O Estado de S. Paulo
A decisão de um novo ciclo de alta da Selic não é compatível com as previsões sobre a economia nos próximos meses
As evidências econômicas apontam para um
crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3%, em 2024. Mais importante,
desde 2020, o mundo real vem surpreendendo governo e analistas, que são
obrigados, ao final do ano, a rever para cima as expectativas de início de ano.
Ao que parece uma via favorável.
No Brasil, no entanto, até boa notícia vira
problema. Os temores de que o produto corrente (bens e serviços ofertados)
chegue perto do produto potencial (capacidade instalada de produção) colocaram
em movimento a gritaria do mercado financeiro contra o aquecimento da economia.
Mas tem remédio, segundo eles, é só aumentar a taxa Selic.
Infelizmente, a “teoria econômica” parece, agora, se resumir a monitorar índices de preços e aplicar o remédio de manipular a Selic. Pois afirmo que não é. É preciso ir muito além, analisar a dinâmica dos mercados, internos e externos, verificar os movimentos dos agentes econômicos e prever fluxos e estoques no médio prazo. Enfim, o exercício da análise econômica é muito mais do que apenas olhar a inflação.
Uma visão da economia brasileira dos últimos
meses mostra que o crescimento se deve a três fatores principais: a) a
propagação dos efeitos internos do ótimo desempenho externo das commodities; b)
o gasto público do governo federal e dos Estados e municípios; c) uma discreta
retomada do consumo, dados os represamentos dos últimos tempos e o aumento da
renda.
Uma autoridade monetária tem o compromisso de
regular a economia olhando o presente e o futuro, mesmo que só o próximo. Não
fosse assim, deveríamos proibir negociações em juros futuros. O Banco Central
(BC) tem que avaliar a posição atual e estimar os efeitos desse movimento na
dinâmica da economia.
Não há necessidade de ser um gênio para ver o
óbvio. Nossa exportação de bens primários não terá o mesmo desempenho. A China,
nosso principal cliente, enfrenta sérios desafios econômicos. Além disso, o
movimento da taxa de câmbio deve retroagir com o maior diferencial de juros
brasileiro frente ao dos países desenvolvidos. Assim, difícil prever que o
crescimento continue sendo favoravelmente afetado pelas commodities.
No campo do gasto público, o descrédito é
evidente, dado que o Ministro da Fazenda sempre aparece como algoz da Esplanada
dos Ministérios. Dada a prevalência das expectativas que colocam o fiscal como
vilão, o governo terá que se render e entregar contas públicas que sustentem o
arcabouço fiscal.
E o consumo? Um mínimo conhecimento de
economia deixa transparente que o consumo até pode dar espasmos, mas não se
sustenta sem uma construção de pilares consistentes no campo do investimento.
A pergunta então é: se os pilares da expansão
dos últimos meses não devem se sustentar, quais os motivos do Banco Central
para frear o nível de atividade com uma perspectiva de elevação da taxa de
juros de 10,75% para algo como 11,75%, ao final do ano?
Terá o Banco Central informações de que os
investimentos privados estejam explodindo? Considero esta uma inverdade de
fácil constatação. Entre 2011 e 2014, a formação de capital situou-se entre 20%
e 21% do PIB. Caiu a 14%, em 2017, e hoje chega a pífios 16,8% do PIB (segundo
trimestre de 2024). Note-se que o setor público pode explicar só um terço da
derrocada.
Aqui temos que encarar a realidade. A
economia brasileira não conseguiu se inserir nos novos fluxos de comércio e não
dispõe de uma integração à produção global. Nesta constatação não vai nenhuma
crítica às commodities. Ao contrário, estão salvando o Brasil de uma estagnação
secular. A nossa produção industrial, por exemplo, ainda se encontra 15% abaixo
do patamar de 2011, marcando um retrocesso talvez intransponível.
Reorganizar a inserção da economia brasileira
no mundo envolve investimento em infraestrutura e em capacidade de produção de
bens e serviços, dotando a economia de vantagens concorrenciais e nexos de
produção em articulação com o resto do mundo.
Infelizmente, o movimento de ajuste da Selic
realizado pelo Banco Central produziu uma imediata elevação dos juros futuros,
com impactos previsíveis sobre o crédito. Aumentar os juros reduz a
atratividade do investimento. Ou seja, para parar uma economia com poucas
expectativas de crescer, o Banco Central sufoca o crescimento do PIB potencial.
A decisão de um novo ciclo de alta da Selic
não é compatível com as previsões sobre a economia nos próximos meses, assim
como não há explicação para a taxa de juros de equilíbrio da economia
brasileira ser estimada em patamares tão elevados. Os níveis de civilização já
atingidos pelo Brasil exigem que o Banco Central explicite as razões que o
levaram a elevar a Selic com “teoria econômica”.
O mundo, no entanto, confia mais no Brasil do
que os brasileiros. Uma das maiores agências de classificação de risco acaba de
elevar o rating brasileiro para algo próximo ao grau de investimento. Ela olhou
um conjunto dos indicadores econômicos, não apenas a inflação. Isso explica a
diferença entre o ânimo externo com a economia e o mundo de pesadelos do nosso
BC.
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