domingo, 16 de abril de 2017

Opinião do dia – Miriam Leitão

Não será fácil o caminho que os brasileiros terão que trilhar neste momento. Há muitas armadilhas pela estrada. E o Brasil não pode perder a noção de que nesta travessia o mais importante será preservar a democracia. O risco é ouvir o canto fácil dos que dirão que não são políticos e por isso têm uma inocência original que os faz merecedor do voto do cidadão. O país tem que punir criminosos e, ao mesmo tempo, renovar o sistema político, evitando os aventureiros e vendedores de poções milagrosas. Não será fácil. Mas nunca foi fácil manter e aperfeiçoar a democracia.

*Miriam Leitão é jornalista, “Os perigos da vida”, O Globo, 15/4/2017

Brasilianistas: crise pode modernizar a política

Especialista defende Concertación nos moldes do Chile

Henrique Gomes Batista | O Globo

WASHINGTON - A crise política brasileira ainda vai piorar antes de começar a melhorar, sentenciam estrangeiros que estudam a situação brasileira. Segundo esses brasilianistas, a imprevisibilidade está crescendo e, embora as eleições sejam vistas como um grande ponto de mudança, ainda estão distantes e podem não resolver definitivamente o problema do país. Os especialistas acreditam que o Brasil precisa de projetos e novas lideranças para virar a página. A solução, indicam, será complexa e lenta.

A boa notícia, segundo eles, é que a crise abre a real oportunidade para mudanças profundas em uma área da sociedade que não acompanhou a modernização que o Brasil viveu nas últimas décadas.

Para Melvyn Levitsky, professor de Política Internacional da Ford School of Public Policy da Universidade de Michigan, que foi embaixador dos EUA no Brasil de 1994 a 1998, a atual geração de juízes e procuradores está expondo a corrupção endêmica do Brasil, e isso é positivo. Ele afirma que todos os países têm corrupção, mas o nível no Brasil é “realmente impressionante”.

— Sou otimista no longo prazo. Apesar da turbulência agora, o Brasil tem a real oportunidade de fazer uma reforma, de ter uma sociedade mais participativa e transparente - disse ele, que defende a redução no número de partidos, mudanças nas eleições proporcionais e a adoção de um sistema distrital misto para a eleição dos deputados.

Para marqueteiros, Lava Jato forçará políticos ao centro

Thais Bilenky | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Os depoimentos de delatores da Odebrecht foram a gota d'água no processo de desgaste da classe política tradicional, que precisará daqui para a frente adotar um discurso de centro e evitar a polarização para sobreviver, dizem marqueteiros.

Para eles, as candidaturas em 2018 serão construídas em cima de atributos pessoais. Vencerá aquele que conseguir superar a antipolítica, criando identificação direta com o eleitor desiludido e mostrando uma plataforma que prometa resolver seus problemas cotidianos.

Por esse raciocínio, a polarização, acentuada a partir das manifestações de 2013, chegou ao ápice, e o centro se esvaziou. Para evitar a ascensão de populistas, que se aproveitarão da corrosão do sistema partidário, os candidatos das vias tradicionais terão de construir pontes.

Resta saber quem sobreviverá à Operação Lava Jato.

Delações fortalecem Doria na corrida presidencial em 2018

Delação dá força a Doria na corrida presidencial

Analistas avaliam que prefeito tucano de São Paulo é quem mais se beneficia entre os presidenciáveis com o impacto político-eleitoral da colaboração premiada da Odebrecht

Alberto Bombig e Marianna Holanda | O Estado de S.Paulo

A bomba era esperada. Os estragos dela, no entanto, surpreenderam. A divulgação dos conteúdos da delação da empreiteira Odebrecht, na semana passada, atingiu figuras emblemáticas e estraçalhou partidos a pouco mais de um ano da eleição presidencial. O Estado ouviu estudiosos e políticos de diferentes matizes e quase todos concordam que o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), por enquanto, é o maior beneficiado pela hecatombe.

Depois dele, Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede) e até Jair Bolsonaro (PSC) podem se fortalecer para uma eventual disputa se permanecerem fora do extenso grupo de implicados na Odebrecht.

Mas a vantagem de Doria é que as revelações feitas pelos executivos da Odebrecht e a amplitude da lista de implicados podem reforçar nos eleitores uma forte reação aos chamados políticos tradicionais, alvo do discurso e do marketing pessoal do prefeito paulistano.

“Está mais fácil pensar 2022 do que 2018”, ironizou Marco Antônio Teixeira, professor de Ciência Política da FGV-SP. “Tudo indica que a força da gravidade vai levar o Doria às eleições.”

Nomes tradicionais ainda mantêm chances

Para cientista político, número de elevados de citados na Lava Jato pode também ‘zerar’ jogo eleitoral

Alberto Bombig e Marianna Holanda | O Estado de S.Paulo

O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ainda desponta no PSDB como o nome favorito para a Presidência. A avaliação é de que, apesar do fortalecimento do prefeito da capital paulista, o também tucano João Doria, as acusações dos delatores da Odebrecht contra Alckmin não são capazes de afetar sua reputação. Alckmin é acusado de receber caixa 2 nas campanhas em 2010 e 2014. Ele nega.

Outras figuras atingidas pela Lava Jato mantêm chances, segundo os analistas. “Aos olhos dos políticos, se todo mundo estiver implicado, o jogo estará zerado porque ninguém terá o monopólio do capital ético”, disse o cientista político Rafael Cortez. Para ele, o que pode mudar o jogo são eventuais novidades fora da polarização PSDB e PT.

Na direita do espectro, o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) nacionalizou suas pautas. “Acredito que ele pode se fortalecer nessa lacuna deixada por lideranças, uma vez que a descrença nos políticos alimenta um discurso mais ordeiro e radical”, afirmou Marco Antônio Teixeira.

À esquerda, o PSOL pode arrematar votos como um dos poucos partidos não atingidos pela Lava Jato. O deputado federal Chico Alencar (RJ) ou o deputado estadual Marcelo Freixo (RJ) podem se destacar em 2018, mas com uma distante possibilidade de 2.º turno.

Presidenciáveis ensaiam discurso ético para 2018

Marina, Bolsonaro e Ciro, três pré-candidatos que ficaram de fora da lista de Fachin, atacam investigados e criticam o Congresso Nacional

Bernardo Gonzaga | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Os três presidenciáveis que ficaram de fora da “lista de Fachin” já ensaiam um discurso ético para as eleições de 2018. Ciro Gomes (PDT-CE), Jair Bolsonaro (PSC-RJ) e Marina Silva (Rede-AC) avaliam que a lista de pessoas citadas não surpreende e criticam os investigados pela Lava Jato.

A ex-ministra do Meio Ambiente no governo Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou para atacar a gestão Michel Temer, o Congresso Nacional e o PT, para o qual, segundo ela, “o poder de partido falou mais alto do que o poder de nação”.

‘Outsiders podem acabar logrando êxito’, diz cientista político

Para 2018, o professor Marcus Melo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), diz acreditar que não há tempo para grandes mudanças

Julianna Granjeia | O Estado de S.Paulo

A análise do cenário pós-lista de Fachin não é animadora para o professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Marcus Melo. Ao menos não a curto prazo. Para 2018, ele diz acreditar que não há tempo para grandes mudanças. Melo, porém, afirma que a Lava Jato se tornou ferramenta de modernização e fortalecimento da democracia brasileira. Porém, só a médio e longo prazo.

Como a lista de Fachin pode influenciar as eleições de 2018?

O diabo está nos detalhes, e o detalhe, nesse caso, é o timing. E o timing é claramente pró-status quo, de manutenção da classe política.

Com a impossibilidade de julgamento de todos os inquéritos, a tendência, então, é a manutenção dos investigados no poder?

Muito provavelmente não haverá nenhum desenlace a ponto de, por exemplo, impugnar candidaturas. Mas isso não significa que não tenha um custo. Não é novidade que parte do Congresso estava sendo investigada. O custo na reputação é grande.

O que se pode analisar agora sobre as eleições de 2018, sem grandes mudanças no sistema?

Tem duas coisas que têm sido ditas que me parecem ignorar aspectos relevantes. Uma é que, nesse contexto em que todos são afetados negativamente, a chance de uma candidatura extrema se eleva. Acho que a chance de um (Jair) Bolsonaro (PSC-RJ), por exemplo, são reduzidas para candidaturas majoritárias. Há um exagero descabível. Outra coisa é a ideia de que as reformas se tornaram totalmente inviáveis. A Lava Jato produziu certa coesão na base porque os deputados passaram a ver sua sobrevivência na vida parlamentar ligada ao sucesso da economia. Em 2018, se a economia estiver bem, esses candidatos terão chance de reeleição e isso garantirá o foro.

Há também uma rejeição à classe política hoje.

Sim, o que pode haver são candidaturas que, se antigamente não eram muito viáveis, agora ganham mais visibilidade, como Marina Silva (Rede) e João Doria (PSDB). Alguns outsiders podem acabar logrando.

E o que esperar?

A médio, longo prazo, o que vamos observar é o fortalecimento da democracia. Esse processo tem custos no curto prazo, mas ao cabo é bom. O que estamos observando agora é uma modernização da democracia. É tortuoso, é sujo, com idas e vindas, mas é assim que ocorre uma mudança institucional. A curto prazo, o cenário não é animador.

Políticos da 'ala branda' da lista de Fachin esperam escapar de punição

Ranier Bragon, Débora Álvares e Reynaldo Turollo Jr. | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA, SÃO PAULO - Apesar do desgaste provocado por integrar a lista de delatados da Odebrecht, uma ala dos políticos investigados manifesta nos bastidores alívio e convicção de que não será punida.

Entre os 98 alvos de inquéritos abertos pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin há 31 contra os quais há apenas a suspeita de terem recebido recursos da empreiteira por meio de caixa dois, que é a movimentação de dinheiro de campanha não declarado para a Justiça Eleitoral.

Nesses casos, a PGR (Procuradoria Geral da República) não viu indícios de contrapartida dos políticos aos recursos recebidos, o que levaria à acusação de corrupção e lavagem de dinheiro, que são crimes do Código Penal com penas mais elevadas.

A Lava Jato também pegará o Judiciário, diz ex-ministra do STJ

Frederico Vasconcelos | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - "A Lava Jato pegará o Poder Judiciário num segundo momento. O Judiciário está sendo preservado, como estratégia para não enfraquecer a investigação."

A previsão é de Eliana Calmon, ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça, ex-corregedora nacional de Justiça. "Muita coisa virá à tona", diz.

Ela foi alvo de duras críticas ao afirmar, em 2011, que havia bandidos escondidos atrás da toga. "Do tempo em que eu fui corregedora para cá, as coisas não melhoraram", diz.

Para a ministra, alegar que a Lava Jato criminaliza os partidos e a atividade política é uma forma de inibir as investigações. "Os políticos corruptos nunca temeram a Justiça e o Ministério Público. O que eles temem é a opinião pública e a mídia", afirma.

A entrevista foi concedida por telefone, nesta quinta-feira (13).

‘Donos das listas’, presidentes de partidos são investigados no STF

Políticos terão poder de influir em nomes de lista fechada em eleições

Jeferson Ribeiro | O Globo

O processo interno dos partidos para definir os candidatos a deputados federais e estaduais na eleição de 2018 será comandado por políticos que são alvo de investigações no Supremo Tribunal Federal. Dos dez maiores partidos da Câmara dos Deputados, oito têm presidentes com inquéritos no STF. Além dos presidentes, muitos investigados ocupam cargos nas comissões executivas dos partidos em âmbito nacional e também comandam as legendas em suas bases regionais.

No PMDB, que tem a maior bancada, a situação é emblemática. Além do presidente da legenda, senador Romero Jucá (RR), outros quatro membros da comissão executiva são alvos de investigações na LavaJato. Entre as dez maiores bancadas, apenas os presidentes do PSB, Carlos Siqueira, e do PT, Rui Falcão, não são alvos de investigação. Os petistas, porém, elegerão um novo comando em junho, e os dois senadores que concorrem à presidência, Gleisi Hoffmann (PR) e Lindbergh Farias (RJ), são alvo de inquéritos na Lava-Jato.

A reconstrução da casa comum | Luiz Sérgio Henriques

- O Estado de S.Paulo

É preciso sair do círculo vicioso da hostilidade entre essa esquerda e essa direita virulentas

Não faz sentido subestimar a controvérsia sobre a reforma política, até porque, todos sabem, o País dela precisa, e muito. São bem-vindas as ideias sobre a racionalização do sistema partidário, o financiamento da democracia, as mudanças na forma de captar o voto e transformá-lo em cadeiras parlamentares, ainda que a divergência sobre cada um desses tópicos não seja pequena e pareça ilusória a aposta numa grande reforma, advinda de uma Constituinte exclusiva, em desfavor de mudanças mais precisas e controláveis, mas capazes de encurtar o presente abismo entre governantes e governados, dirigentes e dirigidos, ruas e instituições.

Não custa lembrar que a crise das democracias está longe de ser exclusividade nossa, ignora limites geográficos e mecanismos eleitorais. O voto distrital americano ou inglês, o distrital misto alemão ou o proporcional em outros países não têm imunizado as respectivas democracias contra surtos perturbadores de populismo – com sua guerra fingida contra as “elites” – e tentativas de dilapidação das instituições. E há mesmo razão para desconfiar de patologias mais graves. Afinal, depois de Trump ou Putin, não se sabe o que será da verdade ou, para ser menos enfático, o que acontecerá às “narrativas” bem argumentadas que pressupõem um universo comunicativo compartilhado por pessoas diferentes entre si, mas sensatas e razoáveis.

A face mais cruel | Fernando Gabeira

- O Globo

Apesar de ofuscada pela divulgação da lista da Odebrecht, a prisão do ex-secretário de Saúde de Cabral não me surpreendeu. Desde 2010, quando imaginei poder competir com essa gigantesca e sedutora máquina de corrupção, apontei, diretamente, para os desvios na Saúde. Minha ideia era simples. Havia corrupção em toda a parte, mas era preciso priorizar as denúncias. Na Saúde, a corrupção mata. É mais fácil passar a mensagem, embora em outros setores ela também produza grandes estragos.

A variedade de escândalos, desde aluguéis de carros que valiam mais do que os próprios carros, ao superfaturamento da compra de material elementar, como gaze, até equipamentos complexos, não deixava dúvida: roubava-se em tudo. No fundo, todas as pessoas informadas estavam alertas como a vizinha de Sérgio Côrtes, na Lagoa. Ela pediu ao porteiro que a acordasse, a que hora fosse, quando a Polícia Federal viesse prender o assecla de Cabral.

A peste | Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

É inevitável uma analogia com a situação que o nosso país está vivendo

Obra prima do escritor e filósofo franco argelino Albert Camus, o romance A Peste, publicado em 1947, conta a história de uma epidemia que assola Oran, pequena cidade argelina, cujos habitantes levam uma vida monótona até o flagelo dizimar considerável porcentagem da população. O livro é uma alegoria da ocupação nazista e do colaboracionismo na França durante a guerra, que causou grande polêmica entre os intelectuais franceses na década de 1940. O autor foi agraciado com Premio Nobel de Literatura em 1957. Morreu em 1960, aos 47 anos, em um desastre de automóvel.

A peste bubônica, uma zoonose causada pela bactéria Yersinia pestis, é transmitida ao ser humano pelas pulgas dos ratos pretos. A bactéria entra por meio de invisíveis quebras na integridade da pele, espalhando-se para os gânglios linfáticos, onde se multiplica. Em poucos dias surge febre alta, mal-estar gastrintestinal e gânglios linfáticos hemorrágicos e edemaciados devido à infecção. Formam manchas-se escuras na pele e as bactérias invadem a corrente sanguínea, onde se multiplicam, causando hemorragias sépticas em vários órgãos.

O destino de Lula | Merval Pereira

- O Globo

Com a proximidade do dia 3 de maio, quando ocorrerá o interrogatório do ex-presidente Lula pelo Juiz Sérgio Moro em Curitiba, no processo em que é acusado de recebimento de vantagens ilícitas da empreiteira OAS por meio de um triplex no Guarujá, no litoral de São Paulo, e do armazenamento de bens do acervo presidencial, mantidos pela Granero de 2011 a 2016, ganha relevância a discussão sobre se Lula terá condições de concorrer às eleições presidenciais de 2018.

Ainda mais depois da repercussão dos vídeos com as delações dos executivos da Odebrecht, que revelaram com toda crueza a promiscuidade corrupta entre o ex-presidente e a empreiteira.

Para começo de conversa, há juristas que garantem que, sendo réu, Lula já está impedido de se candidatar. Ele já é reu em cinco processos, três em Brasília e dois em Curitiba. É o caso do ex-ministro do TST Galba Veloso, ex-Consultor da República e da União: “Lula não pode disputar a titularidade de um cargo que não pode exercer sequer como interino, como decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) quanto a Renan Calheiros quando presidente do Senado”.

Galinha dos ovos de ouro | Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

As MPs são ‘relevantes e urgentes’ para o País ou para corruptores e corruptos?

Entre as suas várias modalidades de “doações”, a benemérita Odebrecht usava uma bastante direta e objetiva: servia para comprar emendas ou a própria redação de Medidas Provisórias, que são editadas pelos governos e votadas pelo Congresso Nacional. As chamadas MPs se transformaram numa espetacular fonte de renda para os políticos brasileiros e isso não tem obrigatoriamente a ver com eleição.

Instrumentos à disposição do presidente da República para casos de “relevância e urgência”, elas produzem efeitos imediatos por até 120 dias, mas só viram efetivamente leis depois de aprovadas pelos deputados e senadores. Se não votadas em 45 dias, trancam a pauta da Câmara e do Senado, deixando os governos preocupados, senão apavorados.

Por que deus não paga imposto? | Hélio Schwartsman

- Folha de S. Paulo

É quase certo que não vai dar em nada, mas não vejo como não apoiar a proposta de iniciativa popular que prevê o fim da imunidade tributária de que gozam as igrejas.

Em tempos em que se debate a viabilidade fiscal do Estado, é estranho que templos, que movimentam R$ 21 bilhões de reais por ano (dados de 2011) —cifra igual ao faturamento do setor de serviços na cidade de São Paulo (2016)—, não paguem um centavo de imposto.

Falo com conhecimento de causa. No ano da graça de 2009, fundei a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio. Seus estatutos traziam um amontoado de delírios entremeados de elucubrações teológicas sem sentido, mas, como não contrariavam nenhuma disposição do Código Civil, pudemos registrar a nova fé em cartório, tirar um CNPJ de organização religiosa e, com ele, abrir uma conta bancária na qual fizemos aplicações financeiras isentas de imposto.

Mais do que equívoco | Míriam Leitão

- O Globo

Era uma política equivocada, que acabou levando o país à crise que estamos vivendo. Após a última semana ficou claro que era mais do que isso. A política dos governos do PT, de favorecer alguns grupos e empresas com redução de impostos ou concentração de empréstimos subsidiados, e a escolha por grandes hidrelétricas na Amazônia, com a redução dos custos e riscos das empreiteiras, eram mais do que equívocos.

Os governos petistas defendiam uma tese que reproduzia o pensamento econômico dos governos militares: os grandes grupos deveriam ter vantagens e apoio do Estado para se tornarem ainda maiores e liderarem o processo de consolidação do capitalismo e se tornarem grandes multinacionais brasileiras. Consolidação é como o mercado define o processo de concentração em que empresas compram suas concorrentes e se tornam ainda mais fortes. Se passar do ponto se cria um oligopólio ou até monopólio. O único papel do governo, nesse caso, é impedir as práticas anticoncorrenciais através de uma boa regulação de defesa da concorrência. A política adotada nos últimos anos fazia o inverso do que se esperava do Estado e induzia à formação de um ambiente monopolista em vários setores.

O tamanho da roubança da Odebrecht | Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Qual o tamanho do prejuízo deixado pela Odebrecht e por suas irmãs da empreitada corrupta?

Para começar, Marcelo Odebrecht estimou as despesas com subornos em algo entre 0,5% e 2% da receita bruta anual de suas empresas. Isso daria, na média, gastos acumulados de R$ 6,8 bilhões, de 2006 a 2014.

No departamento de subornos da empresa, há registro de pagamentos equivalentes a R$ 6,7 bilhões (US$ 3,37 bilhões convertidos pelo dólar médio de cada ano, sem correção inflacionária), uns 1,2% da receita da Odebrecht no período. As contas batem, pois. Mas o destino dessa dinheirama ainda não apareceu todo nas delações.

A Páscoa possível | Vera Magalhães

- O Estado de S. Paulo

Há providências que deveriam ser imediatas e que ajudariam a descortinar algum futuro

Passado o torpor em que o País mergulhou ao descobrir o grau de degeneração das instituições e da política a partir das revelações da cúpula da Odebrecht, é chegada a hora da reconstrução.

A Páscoa, celebrada neste domingo, tem o sentido da ressurreição. Nada mais apropriado para uma nação que atestou em áudio e vídeo sua morte institucional.

Vai levar tempo e ninguém espera por um milagre. Mas há providências que deveriam ser imediatas e que ajudariam a descortinar algum futuro.

Quais são as causas da depressão brasileira | Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

Transcorrido o primeiro trimestre, consolida-se o cenário de crescimento medíocre em 2017. Algo como 0,5%.

Crescer 0,5% em 2017 representa recuo de 0,3% na renda per capita. No quadriênio 2014-17, a renda per capita terá caído 9,6%, o mesmo recuo do quadriênio 1981-84. Esses são os dois piores quadriênios desde 1905.

Uma crise dessas proporções não é explicada apenas por supostos erros na condução conjuntural da política econômica, como sugerem os economistas heterodoxos. A crise, para assumir essa proporção, demanda cuidadosa construção ao longo de anos e soma fatores de diferentes naturezas.

Nessa crise, há duas causas estruturais principais e uma dinâmica cíclica muito desfavorável.

Quem joga pobre contra rico é intelectual | Celso Ming

- O Estado de S. Paulo

A esquerda tem ignorado o comportamento dos trabalhadores, que têm adotado o discurso do mérito, do "chegar lá"

Para o trabalhador brasileiro, o inimigo da hora não é nem o capitalista nem os coxinhas das manifestações, mas o Estado espoliador que só pensa em cobrar impostos e que inferniza a vida da população com excesso de burocracia e baixa qualidade dos serviços públicos.

Quem acompanha a vida nacional já sabia disso pela prática ou pelo bom senso. Agora, é o PT que o reconhece, por meio de uma pesquisa feita pelo Instituto Perseu Abramo, cujo título é “Percepções Valores Políticos na Periferia de São Paulo”, divulgada no site do instituto.

Um transe que não acaba | Cacá Diegues

- O Globo

“Terra em transe” é o filme mais importante na história do cinema latino-americano e uma das bases do que seria o cinema moderno mundial, a partir do fim dos anos 60

Neste mês de maio, celebramos os 50 anos de lançamento do filme “Terra em transe”, de Glauber Rocha. Um filme sobre a crise política num país da América Latina; e também sobre a crise pessoal de um intelectual no centro desse transe. Um transe que não é somente político, ideológico ou existencial.

Há, em “Terra em transe”, um desejo imenso de ver o mundo de um outro modo, diferente da racionalidade iluminista para a qual estamos todos treinados. Trata-se de encontrar outra forma de olhar para tudo e para nós mesmos; ainda que, como diz Sara, a namorada de Paulo, o herói do filme, “a poesia e a política sejam demais para um homem só”.

“Terra em transe” é o filme mais importante na história do cinema latino-americano e uma das bases do que seria o cinema moderno mundial, a partir desse fim dos anos 1960. De Godard a Pasolini, de Scorsese a Coppola, de Oshima a Kiarostami, de onde você quiser a onde você pensar, o cinema nunca mais foi o mesmo depois de “Terra em transe”.

A responsabilidade de Lula – Editorial | O Estado de S. Paulo

Há quem veja nas delações da Odebrecht e nas centenas de inquéritos delas decorrentes, tanto no Supremo Tribunal Federal (STF) como na primeira instância, a confirmação de que toda a política nacional está corrompida. A disseminação da corrupção seria de tal ordem que já não teria muita serventia a identificação dos culpados. Com leves variações de tons, todos os políticos seriam igualmente culpados. Ou, como desejam alguns, todos seriam igualmente inocentes.

Como corolário desse duvidoso modo de ver as coisas – como se a deformação da política tivesse pouca relação com a atuação desonesta de pessoas concretas –, há quem entenda que as descobertas mais recentes da Lava Jato desfazem a impressão, tão forte nas primeiras etapas da operação, de que Lula e sua tigrada tiveram uma participação especial na corrupção no País. Eles seriam tão somente um elo a mais na corrente histórica de malfeitos. A responsabilidade por tanta roubalheira caberia, assim querem fazer crer, ao sistema político.

Longe de relativizar a responsabilidade do PT na crise ética da política, as revelações sobre os ilícitos da Odebrecht, delatados por seus diretores e executivos, confirmam e reforçam o papel deletério de Lula na política nacional. Seu papel foi decisivo e central para o abastardamento da vida política brasileira. Foi ele o autor intelectual e material do vil assassinato do interesse público nos dias que vivemos.

A guerra foi perdida – Editorial | O Globo

É sério equívoco criminalizar o usuário; isso só faz aumentar a violência e o próprio tráfico

Embora a agenda de discussões no país esteja muito concentrada na reforma da Previdência e em assuntos correlatos à crise política — Lava-Jato, eleições de 2018 —, há temas também em debate, e da mesma forma relevantes, embora não tenham para a sociedade a emergência de questões ligadas de maneira mais concreta e visível à vida das pessoas.

Um desses temas são as drogas, no centro de um choque de opiniões no mundo inteiro, em que se digladiam defensores da descriminalização do consumo, para que o usuário seja tratado como caso de saúde pública, e os que dão prioridade ao enfrentamento policial e militar do problema. A guerra tradicional.

É possível – Editorial | Folha de S. Paulo

A afirmação de que se deve aumentar a eficiência do gasto público não raro soa como mero truísmo, expediente retórico sem maior significado prático; ou, a depender do ponto de vista, como um desafio intransponível.

Nem uma coisa, nem outra. A melhor maneira de demonstrar que se trata de objetivo concreto e tarefa viável provavelmente seja reconhecer que o país coleciona avanços nesse campo, insuficientes mas não irrelevantes, nos últimos anos e décadas.

Fala-se aqui de oferecer à população melhores bens e serviços, com menos recursos drenados por desperdício, negligência, falta de planejamento ou corrupção.

Um dos progressos mais simples e notáveis, sem dúvida, deu-se com a transparência dos balanços orçamentários nas três esferas de governo, crescente desde a restauração da democracia e multiplicada com o advento da internet.

Poema | Joaquim Cardozo

Eu não quero o teu corpo
Eu não quero a tua alma,
Eu deixarei intato o teu ser a tua pessoa inviolável
Eu quero apenas uma parte neste prazer
A parte que não te pertence.

Sueli Costa | Encouraçado