domingo, 26 de janeiro de 2025

Obstáculos no caminho - Merval Pereira

O Globo

Os erros do governo, e são muitos nesse terceiro mandato de Lula, são aproveitados para neutralizar até mesmo as medidas mais inovadoras e promissoras

O ministro Rui Costa pode pelo menos se consolar de não ter sido, na história, o primeiro - nem será o último - a ser vítima de uma frase que não disse. À rainha Maria Antonieta é atribuída a frase “se não têm pão, comam brioches” como reação à falta de comida para a população pobre do reino, mas historiadores modernos garantem que é improvável que a tenha dito, embora fosse perdulária e ostentatória. Mas tinha uma relação caridosa com os pobres.

Também o ministro, ao sugerir que, por estar a laranja muito cara, que as pessoas escolham outra fruta para comer, não deve ter tido a intenção de menosprezar os consumidores de laranja, nem pensou nos brioches de Maria Antonieta, como acusam os adversários políticos. Mas a frase do ministro, e um outro escorregão quando falou em “intervenção” nos preços dos alimentos, dando margem a que acusassem o governo de querer tabelar preços, mostram bem como é difícil a vida de um governante que tem na sua cola uma oposição afiada.

Quando “a direita” era o PSDB, o PT tinha uma vida boa, pois nem os tucanos eram direitistas, muito menos de extrema-direita, como a oposição ainda era elegante, embora o governo petista não poupasse as críticas a uma suposta “herança maldita”. Agora, os erros do governo, e são muitos nesse terceiro mandato de Lula, são aproveitados para neutralizar até mesmo as medidas mais inovadoras e promissoras, como o programa Pé-de-Meia do Ministério da Educação.

Problemas técnicos inviabilizam o seu cumprimento integral. O Tribunal de Contas da União (TCU), órgão assessor do Congresso, proibiu usar fundos para custear o programa, exigindo que cumpram a lei. A principal irregularidade apontada é que os recursos utilizados no programa não estão previstos no Orçamento Geral da União. A legislação que criou o programa permite à União transferir recursos a esse fundo chamado de Fipem - Fundo de Incentivo à Permanência no Ensino Médio - , mas a verba para o pagamento aos estudantes precisa sair do Orçamento da União, e não de fundos.

O governo, porém, estruturou o projeto que criou o programa como extra-teto, para ser custeado por fundos. O Congresso não aceitou, modificou o texto e enviou para sanção. Lula vetou. O Congresso derrubou o veto. A lei fala com todas as letras que depende das "dotações orçamentárias existentes". E por que eles não querem que saia do orçamento?, pergunta uma fonte do TCU, já que, do ponto de vista financeiro, seria uma conta de soma zero: devolve o dinheiro dos fundos para o orçamento e aloca no programa.

O problema é que não há espaço no limite de gastos do arcabouço fiscal, teria que ser cortada alguma despesa, mas esse é um obstáculo que parece intransponível para o governo. O programa Pé-de-Meia foi lançado em novembro de 2023, como um incentivo financeiro voltado a estudantes matriculados no ensino médio público integrantes do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal, com o objetivo de garantir a permanência do estudante no ciclo educacional.

Cada estudante, comprovando a frequência, recebe o incentivo mensal de R$ 200, que pode ser sacado a qualquer momento. No caso da educação de jovens e adultos, na matrícula o estudante recebe R$ 200, além da mensalidade de R$ 225 pela frequência, ambos disponíveis para saque. Ao final de cada ano concluído, recebe R$ 1000, dinheiro que só pode ser retirado da poupança depois da formatura no ensino médio. Considerando as parcelas, os depósitos anuais e o adicional de R$ 200 pela participação no Enem, os valores chegam a R$ 9.200 por aluno.

Este é um dos melhores programas do governo Lula neste terceiro mandato, numa área em que se previa grandes avanços, ainda não constatados, devido às experiências exitosas do grupo político do ministro Camilo Santana no Ceará. Antes mesmo de dar certo, o ministro já é tido como possível candidato do campo governista na sucessão de Lula. Falta dar certo.


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