domingo, 26 de janeiro de 2025

Entre picanha e salsicha, o marketing reverso de Lula – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

O preço dos alimentos tem dinâmica própria, influenciado por oferta e demanda, clima, safra, cotações internacionais. Não existe bala de prata para derrubá-lo

Na publicidade, o marketing reverso é uma inversão de perspectivas. O processo mais comum e tradicional é a busca da atenção e dos recursos dos consumidores. O marketing reverso faz com que o consumidor passe a procurar pelo serviço e/ou produto oferecido de forma mais orgânica. É uma estratégia menos invasiva e agressiva, mas, às vezes, dá errado.

presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um comunicador nato e voltou ao poder com uma narrativa ancorada nos seus dois mandatos anteriores. Um dos motes de sua campanha foi uma espécie de marketing reverso: a esperança dos pobres de que voltariam a comer picanha no churrasco do fim de semana.

Não há popularidade que resista à inflação, sobretudo de alimentos. Por ironia, o maior problema com a inflação são as carnes, que sumiram das geladeiras da maioria dos brasileiros, porque o preço das proteínas está proibitivo. Por exemplo: a picanha fatiada para churrasco custa R$ 54. O acém moído, a carne que mais rende na mesa, em torno de R$ 19. A primeira proteína bovina que entra na casa do pobre é processada: a salsicha, que custa em torno de R$ 13. Nas gôndolas, o quilo do frango inteiro ou de pernil suíno picado (com osso) está R$ 9, o mesmo preço do pé de galinha e da orelha de porco.

Para o falecido historiador francês Pierre Chaunu, especialista em estudos sobre a América espanhola, uma das causas de os chineses não terem conquistado as Américas antes de espanhóis e portugueses foi a falta de proteína animal (Expansão europeia do século XIII ao XV, Editora Pioneira). A China era a maior potência econômica da época e dispunha de uma grande força naval, com tecnologia e conhecimentos de navegação para atravessar todos os mares.

O ex-comandante da Marinha britânica Gavin Menzies (O ano que a China descobriu o mundo, Editora Bertrand) revelou que os chineses, liderados pelo grande navegador eunuco muçulmano Zheng He, haviam navegado da África até a foz do Rio Orenoco, na atual Venezuela. Depois, desceram a costa do continente até o Estreito de Magalhães, ao sul da América do Sul, ainda no ano de 1421. Ou seja, 71 anos antes de Cristóvão Colombo. A expansão chinesa foi contida pela decadência da dinastia Ming, sob crescente ameaça do líder mongol Altã Cã (1507-1582), que invadiu a China e dominou grande parte do território, até os arredores de Pequim.

Devido à grande densidade demográfica, resolver o problema alimentar, principalmente a escassez de proteína animal, sempre foi a chave da estabilidade dos governos chineses. Foi a necessidade chinesa de importação de proteína animal que fez o Brasil se tornar o segundo produtor mundial de carnes, com 11,9 milhões de toneladas (19,5% da produção mundial). O primeiro são os Estados Unidos (12,3 milhões, 20%) e o terceiro, a própria China (7,8 milhões/ 12,7%), hoje o nosso maior parceiro comercial.

Sem bala de prata

Ao analisar as causas da atual inflação de alimentos (in natura, semiprocessados e industrializados), constata-se que os produtos exportados (commodities) são os que sofrem maior influência do câmbio. Como o real desvalorizou-se 27% em relação ao dólar no ano passado, era inevitável seu impacto no preço dos alimentos. Esse é o tamanho do problema, ainda que o dólar tenha baixado a menos de
R$ 6 desde a posse de Donald Trump.

O IPCA-15, prévia da inflação oficial, foi de 0,11% em janeiro, acima da expectativa de queda. Só a alimentação em casa subiu 1,10% em janeiro. O café, por exemplo, subiu 7% em apenas um mês. O tomate, por sua vez, ficou 17% mais caro no mesmo período. Alguns alimentos tiveram queda, como é o caso da batata-inglesa (-14,16%) e do leite longa vida (-2,81%). Mas o ciclo da carne não terá alívio: nas projeções do IPCA, deve ter alta de 16,8%, em 2025, depois de encarecer 20,8%, em 2024.

Não há mágica para segurar a inflação de alimentos, muito influenciada pelo câmbio. Como se sabe, a desvalorização do real está associada ao aumento do deficit fiscal, à alta taxa de juros e ao crescimento da dívida pública. Sofre com um ciclo vicioso que abala a credibilidade da política econômica. Quando o ministro da Casa Civil, Rui Costa, na quarta-feira, disse que conversaria com ministros "para buscar um conjunto de intervenções que sinalizem para o barateamento dos alimentos", ampliou as desconfianças de que o governo optará por soluções populistas de curto prazo para conter a inflação, acelerando esse ciclo.

De acordo com pesquisa Quaest, 78% dos brasileiros consideraram ter havido aumento no preço dos alimentos e 65% nas contas de água e luz, patamares mais altos desde o início do mandato de Lula. O preço dos alimentos tem dinâmica própria, influenciado por oferta e demanda, clima, safra, cotações internacionais. Não existe bala de prata para derrubá-lo. Inexiste saída sustentável fora do arcabouço fiscal.

Quem mais resiste ao corte de gastos na Esplanada, porém, é o Palácio do Planalto. Melhor dizendo, o próprio Lula, o pai da picanha para os pobres.

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