Valor Econômico
Presidente já trata o resultado de domingo
como compatível com seu projeto de salvar o país do autoritarismo e devolvê-lo
à “civilidade” democrática
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
assimilou a vitória da direita e já a trata como um resultado compatível com
seu projeto de devolver o país à “civilidade”. Foi o que sugeriu ao fazer seu
primeiro discurso depois das eleições de domingo na sanção da Lei do
Biocombustível. Como voltou à Presidência depois do pior desempenho do PT numa
disputa municipal, a de 2020, urge ouvi-lo.
Ao dizer que é “tempo de colheita” para quem
“quer deixar a Presidência com crescimento”, reconheceu o marco das eleições
municipais. Se, daqui pra frente, é 2026 que conta, ele vai consolidar o que vê
como feitos.
O papelório relegado e a fala de 20 minutos sem os escorregões que têm marcado seus improvisos podem sugerir um presidente nos cascos para a reeleição. Naquele momento, porém, ante plateia do agro, mais parecia Fernando Henrique Cardoso com sinal trocado.
Se FHC contabilizou a entrega do país para a
oposição como feito de seu governo, Lula parece ver a manutenção da faixa
presidencial no campo democrático, seja sobre os ombros de um aliado ou de um
adversário, como compatível com sua missão de livrar o país da ameaça
autoritária. Numa tradução livre: “Já fiz minha parte e, agora, cabe a quem
também foi vacinado fazer a sua”.
A participação discreta de Lula nas campanhas
de seus aliados, de certo modo, já foi uma antecipação disso. Também não passou
despercebida a ausência do ministro Fernando Haddad, nome petista de sua
algibeira para 2026, da caminhada de Guilherme Boulos (Psol) no sábado, último
compromisso de sua campanha à qual quatro ministros, além do presidente,
compareceram.
Tampouco se despreze a onipresença do vice
Geraldo Alckmin ao lado da candidata de seu partido na capital paulista, Tabata
Amaral. O PSB é a maior, entre as legendas do entorno de Lula, em número de
prefeituras. E Alckmin, um vice tão discreto e leal quanto José Alencar. Neste
evento do biocombustíveis, foi convocado antes do titular. Usou 23 segundos,
dedicados a introduzir - e exaltar - o principal orador da cerimônia.
É neste mesmo planeta que mora Gabriel
Galípolo, aprovado para presidir o Banco Central com o quórum mais largo de
todas as votações do gênero no Senado no século. Foi a primeira votação no
Congresso depois do primeiro turno. Pode ser creditada ao apoio do atual
presidente da instituição, Roberto Campos Neto e à habilidade do diretor do BC,
que fez paciente peregrinação nos gabinetes de senadores e naqueles dos
dirigentes de instituições financeiras do país.
Mas não apenas. A trajetória de Galípolo,
pupilo de Luiz Gonzaga Belluzzo e assessor de Lula na campanha de 2022, além da
proximidade estendida a agendas como a do México, quando o presidente o
ciceroneou entre empresários e políticos locais, já teria, em outros tempos,
rendido pilhas de manchetes. Desta vez, mercado e Senado não piscaram nem mesmo
ante a concomitância da votação com a fala de Lula sobre a taxa de juros
(“ainda está alta mas há de ceder”).
A dois anos da sucessão de 2026, todos esses
sinais de acomodação parecem precoces. E são. O PT não quer deixar o poder e
muita água vai rolar, inclusive em 27 de outubro, mas esta perspectiva de um
presidente que se adapta às evidências da dominância conservadora da sociedade
abre, no mínimo, um dilema para o futuro do PT. Ao retirar suas fichas da
polarização, Lula colide com boa parte de seu partido.
A esquerda tanto se alimenta da polarização
quanto é por ela consumido. Basta ver o que se passa em São Paulo. Mas não
apenas. Esta campanha marcou um passo adiante na polarização com o advento da
teologia da prosperidade, que amealhou 28% dos votos válidos na capital
paulista, impulsionou candidaturas majoritárias que foram para o segundo turno
em Curitiba e Goiânia e teve a adesão de campeões de voto nas Câmaras
Municipais.
Trazem a galope um conjunto de valores que se
erguem como uma barreira intransponível à esquerda, cujo identitarismo é
identificado como algoz da ordem e da família. Os vereadores mais votados em
São Paulo e Belo Horizonte são transfóbicos - um é apoiador de Pablo Marçal e o
segundo, do deputado federal Nikolas Ferreira (PL). Os mais votados da
esquerda, em ambas as Casas, são mulheres do Psol. A de São Paulo é trans e a
de BH se defende como uma “feminista negra”. Suas pautas não estão
sobrerrepresentadas na arena legislativa, ainda que, cada vez mais, dominem
seus partidos. Na verdade, chegam com tanto atraso que já encontraram a reação
armada.
Lula advertiu contra esta armadilha em
fevereiro na refiliação de Marta Suplicy ao PT. Já estava claro que a
dominância da esquerda pelo identitarismo levaria a encorpar a oposição em
torno do ideário pentecostal fundamentalista que ruma para ser majoritário em
2032: quem quer que discorde de suas ideias passa por algoz de sua fé.
Há política fora de São Paulo. No Recife e em
Salvador, os vereadores mais votados são egressos das máquinas das políticas
sociais de prefeitos reeleitos, em Manaus, é ligado à segurança pública, e, no
Rio, o campeão é um ex-balconista cuja plataforma é o fim da jornada de seis
dias de trabalho por um de descanso. Contemporânea e transversal, a pauta
renova o apelo que, há 40 anos, aportou na política nacional pelas mãos de
Lula. Sua eleição é a aposta de que a dominância da direita não traz consigo o
fim nem o começo da política, mas sua normalização.
2 comentários:
Pena que os homossexuais vivem de mentira,se falassem a verdade não existiria preconceito,seríamos apenas dignos de pena.
Compreensível a revolta de quem rala 14h por dia para sobreviver e escuta candidato preocupado apenas com pautas do seu grupelho. A esquerda não se cansa de atirar no próprio pé.
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