domingo, 26 de janeiro de 2025

Governo num mato sem cachorro - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Alimentos: sem intervenção, sem subsídio ou mudança na data de validade e... sem solução

Enfrentando várias frentes de batalha por causa da inflação dos alimentos, o governo Lula conseguiu vencer a primeira, ao impedir que a onda contra “um conjunto de intervenções” virasse tsunami, como no caso do Pix. Mas a guerra continua, e em terrenos mais pantanosos: como reduzir os preços e dar uma resposta principalmente para a baixa renda, sem bater de frente com o mercado e o já arisco agronegócio?

Sidônio Palmeira reagiu rapidamente a uma palavra maldita usada pelo chefe da Casa Civil, Rui Costa, ao anunciar “intervenções” contra a inflação da comida. “Intervenção” remete a “boi no pasto”, “fiscais do Sarney”, “congelamento” e seus efeitos bumerangue nos objetivos, na economia e na popularidade dos invencionistas.

O governo todo se mobilizou para “explicar” que o ministro quis dizer “medidas”, ou que foi um “ato falho”. Funcionou, mas, cá pra nós, intervenção e medidas são praticamente sinônimos nesse caso e “ato falho” significa que, lá no inconsciente, o ministro defende exatamente isso: intervenção nos preços, dentro da convicção intervencionista histórica de Lula e PT.

Bem ou mal, o estrago nas redes foi contido, mas a questão mexe com comida, pobre, classe média, todo mundo, esfria a popularidade de Lula, esquenta as disputas internas, por exemplo, entre Costa e Fernando Haddad e do governo com o agronegócio. Em meio a inflação, desequilíbrio fiscal, juros na estratosfera e ambiente internacional imprevisível. Mas o governo não tem muitas alternativas além de fazer uma reunião atrás da outra, concluir o óbvio e anunciar que vai anunciar alguma coisa.

Até aqui, o foco está em dizer o que não vai fazer: intervenção, que apavora o agronegócio, subsídios, que irritam o mercado, e flexibilização da data de validade de produtos nas gôndolas do varejo – sugerida pela associação de supermercados, até adotada em alguns países, mas que seria um desastre na internet: “Lula quer vender comida estragada”. Nem pensar!

É rezar para safra recorde, São Pedro camarada, o bom e velho equilíbrio entre oferta e procura, enquanto setores se movem, a oposição à espreita e o governo lança ideias, como redução no imposto de importação, direcionar o Plano Safra para a cesta básica e até reduzir custos operacionais do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT).

Parece leque enfrentando tsunami, com o pobre comendo menos, o humor da classe média piorando, as incertezas na economia aumentando. Sem falar em Trump e nos combustíveis, que afetam inflação e alimentos e têm muito a ver com a palavra maldita: “intervenção”. Mas isso é outra história, ou outra coluna.

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