relações diplomáticas.
O regime nicaraguense, que sempre encontrou apoio nos governos petistas, desta
vez não obteve a complacência do Planalto.
No dia anterior, o embaixador do Brasil em
Manágua, Breno Dias da Costa, havia sido expulso do país por não ter
comparecido à celebração dos 45 anos da vitória da Revolução Sandinista,
comandada por Ortega. Relevante, para a ditadura, foi o fato de Dias da Costa
ter seguido orientação do Itamaraty.
Em situações semelhantes, o diálogo bilateral
perde densidade, mas não se extingue. Nesse caso, porém, o canal diplomático
esgotou-se em plena gestão de Lula.
A crise mostrou-se inevitável na medida em
que fracassaram os movimentos do brasileiro pela moderação do regime. A
intercessão do petista, a pedido do papa
Francisco, pela libertação de sacerdotes católicos presos
arbitrariamente jamais foi perdoada por Ortega.
O governo Lula ainda tentou, de modo
vexatório, preservar o diálogo com Manágua. Prova disso foi sua recusa em
unir-se a 55 membros do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas que
condenaram a Nicarágua por crimes contra a humanidade, em 2023.
Para amenizar sua impostura, o Brasil na
ocasião se disse pronto a acolher nicaraguenses expulsos pelo regime. Em
correção de rumo, três meses depois, endossou declaração da Organização dos
Estados Americanos que cobrava do país respeito ao Estado de Direito.
Nos seus governos anteriores, Lula jamais
vislumbrou tais passos, mesmo diante das evidências inequívocas de prisões
arbitrárias, execuções extrajudiciais, torturas e destruição paulatina das
instituições democráticas promovidas por seus companheiros da esquerda na Venezuela e
na Nicarágua.
Desta vez, a
cumplicidade com ditaduras cobra um preço doméstico.
O jogo de perde-perde de Lula
O Estado de S. Paulo
Casos da Venezuela e da Nicarágua mostram
como o Brasil tem sido desmoralizado na região que supostamente deveria
liderar, a despeito da condescendência de Lula com essas ditaduras
Não bastassem os esforços do governo Lula
para contemporizar as atrocidades cometidas por Nicolás Maduro na Venezuela,
agora o “companheiro” Daniel Ortega, o ditador nicaraguense, acrescentou um
grão de sal à desmoralização do Brasil na região a qual o País supostamente
deveria liderar. Ortega expulsou o embaixador brasileiro, em razão de sua
ausência numa celebração propagandística da Revolução Sandinista. Lula, por sua
vez, encheu-se de brios e expulsou a embaixadora da Nicarágua. Muito pouco,
muito tarde.
Mesmo com toda a deferência de Lula a Maduro,
o ditador venezuelano trata com total desdém as solicitações do companheiro
brasileiro para que comprove sua alegada vitória eleitoral. Antes das eleições,
Maduro ridicularizou as supostas apreensões de Lula e ainda insultou o Brasil
ao questionar a idoneidade do nosso sistema eleitoral.
Se fosse só ingratidão pela longa ficha de
serviços prestados por Lula às ditaduras de extrema esquerda, esses episódios
se prestariam apenas a alimentar um exame de consciência do PT. Mas, muito além
disso, eles ilustram a completa incapacidade do governo brasileiro de exercer
influência numa zona de interesse natural, como a América Latina, em que o
Brasil é a maior economia. O teste de realidade está dizimando as fantasias de
Lula e seu ideólogo Celso Amorim de uma liderança regional supostamente alavancada
por seus laços com as lideranças de esquerda.
O recado de ditadores como Maduro e Ortega é
inequívoco: quem manda são a China e a Rússia, que financiam e armam países
dispostos a enfrentar o Ocidente em geral e os Estados Unidos em particular. Na
prática, o apoio do Brasil se tornou dispensável para esses tiranos, e se isso
deixa Lula aflito, que tome “chá de camomila”, conforme receitou o insolente
Maduro.
Lula parece perdido entre as ilusões de que o
Brasil poderia liderar o movimento regional do tal “Sul Global” contra as
nações ricas e o “imperialismo estadunidense” e a realidade de que o País é
hoje um peão no Grande Jogo sino-russo na América Latina. Os ideólogos petistas
presumem que o eixo global de poder está mudando definitivamente e que o Brasil
precisa se alinhar aos vencedores, isto é, China e seus satélites. E é por isso
que o Brasil de Lula, sob o manto do “pragmatismo”, tem sido vergonhosamente
condescendente com a violência dos companheiros Maduro e Ortega, sem que o País
tenha nenhum ganho com isso.
Assim como os interesses nacionais ditam um
posicionamento independente na guerra fria entre China e EUA, o pragmatismo
impõe, sim, cuidados diplomáticos para defender esses interesses junto aos
donos do poder na Venezuela. Mas esquerdistas insuspeitos, como o presidente
chileno, Gabriel Boric, mostram que é possível exercer esse pragmatismo sem
conspurcar valores fundamentais, como a defesa da democracia e da soberania do
povo venezuelano e de seus direitos humanos.
Sem o poder das armas ou do dinheiro, o
Brasil construiu, desde os tempos do Império, uma sofisticada máquina
diplomática para exercer o chamado “soft power” e navegar com equilíbrio entre
as rivalidades geopolíticas de grandes potências. Que Lula jogue essa tradição
no lixo e sobreponha suas afinidades e fidelidades aos princípios
constitucionais das relações exteriores – como a promoção da democracia ou a
defesa dos direitos humanos – é deplorável, mas não surpreendente. Esse sempre
foi o padrão. O surpreendente é que essas atitudes não entregam sequer as
prometidas contrapartidas. Ninguém escolhe o Brasil como destino de
investimentos em razão do palavrório supostamente humanitário de Lula sobre a
guerra na Ucrânia ou em Gaza. E as promessas de liderança regional na América
Latina se decompõem a olhos vistos.
O rei está nu, e os delírios de Lula de
encerrar sua carreira como “líder do Sul Global”, quando não um “príncipe da
paz universal”, são triturados sob a Realpolitik de China e Rússia. O
choque de realidade seria um problema tão somente para Lula, se o seu
anacronismo, seu revanchismo e sua pusilanimidade não estivessem arrastando
consigo a reputação e os interesses do Brasil.
O 13º da conta de luz
O Estado de S. Paulo
Emendas incluídas no marco regulatório para
eólicas em alto-mar, além de incentivar a energia poluente, fariam consumidor
pagar o equivalente a mais uma conta de luz por ano
O consumidor brasileiro pode pagar o
equivalente a uma conta de luz a mais por ano para bancar novos subsídios ao
setor elétrico, resultado dos “jabutis” inseridos por deputados federais no
projeto que cria o marco regulatório para usinas eólicas em alto-mar
(offshore), que irá a votação no Senado nas próximas semanas. O cálculo, feito
pela Abrace Energia, mostra que a tarifa média paga por cada consumidor hoje é
de R$ 168,15, e os jabutis representarão, em média, um extra de R$ 221,96 por
ano em cada conta de luz.
Jabuti é o termo que define os “contrabandos”
anexados por parlamentares a projetos em discussão – grande parte das vezes sem
a menor relação com o texto original – para passar matérias de seu interesse.
Foi popularizado por Ulysses Guimarães quando presidia a Câmara e costumava
repetir, ao identificar esse tipo de emenda, que “jabuti não sobe em árvore, se
está lá foi água de enchente ou mão de gente”.
O principal objetivo do projeto é garantir a
ampliação da oferta de energia limpa com as eólicas offshore, mas, como não
bastasse a carona indesejada, os jabutis vão inclusive na direção oposta,
incentivando o uso de usinas a carvão e gás, além do financiamento da
construção de gasodutos para levar o combustível a termoelétricas que ainda nem
existem. Tudo isso à custa dos usuários de energia elétrica de todo o País que
arcarão com a despesa em suas tarifas mensais.
Como mostrou reportagem do Estadão, o
projeto, que iniciou seu trâmite no Senado, ao chegar à Câmara foi usado para
acomodar várias outras propostas, aprovadas em plenário praticamente sem
debate. Em dezembro do ano passado, estudo apresentado durante encontro de
entidades setoriais detalhou cálculos que estimam em R$ 25 bilhões por ano, até
2050, os impactos dessas emendas, o que equivale ao total de R$ 658 bilhões.
Encargos e impostos que bancam subsídios
concedidos pelo governo já absorvem quase metade do valor atual das contas de
luz. Parte considerável dessa distorção é resultado direto da marra populista
da então presidente Dilma Rousseff, que em 2012 decidiu baixar a tarifa por
medida provisória, estratégia que, por óbvio, fracassou, deixando um enorme
passivo na Conta de Desenvolvimento Econômico (CDE). Para piorar, o Tesouro,
que bancava os subsídios aportando recursos na CDE, deixou de fazê-lo, e toda a
conta ficou com os consumidores.
O crédito tomado pelas distribuidoras para
suportar o baque nas receitas durante a pandemia de covid está embutido na
conta de luz; os prejuízos da seca histórica de 2021 e 2022 que afetou os
reservatórios também. E, de forma espantosa, Lula da Silva resolveu repetir a
inconsequência de Dilma com outra medida provisória que autorizou o governo a
tomar empréstimo para pagar os créditos assumidos em nome dos consumidores.
Trata-se de operação, já em curso, de
securitização de R$ 20 bilhões que a União teria a receber em três décadas da
Eletrobras como parte do processo de privatização. Ou seja, uma antecipação,
com emissão de títulos e pagamento de juros. Diz o governo que a previsão é de
baixar entre 2,5% e 10% as contas de luz. Ainda que o cálculo esteja correto,
será mais uma ilusão de curto prazo que, como a experiência já comprovou, não
tardará a causar mais um passivo de grande monta.
Já o projeto das eólicas offshore, se receber
a aprovação do Senado com todos os jabutis que carrega, não apenas representará
custo adicional aos consumidores, como vai pressionar a inflação e ampliar o
entrave à competitividade industrial. Espera-se do Senado o debate técnico que
não houve na Câmara para eliminar essas distorções e malandragens.
Afinal, a transição energética dita a pauta
mundial, e não há como explicar o prolongamento por mais dez anos, até 2050,
das poluentes usinas a carvão. Além disso, está cada vez mais claro que a conta
de luz serve para pagar muito mais do que o consumo de energia elétrica,
funcionando como uma espécie de imposto para financiar a construção de
gasodutos em direção a usinas térmicas ainda inexistentes e linhas de
transmissão, sem necessidade de brigar por verbas no Orçamento. Os jabutis são
muito espertos.
Peculiar conceito de trabalho no MP
O Estado de S. Paulo
Promotores querem folgas para dar conta do
trabalho; no fundo, só querem mais salário
Os promotores e procuradores de Justiça de
São Paulo parecem ter um conceito muito peculiar de trabalho, segundo o qual,
quando há excesso de trabalho, deve-se trabalhar menos, não mais, para colocar
o serviço em dia. Somente essa subversão da lógica explicaria a reivindicação
feita pelos integrantes do Ministério Público (MP) paulista para que se amplie
de três para dez dias as folgas que podem gozar por mês em razão de um suposto
acúmulo de acervo processual.
Um trabalhador comum, se desafiado a executar
uma carga maior de serviço, terá de trabalhar mais para executar essa tarefa,
e, como contrapartida, receberá hora extra, conforme previsto na legislação
trabalhista, ou contabilizará banco de horas. Mas, como os promotores e
procuradores, ao que tudo indica, não são trabalhadores comuns, quando acumulam
serviço sobre os quais são os únicos responsáveis, querem trabalhar menos. Ou
trabalham pouco ou trabalham mal – talvez, os dois.
Não parece justificável tanta exaustão, a
ponto de se buscar mais tempo para o ócio. Não há relato de que promotores e
procuradores sejam submetidos a duras condições de trabalho. Ademais,
diferentemente do resto dos mortais brasileiros, desfrutam de 60 dias de férias
ao ano e, como parte da elite do funcionalismo, são muito bem pagos para dar
conta de seus afazeres em troca de prestação de serviço com agilidade e
qualidade aos cidadãos. Hoje, em São Paulo, o salário inicial no MP é de R$
30,6 mil e, quando se alcança o topo, chega a R$ 37,6 mil. Trata-se de uma
contrapartida nada desprezível.
Contudo, como se sabe, esse ganho pode ser
maior. São muitas as estratégias que podem levar ao incremento da renda mensal,
que, não raro, fazem com que boa parte dos integrantes das carreiras jurídicas
ganhe acima do teto constitucional, hoje de R$ 44 mil. São subterfúgios,
popularmente conhecidos como penduricalhos, que garantem pela via
administrativa, e, sobretudo, com dribles ao Legislativo, remunerações
generosas. E, ao fim e ao cabo, o pleito dos promotores e procuradores de São
Paulo é só mais um deles.
Isso ocorre porque, no fundo, o pedido feito
pela Associação Paulista do Ministério Público ao procurador-geral de Justiça,
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, busca engordar ainda mais o contracheque dos
promotores e procuradores, haja vista que essas folgas podem ser convertidas em
dinheiro, e fora do teto. Reclamam os integrantes do MP o fato de o Judiciário
paulista já conceder dez dias de folga – ou seja, mais dinheiro – aos
magistrados que supostamente trabalham demais. Sem mencionar estimativas de impacto
financeiro, querem, ainda, o pagamento de retroativos desde maio de 2022,
quando a chamada licença compensatória foi instituída pelo Conselho Nacional do
Ministério Público.
Ora, os promotores e procuradores paulistas
mal conseguem esconder que o verdadeiro interesse que está por trás da falácia
do trabalho excessivo e das folgas é meramente financeiro. Esse tipo de
estratagema, sim, é motivo de muito cansaço, mas dos cidadãos, que já estão
fartos de arcar com tantos privilégios.
Brasileiras vencedoras e desprotegidas
Correio Braziliense
O retrato do país que persegue o feminino é
assustador, a despeito da Lei Maria da Penha
O Brasil que viu as atletas conquistarem
medalhas e orgulharem a nação nas Olimpíadas 2024 precisa se debruçar ainda
mais sobre a questão da violência de gênero. O país que acompanhou Rebeca
Andrade e suas colegas da ginástica, Beatriz Souza, Rafaela Silva, Duda, Ana
Patrícia, Bia Ferreira, Larissa Pimenta, Tatiana Weston-Webb, Rayssa Leal e as
jogadoras do futebol e do vôlei mostrarem força e competência para chegar ao
pódio não oferece segurança para que meninas e mulheres vivam sem medo.
O triunfo feminino em Paris comprova o que o
cotidiano escancara em território nacional: o talento e a capacidade de
superação das brasileiras em todas as atividades, incluindo o esporte de alta
performance. Os discursos conscientes das nossas representantes nos Jogos,
únicas a garantirem o ouro, precisam ser uma indicação a mais da necessidade
premente de eliminar os ataques às mulheres.
Em 2023, o Brasil registrou um crime de
estupro a cada seis minutos. Com o total de 83.988 casos e aumento de 6,5% em
relação a 2022, um triste recorde foi registrado. As mulheres são a maioria das
vítimas e os agressores estão, na maior parte das vezes, dentro de casa. Esse é
um recorte aterrorizante que faz parte do Anuário Brasileiro de Segurança
Pública, divulgado no mês passado. O levantamento aponta também que o número de
mulheres que sofreu algum tipo de violência doméstica foi de 258.941 no ano passado,
o que representa um aumento de 9,8% em comparação com os 12 meses anteriores.
O retrato do país que persegue o feminino é
assustador, a despeito da Lei Maria da Penha, referência mundial no combate à
violência doméstica contra meninas e mulheres. Na última quarta-feira, a
legislação completou 18 anos, mas ainda com desafios para a sua aplicação. Se a
lei é exemplar, é necessário discutir o aprimoramento das políticas públicas
para o atendimento dessas vítimas.
Apesar dos avanços, reconhecidos por
especialistas, a opressão ao feminino ainda é um dos principais problemas
sociais do país. A violência que mira a mulher aumenta e, muitas vezes, choca
pelo nível de crueldade. A redução da desigualdade de gênero e a ampliação do
debate em torno do tema têm de ser encaradas com determinação, mobilizando toda
a sociedade.
Nessa luta, a participação dos homens precisa
ser mais efetiva. De muitas maneiras, eles devem repensar suas atuações diante
da avalanche de casos de ataques às mulheres. Abuso, importunação sexual,
perseguição, assédio e feminicídio — crimes que não dão trégua — precisam
ser combatidos por toda população.
Medidas e discussões a partir do masculino
podem contribuir de forma significativa para a proteção das mulheres. Acabar
com o machismo e a misoginia é uma missão que cabe a todos. No dia a dia,
observar atitudes e comentários pode fazer a diferença. Não é possível aceitar
que amigos, colegas de trabalho e parentes apresentem sinais de desrespeito às
mulheres sem serem repreendidos. Essa é uma postura óbvia, mas normalmente
negligenciada. O posicionamento de cada um diante das ocorrências é
determinante para que elas recuem.
A mobilização de mulheres e homens é o caminho para extirpar esse mal. E apenas o discurso masculino não basta. A luta contra a violência que aflige as mulheres tem de envolver desde os pequenos, com educação e conscientização, até os idosos. O Brasil precisa começar a se orgulhar também apresentando vitórias que garantam a total segurança às suas cidadãs.
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