Senado precisa rejeitar mudança na Lei da Ficha Limpa
O Globo
Projeto aprovado na Câmara abranda a punição
para políticos condenados por corrupção e outros crimes
O Senado adiou ontem a votação do Projeto de
Lei Complementar que atenua a Lei da Ficha Limpa, aprovado pela Câmara em
setembro. Quando voltar à pauta, os senadores deveriam rejeitá-lo. O texto,
concebido apenas para beneficiar a classe política, é contrário aos interesses
da sociedade e representa um retrocesso institucional.
A Lei da Ficha Limpa foi resultado de uma longa mobilização da sociedade brasileira por maior idoneidade de candidatos a cargos públicos. Depois da coleta de assinaturas ao longo de 14 anos, o Projeto de Lei por iniciativa popular foi aprovado e sancionado em 2010. Com a Lei da Ficha Limpa, se tornaram inelegíveis os condenados por decisão colegiada (segunda instância), na Justiça ou em outras esferas. As regras também tornaram inócua a estratégia de renunciar às vésperas da condenação para escapar de punição. De lá para cá, por mais que tenha demonstrado limites, a lei representou um avanço, com o fim da política como porto seguro para condenados, em particular nos casos de improbidade ou corrupção.
Daí o espanto e a revolta com a tentativa de
modificá-la. O texto aprovado na Câmara, que precisa ser barrado pelo Senado,
atenua a punição aos condenados. Os deputados não mexeram na pena máxima, que
continua a ser de oito anos de inelegibilidade. Mas, ao alterar o início da
vigência, na prática a tornaram mais branda.
Desde que foi sancionada, a Lei da Ficha
Limpa prevê, para condenados na Justiça, inelegibilidade a partir do final do
cumprimento da pena judicial. Quem é condenado por uma década não pode,
portanto, concorrer por 18 anos. Pelo projeto aprovado pelos deputados, porém,
o prazo passaria a contar do momento da condenação na segunda instância. Com
isso, os condenados descontariam dos oito anos de inelegibilidade a pena
judicial. Se alguém é condenado a dez anos, já poderia concorrer dois anos
antes de terminar de cumpri-la. A mesma lógica vale para cassados pelo
Legislativo ou pela Justiça Eleitoral.
A Associação Brasileira de Eleitoralistas,
entidade que reúne advogados (incluindo um dos redatores da Ficha Limpa),
chamou o projeto de “gravíssimo retrocesso para as normas eleitorais”. No
entender do procurador Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito
Corrupção, a medida enfraquece o sistema democrático por abrandar “normas
voltadas à garantia de sua higidez, mediante o afastamento de personagens que
já se mostraram objetivamente indignos de representar o eleitor brasileiro”.
O Congresso já perde credibilidade cada vez
que um deputado ou senador cometem crime ou irregularidade, depois exposto à
opinião pública. Perderá ainda mais se promover, em benefício próprio,
retrocesso em tema tão premente como a criminalidade na política, dando as
costas para a sociedade. E minará a própria confiança na democracia. Os
deputados cometeram um grave erro ao aprovar as mudanças na Ficha Limpa, mas o
Senado tem a chance de recobrar a seriedade ao rejeitar a ideia de apressar a
volta dos corruptos e de outros criminosos à vida pública.
Casos contra Google abrem caminho a
jurisprudência sobre monopólio digital
O Globo
Governo americano informou que pedirá divisão
da empresa, acusada de atentar contra a concorrência
Decisões recentes da Justiça americana
anunciam tempos difíceis para as plataformas digitais. O alvo das duas últimas
é a Alphabet, empresa dona do Google (mecanismo
de busca predominante na internet), do YouTube (maior site de vídeos on-line) e
do Android (sistema mais usado em celulares). Os casos terão impacto em todo o
universo digital.
Em agosto, o juiz Amit Mehta, de Washington
(DC), decidiu que o Google abusa de seu monopólio nas buscas. O Departamento de
Justiça informou ontem que, para remediar o abuso, poderá pedir a divisão da
empresa. Ao arbitrar a sentença de outro caso em que a Alphabet foi condenada
por abuso de monopólio, o juiz James Donato, de San Francisco, determinou a
alteração de regras lesivas a desenvolvedores de aplicativos para Android.
No cerne desse processo, aberto pela Epic
Games, a Justiça considerou que a Alphabet usa o acesso à loja de aplicativos
para impor taxas abusivas aos desenvolvedores e ainda os impede de cobrar dos
usuários. Donato determinou que o Google não poderá mais impor restrições aos
desenvolvedores na forma de taxas, divisão de lucros ou “acesso a qualquer
produto ou serviço do Google”. Também não poderá impedir os desenvolvedores de
avisar aos usuários que podem fazer assinaturas fora do Android. Está proibido,
ainda, de forçar fabricantes de celulares a instalar o aplicativo Google Play e
de determinar seu lugar na tela dos aparelhos. Tampouco poderá impedir que o
usuário baixe aplicativos concorrentes.
Antes do julgamento, a Alphabet fechou acordo
com outra empresa que fazia acusações semelhantes e com 50 estados americanos
que as endossavam. Mas a Epic não desistiu. Com a vitória na Justiça, a partir
de 1º de novembro o Android terá de permitir que os desenvolvedores instalem
suas próprias lojas nos celulares.
Dona do mecanismo de busca e do sistema
operacional, a Alphabet afirmou que recorrerá da decisão. É provável que o caso
chegue à Suprema Corte, para onde já foi encaminhado outro processo semelhante,
aberto pela Epic contra a Apple (também acusada de impor regras draconianas
contra os desenvolvedores na App Store). Naquele caso, decidido em dezembro de
2021, a Epic perdeu, mas o juiz permitiu que passasse a cobrar dos usuários
fora da loja da Apple. Ambas as partes recorreram. Ao decidir sobre os recursos,
a Suprema Corte deverá estabelecer uma jurisprudência sobre a livre
concorrência no mercado digital americano.
No caso de Washington, o Departamento de
Justiça tem até novembro para apresentar sua proposta de sanção à Alphabet, e a
empresa poderá responder até dezembro. Também é provável que, diante de uma
decisão contrária como a cisão, o Google leve o caso à Suprema Corte. Na
Europa, vários outros casos acusam as plataformas digitais de violar os
princípios da livre concorrência, prejudicando o avanço tecnológico e impedindo
que os usuários tenham mais opções de preços e serviços. Como as leis europeias
são mais rígidas que as americanas, a derrota por lá é ainda mais provável.
IPCA chega perto do teto, e incerteza fiscal
eleva juros
Valor Econômico
O governo deveria se esforçar para cortar gastos e buscar o teto da meta fiscal, não seu piso, mirando um superávit primário de 0,25% do PIB, ou maior, em 2025, como era o plano original
O governo está pagando mais na emissão de
títulos para rolar uma dívida que só cresce. Para os vencimentos de maio de
2027, a NTN-B registrou taxa de juros 6,7% acima da inflação (Valor, ontem). Em 2015, quando
a presidente Dilma Rousseff já se via às voltas com uma recessão intensa e
caminhava para ter os malabarismos fiscais de sua gestão condenados pelo
Congresso, o mesmo título exigiu do Tesouro juros de 7,53% mais a variação do
IPCA. Apesar de a taxa ser maior então, os juros altos são mais desfavoráveis
agora. O governo de Dilma trouxe de volta os déficits fiscais, após uma década
de superávits. O governo Lula aprofunda déficits que perduram por uma década,
com pausa cheia de truques em 2022, último ano do mandato de Jair Bolsonaro.
Apesar do crescimento da economia, da
arrecadação advinda dessa expansão e das medidas para aumentar as receitas da
União, os juros de curto prazo vão subir ainda mais. O Comitê de Política
Monetária decidiu iniciar um novo ciclo de alta e, no caso dos títulos
indexados à inflação, seu custo aumentará duplamente, porque a inflação também
está subindo. Ontem, o IPCA de setembro registrou 0,44% e, em 12 meses, de
4,42%, a pouca distância do teto da meta de inflação de 4,5%, que provavelmente
será ultrapassada até o fim do ano.
O governo avalia que o déficit público poderá
atingir 0,25% do PIB, o piso do novo regime fiscal, excetuando créditos
extraordinários de R$ 40,5 bilhões para combater as enchentes no Rio Grande do
Sul e o fogo do Sudeste à Amazônia. No entanto, o esforço fiscal se mostrou
pequeno e insuficiente para deter um avanço do endividamento de mais de 5
pontos percentuais do PIB em um par de anos, uma trajetória semelhante à que
trilhou a desastrosa gestão de Dilma Rousseff. Os gastos obrigatórios estão
crescendo muito acima do esperado com o novo regime fiscal e dando à economia
um ritmo mais veloz do que a expansão da oferta de bens e serviços.
Um triênio de avanço do PIB na faixa de 3%,
que não ocorre há dez anos, deveria ser suficiente para suprir receitas
adequadas ao Estado que, além disso, obteve mais recursos com o fechamento de
brechas na tributação que favoreciam contribuintes de alta renda. Mas as
despesas, pelo regime fiscal, acompanham a evolução das receitas, com um limite
(de 0,6% a 2,5%). Elas, porém, têm velocidades diferentes de expansão e fogem a
essa restrição. É o que acontece com o principal grupo de despesas, as
obrigatórias, que seguem regra de correção diferente - a variação da inflação
mais o avanço do PIB de dois anos atrás, como o salário mínimo.
Essa regra e outra, atrelada à receita
corrente líquida ou líquida de impostos, que corrige gastos com educação e
saúde - duas fontes de gastos relevantes no orçamento - deram impulso forte à
economia, que agora, pelo diagnóstico do Banco Central, passou a crescer acima
de seu potencial. Foi um estímulo muito relevante.
O Ipea, órgão vinculado ao Ministério do
Planejamento, calculou que os gastos públicos sociais, entre julho de 2023 e
junho deste ano, subiram de 11,89% do PIB para 13,1% do PIB, um acréscimo de
1,2% do PIB. Esse volume de recursos adicionais, algo como R$ 130 bilhões em
valores correntes, propiciou a surpresa do crescimento do PIB muito acima do
previsto no segundo trimestre. Os gastos incluem benefícios previdenciários, os
de prestação continuada, Bolsa Família, abono salarial e seguro desemprego e a previdência
de funcionários públicos e militares. Quase todos seguem o esquema de correção
do mínimo.
Os estímulos ocorreram ao mesmo tempo em que
o BC tentava levar a inflação à meta de 3% com uma política de juros
contracionista, o que significa alto custo do dinheiro para todos que se
endividam, inclusive o maior devedor, o Estado. A inflação, que chegou a se
aproximar da meta, hoje está longe dela, pela pressão do setor de serviços, do
câmbio e agora, além de tudo, do clima.
O IPCA de setembro mostrou a volta das
pressões dos preços dos alimentos, que exibiram deflação nos dois meses
anteriores, e da energia, que contribuíram com 0,33 ponto da inflação de 0,44%
do mês passado. O aumento dos dois itens pode ser atribuído à seca que afetou
vastas regiões do país e para os quais a arma do aumento de juros é
inapropriada - são choques de oferta.
Para acomodar esses choques, existe o
intervalo da meta de inflação, feito para ser usado. Mas o BC está constrangido
a não fazê-lo. Primeiro, porque sua margem de manobra é exígua. O IPCA deve
romper o teto da meta e, pelas projeções do Focus, tem pouco espaço para
acomodação em 2025 (IPCA de 3,9%). E o próximo presidente do BC, Gabriel
Galípolo, não deverá mostrar hesitação diante da inflação, reafirmando sua
independência dos interesses do Planalto - algo que, a contar por sua sabatina
no Senado, será feito.
A eficácia da política monetária continua
restrita pela política fiscal. O governo deveria se esforçar para cortar gastos
e buscar o teto da meta fiscal, não seu piso, mirando um superávit primário de
0,25% do PIB, ou maior, em 2025, como era o plano original. Para fazê-lo, é
preciso vontade política, até agora não demonstrada pelo presidente Lula.
Emendas parlamentares distorcem competição
eleitoral
Folha de S. Paulo
Pleito é impactado por verbas direcionadas
pelo Congresso; falta de regras põe em risco arranjo político-institucional
As eleições municipais
deste ano, realizadas no último domingo (6), acrescentaram um novo item à longa
lista de problemas associados às emendas parlamentares.
Já era sabido que elas consomem volume
ultrajante dos investimentos federais, pulverizam recursos em despesas
paroquiais, dificultam o planejamento de longo prazo e, até decisão
recente do Supremo Tribunal Federal, impediam a necessária
fiscalização sobre o dinheiro público.
Agora ficou comprovada mais uma distorção
bastante previsível: elas favorecem sobremaneira os prefeitos que mais
receberam essas verbas ao longo de seus quatro anos de mandato.
Levantamento da Folha mostrou uma
relação direta e crescente entre a quantidade média de recursos por eleitor
recebidos por uma cidade e a taxa de reeleição do chefe do Executivo. Ou seja,
quanto maior a proporção de emendas parlamentares em um município, maior o
índice de recondução do prefeito.
Em localidades onde as emendas somaram menos
que R$ 847,90 por eleitor, 78% dos candidatos conseguiram ser reeleitos. Quando
o patamar das verbas dobra, a taxa de sucesso dos alcaides passa para 86%, e
vai a 92% se o teto inicial é triplicado.
A progressão é evidente, mas nem por isso se
torna menos espantoso o último degrau dessa escalada: dos 116 prefeitos que
receberam mais verbas via emendas (acima de R$ 2.543,70 por eleitor), nada menos
que 114 lograram se manter no cargo —um índice de sucesso de
98%.
Não há como comparar esse desempenho com o de
outros pleitos, pois esta foi a primeira vez que a disputa eleitoral municipal
transcorreu sob o poder inédito dos congressistas no controle das verbas
federais.
A distorção, contudo, salta aos olhos.
Implementada no governo Jair
Bolsonaro (PL), a nova maneira de
distribuir emendas parlamentares resultou em um total superior a R$ 80 bilhões
para as cidades brasileiras de 2021 a 2024.
Se fossem recursos bem fiscalizados,
fornecidos de modo republicano e aplicados nas
necessidades mais prementes da população, alguém poderia
defendê-los, a despeito de seu impacto negativo sobre a competição eleitoral.
Mas nada disso acontece. Tome-se o caso de
Bituruna (PR), segunda cidade mais beneficiada por emendas. O prefeito Rodrigo
Rossoni (PSDB),
reeleito com 75% dos votos, recebeu R$ 35 milhões em emendas assinadas pelo
deputado federal Valdir Rossoni (PSDB), que vem a ser seu pai.
Em Barra D’Alcântara (PI), o prefeito
Mardônio Soares (MDB) concorreu como candidato único. Destinatário de R$ 23
milhões em uma cidade de 3.600 eleitores, ele próprio descreveu o jogo político
local como desleal. De acordo com Soares, o dinheiro das emendas serviu para
obras de calçamento e reforma de prédios.
Essa farra precisa acabar, antes que ela
provoque danos ainda maiores no arranjo político-institucional brasileiro.
Nobel premia inteligência da complexidade
Folha de S. Paulo
Láureas destacam encontro da IA com a
arquitetura molecular, iluminando a evolução da vida e impulsionando a medicina
Neste ano, os prêmios Nobel de
ciências naturais se concentram na confluência da inteligência
artificial com a evolução da vida.
O encontro é mais evidente na láurea de química.
David Baker, Demis Hassabis e John Jumper foram agraciados por trabalhos na
área de estruturas de proteínas.
Tais moléculas, as engrenagens que movimentam
a vida, são compostas de dezenas a milhares de unidades dos 20 aminoácidos
básicos organizados em sequências que lhes determinam a estrutura (como se
dobram no espaço tridimensional), por sua vez associada às funções que exercem.
Durante cinco décadas biólogos labutaram para
relacionar sequências de aminoácidos com a forma final da proteína, com vistas
a entender minúcias dos processos celulares e, por consequência, da saúde e
da doença. Contudo solucionaram poucos desses enigmas.
Hassabis e Jumper dividem metade do Nobel
pelo recurso à inteligência artificial para predizer estruturas. A empresa
DeepMind, criada por Hassabis, apresentou em 2018 um programa para isso que
usava redes neurais, arquitetura de processamento inspirada no cérebro humano,
aperfeiçoado depois com ajuda de Jumper.
Baker leva a outra metade do prêmio por seu
trabalho inverso: técnicas computacionais para design de proteínas com formas
desejadas. Produziu, em 2003, uma molécula com formato e sequência nunca vistos
na natureza, a Top7, e em 2008 mostrou que seu programa Rosetta podia projetar
enzimas inovadoras.
Esses avanços não seriam factíveis sem as
bases da inteligência artificial lançadas por John Hopfield e Geoffrey Hinton,
agora laureados com o Nobel de Física.
Eles criaram memórias que
podem armazenar e reconstruir imagens e padrões observados em dados,
além de métodos autônomos para identificar propriedades em massas de dados ou
elementos específicos em imagens.
O Nobel de medicina foi
para Victor Ambros e Gary Ruvkun, que pesquisaram um tipo especial de RNA
—ácido portador do código genético que células usam para especificar sequências
de proteínas. No caso, os
micro-RNAs, fragmentos dessas mensagens que participam de modo
crucial da regulação gênica.
Trata-se de um processo biológico fundamental, que põe por terra modelos mecanicistas da organização de seres vivos. Sua compreensão progressiva não só lança luz sobre a evolução da vida como serve de alicerce para novos avanços da medicina —cada vez mais com recurso ao poder imenso da inteligência artificial.
O prejuízo do ‘ranço ideológico’ de Lula
O Estado de S. Paulo
A indefensável ideologização da política
exterior tem causado grandes danos ao País. Agora, ninguém menos que o ministro
da Defesa alerta que ela está prejudicando a própria Defesa nacional
A sujeição do Itamaraty ao sectarismo do
presidente Lula da Silva inflige danos à política externa e aos negócios. Mas
não só. A Defesa também está prejudicada ante as investidas ideológicas do
Planalto.
Quem alerta é ninguém menos que o ministro da
Defesa. Em evento na Confederação Nacional da Indústria, José Múcio disse que
as Forças Armadas enfrentam retrocessos nos investimentos e adversidades sem
precedentes causadas por “ranços ideológicos”. Para bons entendedores, meia
palavra basta. Mas, na falta deles, Múcio explicitou os embaraços à sua pasta.
O Exército tem previsão orçamentária e
competência para comprar as armas de que precisa e organizou uma licitação para
adquirir 36 obuseiros – blindados com canhões. Foram escrutinadas empresas de
18 países e não há surpresa que tenha vencido Israel, um país que é celeiro de
algumas tecnologias militares mais avançadas do mundo, há muito utilizadas
pelas forças de segurança do Brasil.
“Venceram os judeus, o povo de Israel”, disse
Múcio, “mas por questões ideológicas não podemos aprovar.” A compra foi travada
pelo chanceler paralelo de Lula, Celso Amorim. O Tribunal de Contas da União,
em defesa da segurança jurídica, não autorizou contratar o segundo colocado,
advertindo que não existem embargos da ONU ou tratados firmados pelo Brasil que
impeçam a comercialização com nações em guerra.
Mas o governo não só fabrica argumentos sem
esteio legal para inviabilizar importações das Forças Armadas, como subverte
esses argumentos para inviabilizar suas exportações. Após impedir a venda de
ambulâncias à Ucrânia, o Planalto vetou a venda de munição à Alemanha. “Fizemos
o negócio, um grande negócio”, disse Múcio. “(O governo) não faz porque senão a
Alemanha vai mandar para a Ucrânia, a Ucrânia vai usar contra a Rússia e a
Rússia vai mexer nos nossos acordos de fertilizantes.” Israel trava uma guerra de
defesa, mas o governo não compra suas armas pretextando que é “agressor”. Ao
mesmo tempo, não vende para a agredida Ucrânia e abastece os cofres da
agressora Rússia.
O governo poderia buscar alternativas aos
fertilizantes russos e insumos como o potássio não só mais baratas, mas
domésticas. O Brasil tem reservas de potássio na região amazônica, algumas em
terras indígenas, outras não. No primeiro caso, a Constituição prevê que o
Congresso autorize a exploração. Com os devidos cuidados, ela pode ser feita de
maneira sustentável, e ser negociada com as comunidades indígenas não só para
não lhes causar danos, mas trazer benefícios. Mas, “por questões ideológicas”,
como denunciou Múcio, essas possibilidades são barradas. Ao invés disso, o
Brasil enriquece indígenas do Canadá, importando potássio de suas reservas.
Não é só ideologia, mas ignorância, e seu
corolário é a incompetência. Há pouco, Lula sugeriu que recrutas não deveriam
ser treinados para a guerra, mas para “enfrentar a questão climática”.
Conflitos se proliferam no mundo e todas as nações estão se armando. Mas, na
lógica pedestre de Lula, como o Brasil não enfrenta guerras, não precisa de
soldados, mas de bombeiros. Tudo se passa como se agressões pudessem ser
contidas à base de “cervejas” – como Lula sugeriu em relação à Ucrânia – e as
Forças Armadas fossem uma ameaça à paz, e não sua garantia, sobretudo diante de
ameaças reais num mundo cada vez mais violento. Isso não é idealismo nem
pacifismo. É só estupidez.
Ao Brasil, resta agradecer a Deus pelo fato
de que os riscos de ser invadido por potências estrangeiras (como a Ucrânia foi
pela Rússia) ou agredido por terroristas (como Israel pelo Irã e seus
associados) são baixos. Não é só que, a depender de Lula, o País seria
defendido por bombeiros armados com sucatas, mas – a julgar pela sua insinuação
de que, se o presidente ucraniano fosse “esperto” cederia seus territórios à
Rússia, e que Israel deveria baixar as armas mesmo com 100 reféns sob o jugo de
terroristas – só Deus sabe quanto do território e dos cidadãos brasileiros seu
presidente sacrificaria em nome do que chama de “paz”.
O compromisso de Gabriel Galípolo
O Estado de S. Paulo
Aprovado pelo Senado, o próximo presidente do
BC garante que manterá critérios técnicos para os juros – mesma promessa que
Tombini fez ao assumir o BC no desastroso governo de Dilma
Pouca gente ainda se lembra, mas em 2010
Alexandre Tombini, indicado pela recém-eleita presidente Dilma Rousseff para a
presidência do Banco Central (BC), foi aprovado com louvor em sabatina no
Senado. Na ocasião, Tombini prometeu solenemente fazer o que fosse necessário
para cumprir as metas de inflação e exercer seu trabalho com autonomia.
Passados quase 15 anos, hoje sabemos que Tombini se tornou praticamente um
ministro de Dilma, cedendo às pressões da presidente para segurar os juros
mesmo diante da escalada da inflação.
Não se quer com isso dizer que Gabriel
Galípolo, futuro presidente do Banco Central, terá o mesmo destino, mas é bom
desconfiar. Aprovado com folga em sua sabatina no Senado, Galípolo não apenas
assegurou que o Banco Central continuará autônomo e independente, especialmente
nas decisões sobre a evolução dos juros, como fez questão de dizer que tal
imperativo partiu dos próprios senadores.
Ocorre que o presidente da República é Lula
da Silva, que a cada dia se parece mais com Dilma Rousseff no que diz respeito
ao ímpeto gastador e à ojeriza à austeridade. Crítico feroz da alta dos juros
para combater a inflação, Lula não esconde que gostaria de ver o presidente do
Banco Central atuando em sintonia com seus projetos desenvolvimentistas.
Enquanto Galípolo era sabatinado, o presidente voltou à carga, num evento com
ruralistas. Ao se dizer muito feliz pelo fato de que a economia está “razoável”,
Lula comentou que “a taxa de juros é alta, mas ela haverá de ceder”. Não é por
acaso que a indicação de Galípolo para o BC gerou tantas dúvidas no mercado.
Galípolo é um jovem economista formado na
heterodoxia e que até aqui mostrou melhor desenvoltura como político do que
como administrador de banco – sua única experiência no mercado, presidindo o
Fator por quatro anos, resultou em três anos de prejuízo e apenas um de lucro,
e na sua despedida o rating do banco foi rebaixado para grau especulativo. Seu
bom trânsito com economistas próximos de Lula e do PT o ajudou a integrar o
Ministério da Fazenda de Fernando Haddad. Chegou a ser chamado de “menino de ouro”
por Lula.
Tombini, é bom lembrar, era funcionário do BC
desde 1998 e teve passagens pelo FMI. Ou seja, definitivamente não era um
novato nem um despreparado quando chegou à presidência do BC. Mesmo assim, não
resistiu à pressão de Dilma Rousseff para moldar a política monetária a seus
delírios econômicos, que resultaram em inflação e recessão. Nada garante,
portanto, que Galípolo conseguirá cumprir os compromissos que assumiu
solenemente perante os senadores na sabatina.
É fato que, na época de Tombini, o BC não
tinha autonomia formal, que hoje é garantida por lei. Mesmo assim, é preciso
esperar para saber se Galípolo terá força para exercer essa autonomia, ou mesmo
se terá interesse em contrariar o presidente da República, decerto preocupado
em criar condições para melhorar suas chances numa eventual campanha à
reeleição, o que passaria pela redução forçada dos juros mesmo diante de uma
pressão inflacionária, como fez Dilma.
Até aqui, não se sabe se por cálculo ou por
convicção, Galípolo tem se comportado de maneira exemplar como diretor de
Política Monetária do BC. Com uma única exceção, Galípolo votou com os demais
diretores quando o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu aumentar os
juros, a despeito da cara feia de Lula.
Em maio, Galípolo e outros três diretores
votaram pelo corte de 0,5 ponto porcentual (p.p.), mas prevaleceu a queda de
0,25 p.p., decidida pelos demais cinco membros do colegiado. Neste ano, ainda
sob a presidência de Roberto Campos Neto, haverá mais duas reuniões, em
novembro e dezembro. Mais do que a definição dos juros em si, o placar do
colegiado será acompanhado como uma espécie de termômetro do que esperar do
comando de Galípolo. No entanto, será na presidência efetiva do BC que o
“menino de ouro” de Lula terá o dever de provar que suas palavras na sabatina
eram mesmo para valer.
De tucano a pássaro dodô
O Estado de S. Paulo
Na capital paulista, o outrora poderoso PSDB
conseguiu um feito: não elegeu nenhum vereador
O PSDB, que irrompeu na política nacional no
fim dos anos 80 como um vistoso tucano, terminou a eleição municipal de domingo
passado como um melancólico pássaro dodô – aquela ave extinta que se tornou
sinônimo de coisa absolutamente obsoleta.
Seu candidato à Prefeitura, o apresentador
José Luiz Datena, que levou nada menos que R$ 9,5 milhões do Fundo Eleitoral
para fazer campanha, terminou a eleição com 1,84% dos votos válidos, ou exatos
112.344 votos, menos do que vários dos vereadores eleitos na cidade. Ficou em
quinto lugar. Foi o pior desempenho do PSDB na capital em sua história.
Sem rumo nem identidade, o PSDB acreditou que
a suposta popularidade de Datena bastaria para torná-lo competitivo. Ao
contrário: ao longo da campanha, Datena, claramente sem qualquer vocação para
uma disputa eleitoral e manifestando cansaço com a agenda de compromissos, só
conseguiu chamar a atenção do eleitorado pela cadeirada que desferiu em outro
candidato durante um debate na TV. O destempero, que não foi condenado pela
cúpula do PSDB, certamente colaborou para que Datena sofresse uma esmagadora
rejeição, anulando sua suposta capacidade de puxar votos para os candidatos a
vereador pelo partido.
Com isso, o PSDB conseguiu a proeza de sair
desta eleição sem eleger um mísero vereador na cidade de São Paulo. Foi um
desempenho e tanto, sobretudo se considerarmos que o partido havia lançado nada
menos que 49 candidatos e que, na disputa anterior, havia conseguido eleger 8
vereadores, tornando-se uma das principais bancadas da Câmara. O candidato a
vereador mais votado entre os tucanos no domingo passado foi Mario Covas Neto,
filho do ex-governador Mario Covas. Mesmo com um sobrenome tão significativo na
história política de São Paulo, Covas Neto conseguiu apenas 5.825 votos.
Mas convém lembrar que o PSDB já entrou na
campanha sem nenhum vereador, porque seus oito representantes, que não são
bobos nem nada, se recusaram a endossar a aventura com Datena e vários se
bandearam para a candidatura do prefeito Ricardo Nunes (MDB), herdeiro da
gestão tucana do falecido prefeito Bruno Covas. Desses políticos, havia gente
com décadas de filiação ao PSDB. Ou seja, alguns eram parlamentares realmente
identificados com o partido, mas que já não se reconheciam nele, por razões
óbvias.
Para onde quer que se olhe, o desempenho do
PSDB na Câmara Municipal de São Paulo é o símbolo do desaparecimento do partido
em seu berço político. Ao apostar em um candidato a prefeito que nada tinha a
apresentar senão seu histrionismo de apresentador de programas policiais na TV,
o PSDB, fundado por faróis da democracia como Mario Covas, Franco Montoro e
Fernando Henrique Cardoso, portou-se como um partido nanico, incapaz de
oferecer ao eleitor uma proposta coerente com sua história. Depois de ter governado
a cidade de São Paulo por três vezes nas últimas duas décadas, o PSDB virou
motivo de piada. Havia maneiras mais honrosas de morrer.
Inteligência artificial, glórias e desafios
Correio Braziliense
Considerados os pioneiros da inteligência
artificial, vencedores do Prêmio Nobel de Física são enfáticos ao alertar sobre
os riscos de lidarmos "com coisas mais inteligentes que nós"
Trabalhos premiados com o Nobel de Física
costumam ser de difícil entendimento — as complexidades sobre as quais os
pesquisadores da área se debruçam levam mesmo a caminhos enigmáticos e
promissores. Mas neste ano a Real Academia Sueca de Ciências escolheu estudos
pioneiros para o desenvolvimento de soluções acessíveis até mesmo para quem
nunca entrou em um laboratório: a inteligência artificial. Tecnologias baseadas
em IA chegam cada vez mais às residências, permitindo, por exemplo, que
geladeiras façam lista de compras e câmeras de segurança identifiquem
comportamentos suspeitos. Nem por isso, esses recursos estão na prateleira da
simplicidade. Ao contrário. Os próprios laureados de 2024 são enfáticos ao
alertar sobre os riscos de lidarmos "com coisas mais inteligentes que
nós".
Geoffrey Hilton, um dos vencedores, pediu
demissão do Google em 2023 para poder falar mais livremente sobre os perigos da
inteligência artificial. Antes, abandonou um projeto financiado pelo Pentágono
por não concordar com o uso dessa tecnologia em guerras, o que chamou de robôs
soldados. Na última terça-feira, após o anúncio do Nobel, o hoje professor da
Universidade de Toronto disse que a IA tem o poder de causar mudanças tão
grandes quanto a Revolução Industrial e não descartou a possibilidade de ela
sair do controle.
John Hopfield, que divide o Nobel 2024 com
Hilton, chega a cogitar uma catástrofe caso o uso da IA não seja mediado. Já
com o Nobel em mãos, o professor da Universidade de Princeton lembrou do
surgimento de outras duas tecnologias também promissoras e perigosas, a
engenharia genética e a física nuclear, e admitiu não saber quais limites
deveriam ser impostos à inteligência artificial. Ellen Moons, presidente do
Comitê Nobel de Física deu um norte ao anunciar os vencedores deste ano:
"Podemos escolher utilizar ferramentas com bons fins".
Na prática, porém, é extensa a lista de
aplicações dessa tecnologia para objetivos escusos e criminosos. Dois casos
recentes no Brasil ilustram bem a dimensão desse desafio. Ao menos uma dezena
de candidatas no primeiro turno das eleições municipais de 2024 foi vítima de
deep nudes, a divulgação na internet de fotos manipuladas por IA em que
pessoas, principalmente mulheres, aparecem em poses sensuais. Operações da
Polícia Federal — como a Terabyte, deflagrada no mês passado — têm mostrado o
quanto redes internacionais de pedofilia têm recorrido à IA para criar imagens
sexualizadas de crianças.
Em ambos os casos, há de se ressaltar que
essas inovações tecnológicas são empregadas para a prática de violências que
são estruturais no país, o que torna urgente a atualização dos arcabouços de
enfrentamento, como as legislações e as estruturas investigativas. O Brasil
está atrasado nessa questão. Existem iniciativas pontuais, como a
Estratégia Nacional de Inteligência Artificial e a Lei Geral de Proteção de
Dados, mas há a necessidade de uma regulação ampla e que garanta a segurança da
população, como tenta fazer a União Europeia.
Em maio, os europeus aprovaram uma legislação abrangente, com aplicação progressiva até 2026, para garantir que o avanço da IA não atropele os direitos fundamentais. Sendo o Brasil um dos países em que há mais confiança nessa tecnologia — ocupa a quarta posição, segundo levantamento da KPMG Austrália —, passou da hora da adoção de medidas que impeçam que esse entusiasmo se transforme em vulnerabilidade para os crimes cibernéticos.
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