O Globo
Não basta o governo se unir ao setor privado
na tentativa de resolver o problema. Essa não é a solução
Apesar do nosso respeito pelo autor do artigo
“Parcerias contra a crise dos hospitais federais no Rio”, publicado
pelo GLOBO na semana passada, não podemos concordar com suas teses sobre a
crise dessas unidades. Fazer parte da democracia é ter o direito de discordar e
apresentar uma visão distinta sobre um problema tão complexo. Desde a
promulgação da Constituição de 1988, até hoje nada foi feito para livrar esses
hospitais das muitas dificuldades que enfrentam.
Só quando o programa Fantástico revelou a situação precária dessas unidades, o governo federal parece ter despertado para a gravidade do problema e apresentado soluções atabalhoadas, sem ouvir o controle social previsto na Lei 8.142 de 1990 e sem abrir um diálogo efetivo com as instituições representativas da sociedade civil. Para quem defende o SUS, essa postura é um erro grave.
O Conselho Municipal de Saúde do Rio de
Janeiro já se posicionou contra as propostas apresentadas pelo governo até o
momento, pois elas representam um risco de privatização e desrespeito à
Constituição Federal, que estabelece a saúde como um direito de todos e dever
do Estado.
Ao longo dos anos, o governo federal
abandonou deliberadamente esses hospitais, permitindo que deputados indicassem
as direções das unidades e a gestão fosse feita para satisfazer interesses
político-partidários, em vez de priorizar o atendimento à população. Essa é a
verdadeira raiz da crise, que não é de hoje, mas vem se acumulando há décadas.
Além disso, o Poder Executivo não realiza
concursos públicos há mais de 20 anos, o que resultou numa perda enorme da
força de trabalho, sem a devida reposição. Instituições como a Fiocruz,
reconhecida pela sua excelência na formação de gestores públicos, poderiam ter
sido convocadas pelo Ministério da Saúde para oferecer treinamento e apoio à
gestão desses hospitais. No entanto, essa iniciativa nunca foi tomada,
contribuindo para a precarização e partidarização das unidades.
Não basta o governo se unir ao setor privado
na tentativa de resolver o problema. Essa não é a solução. Esses hospitais
federais são e sempre serão referências locais e nacionais, desde que tratados
com o devido respeito e com o cumprimento da legislação do SUS. Vale destacar
que quase todas as unidades públicas têm a presença do setor privado em suas
instalações, distorcendo a regra constitucional de que o privado é complemento.
Aqui incluo as instituições que são chamadas de públicas, mas não dizem que são
de direito privado. Guiam-se pelas regras do setor privado, utilizando grandes
somas do dinheiro público que deveria ir diretamente para essas instituições.
As greves nos hospitais universitários revelaram as fragilidades dessa
parceria.
Portanto, a crise dos hospitais federais no
Rio de Janeiro é, de fato, inteira responsabilidade do Ministério da Saúde,
que, ao longo dos anos, abandonou as unidades, permitiu a interferência
política e a precarização do quadro de servidores. A solução passa,
necessariamente, pelo fortalecimento do setor público, com a realização de
concursos, o estabelecimento de uma carreira que incentive esses profissionais,
a valorização da gestão pública e o investimento na manutenção e modernização
de tais estruturas, tão importantes para o atendimento à saúde da população.
Presidente Lula, sendo o senhor um democrata
e defensor do SUS, solicitamos que suspenda as medidas propostas pelo
Ministério da Saúde e nos receba, a fim de estabelecermos um diálogo
democrático. Ouça a todos nós, para que, juntos, encontremos uma solução em
favor do SUS.
*Jorge Darze é diretor da Federação Nacional dos Médicos
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