quinta-feira, 14 de março de 2019

Paulo Fábio Dantas Neto*: Insigths de Mark Lilla e chances de uma política democrática no Brasil

Circulando no Brasil, há meses, provocando comentários elogiosos e indisposições, o livro de Mark Lilla, "O progressista de ontem e o do amanhã", que agora li, animou-me a tocar em temas não habituais para mim. O argumento liberal (mas não tanto), norte-americano (mas não só), pegou-me pela veia, como discurso crítico vigoroso da onda identitária que, segundo Lilla, teria capturado, há décadas, as mentes da esquerda liberal do seu país e feito o Partido Democrata capitular, face ao desafio de falar à nação.

Textos de Antônio Risério já vinham me ajudando a entender o viés político-cultural da argamassa identitária que tem murado – há menos tempo, mas também não de hoje – parte relevante da esquerda brasileira. O livro de Lilla sugeriu-me uma analogia, que arrisco, mesmo ponderando a razão de quem me alerta para uma distinção: identitários brasileiros não refletem tanto o individualismo “pseudopolítico” que Lilla vê nos movimentos que pautam seus correligionários. O sotaque “anti”, “pós”, ou “de”colonial, que movimentos brasileiros sustentam – mesclado, em curioso mix, com retóricas marxistas e perspectivas comunitaristas, religiosas e não – faz com que a sua ancoragem político-partidária dê-se em (ou em torno de) partidos e parlamentares da esquerda iliberal, acentuando, nessa última, o seu pendor histórico a ser uma esquerda “negativa”.

Além dessa discussão, é interessante, no livro, a visão reiterada de Trump como início de nada, exacerbação degenerada do ocaso da era Reagan. Interessante, também, essa visão não levar o autor a um otimismo partidarista, que poderia parecer pragmático, mas seria politicamente tolo. O seu raciocínio é outro: se o liberalismo norte americano está enredado na política identitária, logo, desarma-se, politicamente, para ocupar o vácuo que se apresenta. E mais interessante ainda é onde Lilla resgata cartas de navegação para sair em busca de um discurso liberal “progressista”, capaz, em tese, de fazer o PD voltar a falar ao grande público. É no repertório de métodos e valores de um conservadorismo político que em nada se confunde com a onda reacionária mundial, da qual Trump é a expressão mais notória e Bolsonaro, um arremedo tropical.

Conservadorismo do bem, em primeiro lugar, porque o valor mais acenado no livro é o de uma solidariedade associada à ideia de bem comum. Lilla reivindica, com razão, essa ideia como parte do patrimônio do liberalismo democrático. Mas quando, no contexto da sua crítica à política identitária, ele propõe alterar a agenda dos democratas para não deixar, na mão da direita, a bandeira do sentimento nacional americano, o bem comum surge como obra de uma cidadania política vivida através de instituições do Estado, não de movimentos sociais. Desse modo, o valor da solidariedade tem tradução diretamente política, como antídoto para um déficit que é mais de república do que de democracia. Nesse ponto pode-se chegar, também, a uma analogia com o contexto brasileiro.

Em segundo lugar, conservadorismo moderado, pelo método político. A distinção, até mesmo oposição, entre um espírito político conservador e a anti política, populista e reacionária, que se expande hoje, é um nó a desatar, para que o pensamento democrático saia do aperto em que se encontra. Lilla ajuda a desatá-lo, saltando por cima da dicotomia entre “nova” e “velha” política. Propõe prioridade à política institucional (a “política dos políticos”) e a define como a mais autêntica política dos cidadãos. Contribui, assim, ao debate em que Marco Aurélio Nogueira tanto nos tem feito pensar.

Quanto mais começo a conhecer (estimulado por alunos, é bom assinalar) pensamento de gente conservadora como Russel Kirk, Oakeshott ou mesmo Roger Scruton, mais persuadido fico de que, em suas reflexões, há afinidades, no modo de pensar a política como processo, com a esquerda positiva, que Gildo Brandão tão brilhantemente interpretou e em cuja tradição me reconheço. Por vezes vieram-me à mente, ao ler algo daqueles conservadores, ou sobre eles, passagens de Armênio Guedes (“politizar a ideologia, em vez de ideologizar a política”) e coisas que escreveu Marco Antônio Tavares Coelho, à guisa de enquadramento imediatamente político de uma perspectiva programática. Isso para ficar só em dois desbravadores de nexos entre socialismo, democracia e política, antes de 64, no antigo PCB. Vejo o rastro metódico de Armênio em Luiz Sergio Henriques e, de outro modo, em Luiz Werneck Vianna. São intelectuais que se sofisticaram estudando Gramsci, sem se concluírem como “gramscistas”. Para justificar essa menção, feita sem licença prévia deles, lembro dos belos usos que fazem, respectivamente, das obras de Giuseppe Vacca e Aléxis de Tocqueville.

Eugênio Bucci: Segura o ‘fascio’

- O Estado de S.Paulo

O estilão de brucutu digital de S. Exa. faz lembrar Correa, Chávez Maduro, Mussolini

Primeiro, logo no dia seguinte à sua vitória eleitoral, ele investiu contra a Folha de S.Paulo. E isso ao vivo, para todo o País, numa entrevista ao Jornal Nacional. Foi numa segunda-feira, 29 de outubro. O eleito não continha sua revolta com uma reportagem da Folha que noticiara um fato embaraçoso: uma funcionária do gabinete dele na Câmara dos Deputados vendia suco de açaí na praia em horário de expediente. Detalhe: a barraca da assessora era vizinha da casa de veraneio do então deputado (hoje presidente da República) na praia de Mambucaba (RJ). Naquela segunda-feira no Jornal Nacional, menos de 24 horas depois de proclamada sua vitória, o eleito, em vez de conclamar o Brasil à unidade e ao congraçamento, endereçou mensagens de fel. Uma delas destinada à Folha: “No que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”. E vaticinou: “Por si só esse jornal (Folha) se acabou”.

Depois de malhar a Folha, ele voltou sua artilharia para a Globo, a quem chamou de “inimiga”. Foi no dia 12 de fevereiro, numa conversa por WhatsApp com o então ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. O chefe de Estado negara que a conversa tivesse existido, até que, uma semana depois, a troca de mensagens foi revelada pela revista Veja.

Ele estava bravo naquele dia 12 de fevereiro. Bebianno receberia a visita de um vice-presidente da Globo e o presidente não se conformava. “Gustavo, o que eu acho desse cara da Globo dentro do Palácio do Planalto: eu não quero ele aí dentro. Qual a mensagem que vai dar para as outras emissoras? Que nós estamos se (sic) aproximando da Globo. Então, não dá para ter esse tipo de relacionamento. Agora... inimigo passivo, sim. Agora, trazer o inimigo para dentro de casa é outra história.”

William Waack: Simplórios no comando

- O Estado de S.Paulo

A complicada relação entre humanos e automação é agravada por populismo barato

O conselho mais sábio dado por instrutores de voo a jovens pilotos é também o mais antigo: em caso de pane, voe o avião (está lá no filme Sully, do famoso pouso no Rio Hudson em Nova York). Significa simplesmente utilizar de maneira coordenada pés e mãos, e pilotar a máquina até chegar lá embaixo, como fez o Capitão Sully.

Então como entender que engenheiros projetaram um sistema de computadores que interfere diretamente na atitude do avião (nariz para baixo, no caso) somente quando o piloto automático NÃO está acionado, ou seja, o avião está sendo voado pelo ser humano? É o caso do Boeing 737 Max 8, obrigado a ficar no chão ou proibido de voar no espaço aéreo de dezenas de países depois de dois acidentes fatais levantarem a suspeita de que pilotos não conseguiram lidar ou foram driblados por modernos sistemas automáticos.

A questão está longe de ser meramente técnica. Na verdade, é profundamente filosófica, e por consequência política, e tem a ver com a relação entre humanos e automação. Modernos aviões comerciais voam controlados por sistemas que “protegem” os pilotos de si mesmos, isto é, sensores levam computadores a agir diretamente na pilotagem se dados essenciais como velocidade, por exemplo, estiverem fora de limites fixados num software.

No já clássico The human factor, de William Langewiesche, que trata da tragédia do AF447 entre Rio e Paris, em 2009 – talvez o melhor texto jamais escrito sobre um grande acidente aeronáutico – verifica-se que é a automação que permitiu eliminar grande parte do “fator humano” e dar enorme segurança ao transporte aéreo. Mas o “fator humano” é o decisivo quando pilotos educados a confiar na automação se desorientam na ausência dela – caso dos pilotos do AF447, surpreendidos pelo desligamento dos computadores depois de uma pequena falha de um sensor de velocidade, e que não conseguem “voar o avião”.

Paulo Delgado*: Escudos e alvos

- O Estado de S.Paulo

O otimismo com a agenda liberal é alto, já a agenda moralista é uma incógnita...

De certa forma o povo aceita que o político fale por ele. Assim o presidente avança do seu jeito, sem modelo definido ou acontecimento que aponte para dizer o que será seu governo. Bolsonaro segue a tradição de usar a linguagem para provocar controvérsia supondo aumentar o capital político. Mas sem método é impossível imaginar o que virá.

Também é impossível aquilatar se enfrentará ou recuará das correntes de força que provoca e se saberá lidar com os furacões que atrai, disposto a correr grandes riscos para si mesmo e para o País.

Guiado apenas por sua experiência pessoal no Legislativo, o presidente precisa de equipe. Sem sentimentos partidários, preferindo ideologia supremacista a diálogo, pode se meter em areia movediça. Seu amor próprio vem da lealdade que recebe de um comando militar que domina seu entorno e aposta no desenvolvimento organizacional da Presidência: vice, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria-Geral, porta-voz, Secretaria de Governo. Acaba usando-os como abrigo antiaéreo para se proteger dos estilhaços que o atingem, por culpa sua. Mas militares sabem que escudos viram alvos e, como diz Churchill, ninguém segura crise de “governo que continua firme na deriva, sólido na fluidez, onipotente na impotência”.

“Pobre o soldado sem os versos do poeta.” Os ministros militares parecem querer livrar o governo do amontoamento de ideias, se quiser falar de disciplina. São especialistas em espaços, observam bem ruídos, localizações e deslocamentos e conhecem o fato de que mesmo fortalezas precisam de passagens, pontos de fuga e ventilação. Talvez não queiram um governo de proibições.

Há uma realidade que precisa ser mudada, porque o Brasil sempre se coloca os mesmos problemas. Não há uma equação clara do que virá. A realidade avança. O ímpeto para mostrar bandeira exige que se cuide mais do foco e da imagem.

Merval Pereira: Curitiba deve perder

- O Globo

A disputa entre o sistema judiciário e o que o ministro do Supremo Gilmar Mendes chama de “Justiça de Curitiba” parece caminhar para um fim no julgamento que começou ontem do Supremo Tribunal Federal (STF), cuja maioria tende a aprovar que os crimes conexos aos de caixa 2, como corrupção ou lavagem de dinheiro, devem ser encaminhados à Justiça Eleitoral, que definirá se tem competência para julgá-los, ou se os encaminha para a justiça comum.

Prevaleceu a interpretação fixada em jurisprudência de mais de 30 anos, como frisou o ministro Alexandre de Moraes. Os promotores de Curitiba, que vinham forçando uma interpretação alargada da legislação em nome do combate à corrupção, tiveram a primeira grande derrota, que pode se transformar em golpe mortal nas investigações da Lava Jato contra políticos que não têm foro privilegiado, como no caso que começou a ser julgado ontem, o ex-prefeito do Rio Eduardo Paes.

Nesses cinco anos de existência da Operação Lava Jato, interpretações legais ajudaram a levar adiante as investigações e condenações de políticos corruptos, na continuidade do comportamento pioneiro do STF no julgamento do mensalão.

O ministro Luis Roberto Barroso, do STF, encarna esse espírito quando diz que “tudo o que é certo e justo tem que encontrar lugar no Direito”. Condenações de políticos por crimes de corrupção e assemelhados não era um fato normal na Justiça brasileira, seja no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seja no Supremo Tribunal Federal (STF), e a razão para essa dificuldade é que não são tribunais estruturados para tratar de fatos criminais.

Os procuradores de Curitiba sugerem que a dificuldade seja a relação promíscua entre políticos e membros dos tribunais superiores. No caso do TSE, muitos deles foram ou são também advogados de partidos e políticos.

Míriam Leitão: Marielle era força e promessa

- O Globo

Filhos de Bolsonaro fizeram as perguntas erradas diante da apresentação dos suspeitos do assassinato de Marielle Franco

“Quem era Marielle?” A pergunta é do deputado Eduardo Bolsonaro. “Estou falando com todo o respeito. Ninguém conhecia Marielle Franco antes de ela ser assassinada”. O parlamentar tem que redobrar seu respeito. Marielle era um fenômeno da política. Mulher, negra e tendo crescido na Maré, sem qualquer parente na política, de um partido pequeno, fez uma campanha sem recursos e que a consagrou com mais de 46 mil votos. Ela foi votada principalmente nas áreas pobres da cidade.

Quem era Marielle? Era uma política despontando com uma força de liderança enorme. Na democracia representativa, os representantes são o esteio das instituições e por isso vivem sob constante escrutínio da população. Marielle encarnava exatamente os que mais precisam ter voz num país desigual e cheio de injustiças como o Brasil, as mulheres, os negros, os pobres, os que são perseguidos por sua orientação sexual. Trabalhou para construir essa liderança, por 10 anos foi funcionária de uma casa legislativa, acompanhava o chefe, deputado Marcelo Freixo, numa CPI árdua, a das milícias, problema que ou é enfrentado ou o Rio naufragará na barbárie. Os chefes da milícia são, como ninguém desconhece, ex-integrantes das forças de segurança do Estado. Atuam numa zona de sombra perigosa, afinal o Estado treina e arma seus agentes para que protejam a população e não para prepará-los para ocupar parte do território, sequestrar populações, ameaçá-las e matar os que considera que são seus inimigos.

Segundo o deputado Bolsonaro, ninguém sabia quem era Marielle Franco, antes do crime. Seus eleitores sabiam, a população que foi espontaneamente às ruas nas horas seguintes para chorar sua morte sabia. E infelizmente sabiam também os que a mataram e os que tramaram tão minuciosamente como executar o crime. Se não era ninguém, como sugere o deputado Bolsonaro, porque o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz programaram com tanta frieza, a esperaram com tanta determinação, planejaram com tantas minúcias o seu assassinato?

Ascânio Seleme: O zelador e o pastor

- O Globo

Crivella vem fazendo nos últimos meses uma gestão de formiguinha

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, gosta de se apresentar como zelador, um homem que cuida da cidade e das pessoas. Segundo ele, não dá para o prefeito-zelador estar fora da cidade em momentos como o da segunda-feira, quando um dilúvio se abateu sobre São Paulo. Covas já viveu outros episódios estressantes na sua curta gestão de um ano. Viu um prédio de 20 andares no Centro desabar depois de um incêndio e um viaduto cair no meio de um feriado.

Não tem dia fácil ou tranquilo na administração, diz Covas, que estava em Berlim quando a tempestade inundou São Paulo, tendo de voltar às pressas para a cidade. Apesar de tanto aborrecimento, Bruno Covas deve ser candidato à reeleição. Confia que terá apoio do governador João Doria e de todo o seu partido, mas jura que ainda nem pensou em trabalhar politicamente sua candidatura.

De acordo com ele, o melhor a fazer é exercer bem o mandato. “Trabalho pela reeleição é trabalho de prefeito”, diz. Hoje, a prefeitura tem menos secretários ligados a partidos do que em janeiro de 2017, no início da gestão de João Doria, a quem Covas substituiu. O prefeito acha que lotear o governo atrapalha mais do que ajuda. Tempo de TV, segundo ele, não ganha eleição, como bem demonstrou seu aliado Geraldo Alckmin no ano passado.

Bernardo Mello Franco: Da cadeia para a prefeitura

- O Globo

Depois de 93 dias na cadeia, o prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, reassume o cargo hoje. Ele reclama que foi preso antes de ser ouvido sobre as acusações

O prefeito de Niterói, Rodrigo Neves, comemorou o Natal em março. Sua família manteve a árvore montada e adiou a ceia para esperá-lo. Ele voltou para casa ontem à noite, depois de três meses na cadeia.

O pedetista foi preso em dezembro, acusado de chefiar um esquema de corrupção ligado a empresas de ônibus. Como o vice renunciou, a cidade ficou nas mãos do presidente da Câmara dos Vereadores.

O Ministério Público sustenta que o grupo de Neves desviou R$ 10,9 milhões. Ele diz que é inocente e não teve chance de se defender. “Fui preso sem nunca ter sido ouvido. Sou investigado há 11 meses e não acharam nenhuma prova. É uma coisa de maluco”, afirma.

A Promotoria acusa o prefeito de cobrar 20% de pedágio sobre o reembolso de gratuidades previstas em lei. Ele diz que nunca pediu propina e que impôs exigências que contrariaram os empresários.

“Quando assumi, Niterói tinha três tarifas diferentes. Unifiquei pela menor, e hoje a cidade tem a passagem mais barata do Estado. Também exigi que 90% da frota tivesse ar condicionado. Essas medidas reduziram o lucro das empresas”, defende-se.

Na terça-feira, o Tribunal de Justiça revogou a prisão preventiva por seis votos a um. Neves foi afastado e preso antes de virar réu. A denúncia só deve ser examinada em abril, ressalta o advogado Técio Lins e Silva.

Bruno Boghossian: Correntes da campanha

- Folha de S. Paulo

Temendo exploração política, presidente demora em aparecer como líder solidário

Jair Bolsonaro ainda não conseguiu se ajeitar na cadeira presidencial. Quando as notícias do massacre brutal em Suzano chegaram ao gabinete, pela manhã, ele subiu e desceu o assento, reclinou o encosto, e esperou. À tarde, sentiu o peso da faixa e deu a dimensão merecida aos fatos: “Uma monstruosidade e covardia sem tamanho”, escreveu.

O país ficou abalado com a crueldade dos assassinos, que tiraram as vidas de cinco jovens e três adultos de maneira brutal. A comoção naturalmente tomou o Palácio do Planalto. O presidente, porém, levou seis horas para se manifestar. Bolsonaro acertou no tom, mas provou mais uma vez que a retórica de campanha é uma bola de ferro presa a seus pés.

Dois episódios revelam as razões da cautela exagerada do governo. Três horas após o atentado, Carlos Bolsonaro afirmou a um seguidor que o pai aguardaria detalhes do caso antes de se pronunciar. “Óbvio que todos nos solidarizamos e óbvio que muitos exploram maldosamente contra o presidente. Portanto, aguardar as informações é vital, sem oportunismo”, publicou. Pouco depois, apagou a mensagem.

No fim da tarde, o porta-voz do Planalto foi questionado sobre possíveis ações do governo para impedir novas tragédias, mas ficou na defensiva. “O evento não tem relação direta com os projetos propostos pelo nosso presidente em seu programa de governo”, respondeu, sem que alguém tivesse tocado no ponto.

Roberto Dias: Baile dos mascarados

- Folha de S. Paulo

Nesta festa quem tira alguém para dançar está sempre circunavegando o abismo

Máxima atribuída a Tim Maia decretava que o Brasil é um país em que prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme, traficante se vicia e pobre é de direita.

Mas isso foi quando o país era apenas complicado. Agora virou outra coisa, ainda não dicionarizada
—o adjetivo brasil, quem sabe, acabará por encampar nova acepção.

O crime organizado por aqui continua crime e continua organizado, mas ele se misturou de tal forma com política, polícia, bombeiros, seguranças e qualquer outro estamento que está difícil roteirizar. Visto com os olhos da história, o filme “Tropa de Elite” retrata na verdade uma sociedade pré-revolucionária.

O crime desorganizado, esse só agregou tipificações penais. O que antes não tinha agora tem; o coleguinha de escola de hoje pode bem ser o algoz do massacre de amanhã.

Nesse baile de máscaras, as pessoas são isso e são aquilo, ao mesmo tempo ou na sequência.

Janio de Freitas: O crime é sério

- Folha de S. Paulo

Investigadores do caso Marielle decidiram pelas prisões para evitar o achincalhe

Menos atraente, mas não menos importante, a descoberta involuntária do estoque de armas de combate, em seguida à prisão do matador de Marielle Franco, lança sobre a polícia e as promotoras do caso o primeiro efeito. Inutiliza o seu argumento de que Ronnie Lessa agiu "por repulsa à atuação política da vereadora", sob impulso da obsessão contra "pessoas que se dedicam às causas das minorias". Para dar consequência fatal à alegada obsessão, Ronnie Lessa, ou qualquer outro, não precisaria de 117 fuzis do conceituado modelo M-16. E nem é certo que o depósito encontrado seja o único.

Do raso mergulho na psicologia de Lessa, polícia e promotoras trouxeram ainda a dedução de estarem diante de um contrabandista. Logo, uma das misteriosas fontes do armamento que domina favelas e fortalece o chamado crime organizado. É uma hipótese. A mais fácil. Por isso, incapaz de explicar, com o estoque de fuzis, a presença de silenciosos, objetos que abafam o som do tiro e que não são usados pelo crime organizado nem pelos traficantes favelados.

As armas à espera de montagem indicam uma técnica de contrabando ainda não considerada aqui. Exceto umas três peças —gatilho, cano e coronha, de formas muito conhecidas—, as demais podem entrar até por vias legais, como peças de reposição para tal ou qual indústria. As outras podem ter fabricação aqui. Além disso, a entrada ilegal de armas dá à Polícia Federal, enfim, uma brecha para a ansiada presença no caso Marielle.

Luiz Carlos Azedo: Faroeste caipira

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A tragédia de ontem pôs em xeque uma das principais pautas do governo Bolsonaro, a liberação da venda de armas de fogo”

Dois ex-alunos mataram sete pessoas na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano (SP): cinco alunos, duas funcionárias do colégio; além do proprietário de uma loja próxima ao local. Não se sabe ainda a motivação do crime. Os assassinos, Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, e Henrique de Castro, de 25 anos, chegaram encapuzados, abriram fogo e se suicidaram a seguir. Marilena Ferreira Vieira Umezo, coordenadora pedagógica, foi a primeira a ser atingida. O massacre é o maior já registrado em São Paulo. No Rio, em abril de 2011, 12 crianças morreram e 13 ficaram feridas numa escola de Realengo: um homem de 23 anos invadiu salas de aula atirando.

A tragédia de ontem pôs em xeque uma das principais pautas do governo Bolsonaro, a flexibilização da venda de armas de fogo. O senador Major Olímpio (SP), líder do PSL, da tribuna do Senado, tentou manter o eixo da discussão, com o argumento de que o massacre poderia ser evitado se funcionários e professores portassem armas, mas o assunto é leite derramado, como o debate sobre licenças ambientais depois da tragédia de Brumadinho. Não foi à toa a hesitação e demora do Palácio do Planalto para se pronunciar sobre o incidente, com uma nota tímida. O presidente Jair Bolsonaro demorou mais ainda a se manifestar pelo Twitter, no qual costuma apertar o dedo rapidinho.

A lógica de que armar a população de forma generalizada é boa para o lobby dos fabricantes de armas, mas não tem sustentação na realidade. Basta imaginar uma situação na qual moradores da Zona Sul do Rio de Janeiro trocassem tiros pela janela com traficantes da Rocinha, Pavão e Pavãozinho, Chapéu Mangueira e Dona Marta. Ou que, de fato, houvesse professores e alunos armados na escola, trocando tiros com os dois ex-alunos, numa espécie de faroeste caipira. Seria um retrocesso civilizatório.

Direitos humanos, democracia e paz são conquistas históricas da sociedade moderna. Homicídios impunes, agressões domésticas, brigas entre torcidas de futebol, violência no trânsito, violência policial, presídios superlotados, racismo e homofobia estão em contradição com isso. Não há correspondência entre a realidade social e a expansão dos direitos humanos na Constituição Federal de 1988. Urge um debate sobre essa questão que fuja às soluções fáceis e fugazes, que, às vezes, empolgam os eleitores, mas não são exequíveis.

Ricardo Noblat: Bolsonaro e PT, tudo a ver

- Blog do Noblat / Veja

Cara de um, focinho do outro

Em muitas coisas eles se parecem. Certamente foi por isso que tudo fizeram para se enfrentar no segundo turno da eleição presidencial do ano passado.

Ao longo do primeiro, o PT poupou Bolsonaro de críticas. Deixou para Geraldo Alckmin (PSDB) o serviço sujo de tentar destruir a imagem dele. Não deu certo.

Bolsonaro sempre soube que o adversário ideal para derrotar seria o PT. Suas chances seriam menores se seu adversário no segundo turno fosse qualquer um dos outros.

O que Bolsonaro faz agora com a imprensa rebelde aos seus desejos é o que o PT fez com menos estridência na época em que governou. Quer emparedá-la.

Se Lula, em comícios, chegou a citar o nome de jornalistas críticos do seu e depois do governo de Dilma, Bolsonaro procede da mesma maneira, na maioria das vezes por meio das redes sociais.

São dois irresponsáveis. Não se preocupam com as eventuais e perversas consequências à segurança de profissionais que apenas cumprem o seu dever de ofício.

Mas há uma diferença entre Lula e Bolsonaro: um está preso. O outro é o presidente da República, recém-eleito, e ainda com alto índice de aprovação.

Lula já não representa perigo algum para quem discorde dele – salvo dentro do PT, naturalmente. Bolsonaro é o perigo em pessoa.

Acadêmicos do Capitão saúda o povo e pede passagem

E o desfile mal começou...
Governo é como escola de samba. Há muitas alas, cada uma se julga a mais bonita, e todas querem brilhar na Esplanada da Sapucaí.

Há unir as alas um enredo que conta uma história. E também um samba que deve ser cantado ao ritmo ditado pelo puxador.

Se o coro de vozes não levar em conta a bateria, o samba atravessa. Se faltar harmonia no desfile, abrem-se buracos e perdem-se pontos.

No momento, O Grêmio Recreativo Acadêmicos do Capitão exibe pelo menos cinco alas. A saber:

+ Família Unida Jamais Será Vencida;
+ Fardados do General Mourão;
+ Órfãos da Lava Jato;
+ Economia Acima de Tudo;
+ e Indicados do Olavo.

Montada às pressas, a escola enfrenta um grave problema desde que começou a desfilar em janeiro último: carece de uma narrativa.

Maria Cristina Fernandes: Um país ocupado por bestas e fuzis

- Valor Econômico

Moratória da venda de armas dos EUA iria à raiz da violência

Dois meses antes da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes, que hoje completa um ano, a Polícia Federal divulgou um relatório que indicava a venda de armas em lojas e feiras nos Estados Unidos como a principal fonte de fuzis e metralhadoras contrabandeados para o Brasil.

O monopólio de importação de armas dos Estados Unidos é das Forças Armadas e das polícias. A entrada clandestina dá-se por portos e aeroportos e, principalmente, pela fronteira com o Paraguai. O relatório identificou que a maior brecha para o ingresso direto da mercadoria americana no Brasil se dá pela importação de kits com itens avulsos para a montagem de armas.

Na casa de um parceiro do ex-policial militar Ronnie Lessa, um dos presos por suspeita de participação na morte da vereadora carioca e de seu motorista, foram encontrados kits como esses para a montagem de 117 fuzis. Como informa o relatório, seu preço de venda, em território nacional, pode alcançar dez vezes o valor pago nos Estados Unidos, o que pode explicar, em parte, como um ex-policial com soldo de R$ 7 mil mora num condomínio de classe média alta na Barra da Tijuca.

Depois da divulgação desse relatório, a Polícia Federal começou a pressionar o governo federal para que obtivesse, do governo americano, medidas de restrição à venda de armas, especialmente para o Paraguai, como mostrou Marcos de Moura e Souza (Valor, 20/3/2018). As tratativas esbarraram na indústria bélica americana ainda mais fortalecida na gestão Donald Trump.

A visita do presidente Jair Bolsonaro é a primeira de um chefe de Estado brasileiro aos Estados Unidos desde a divulgação do relatório da PF. No encontro com jornalistas na manhã de ontem, o presidente limitou-se a informar a existência de dois acordos a serem assinados, um para o uso comercial da base de Alcântara e outro, de bitributação. Na área de segurança pública, o Itamaraty limita-se a informar que o Brasil tem interesse em compartilhar informações e treinamento em lavagem de dinheiro, terrorismo e narcotráfico, no âmbito do foro de segurança criado no ano passado na gestão Michel Temer.

O intercâmbio jurídico/policial do Brasil com os Estados Unidos avança muito mais celeremente no combate à lavagem de dinheiro do narcotráfico e da corrupção. O distintivo da Swat no uniforme da escolta dos presidiários da Lava-Jato é auto-explicativo. A operação é, em grande, parte, fruto dessa colaboração. Foi na carona dela que o Ministério Público tentou criar uma fundação para gerir o dinheiro recuperado com a corrupção.

Matias Spektor: Primeira visita

- Folha de S. Paulo

Visita é a importante aposta de política externa do início de mandato

A visita de Jair Bolsonaro à Casa Branca é a mais importante aposta de política externa do início de seu mandato.

O Palácio do Planalto insistiu em realizar a viagem no primeiro semestre do ano mesmo quando os americanos sinalizaram que, postergando a viagem alguns meses, a Casa Branca teria melhores condições de entregar concessões.

O compromisso com realizar a visita rápido é intenso a ponto de fazer Bolsonaro arcar com o custo de pular Buenos Aires como destino inicial.

O presidente acredita que, estabelecendo um canal desimpedido com Trump nos Estados Unidos, seu mandato será mais fácil. Por isso, a visita não começa nem se esgota na identidade política que Bolsonaro construiu com Trump durante a campanha.

Bolsonaro privilegia a Casa Branca porque acredita ter condições de obter benefícios para consolidar sua posição junto aos três grupos sobre os quais se equilibra: a bancada religiosa, os militares e o mercado financeiro.

Em seu encontro com Trump e na reunião que terá com uma rede de denominações evangélicas, Bolsonaro operará a conexão entre voto e prece que é marca registrada da direita americana.

Aos militares, Bolsonaro entregará o acordo de Alcântara, o status de aliado extra-OTAN e a promessa de compras no mercado de defesa. Além disso, Bolsonaro conseguirá para o grupo militar um espaço geopolítico inédito na América do Sul, agora que a Venezuela implode a passo acelerado e promete virar um problema de longo prazo para a segurança nacional do Brasil.

José Serra*: As tentações do azar

- O Estado de S.Paulo

Lobby da jogatina insiste no retorno dos cassinos e congêneres. E com baixa tributação

Não obstante seus seguidos revezes ao longo do tempo, os defensores da “legalização” do jogo têm redobrado a ofensiva para trazer essa prática de volta ao País. Só no ano passado fizeram duas tentativas, por sorte frustradas. Uma, em março, mediante o Projeto de Lei 186, que foi derrotado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A outra, em agosto, quando o relator da Lei Geral do Turismo na Câmara de Deputados rejeitou emenda que autorizava “jogos de fortuna em bingos, jogos online e em resorts integrados”.

Mas o lobby da jogatina é insistente e contra-ataca de novo: acaba de apresentar o PLS 530, de 2019, que prevê o retorno dos cassinos e congêneres. Neste mesmo ano até o presidente da República, Jair Bolsonaro, acenou com a possibilidade dessa volta. É um jogo sem fim.

Mas esse lobby tem sido rejeitado por uma ampla coalização contrária, que inclui, entre outros setores, parlamentares representativos das diversas confissões religiosas. Por isso mesmo foi surpreendente a atitude do prefeito do Rio, o evangélico Marcelo Crivella, de apoiar um megaprojeto de cassino no Porto Maravilha. Atitude preocupante, que pode enfraquecer a ainda sólida maioria contrária ao jogo, caso convença membros da bancada ligada às diferentes igrejas a participarem dessa empreitada funesta.

Parece-me compreensível a aflição do prefeito do Rio – que, pessoalmente, é contra o jogo e outros vícios – com o tamanho dos desafios administrativos que herdou. Um deles, o projeto do Porto Maravilha, tem-se mostrado especialmente inviável, típico rebento que é da megalomania associada à vinda da Copa do Mundo e da Olimpíada. Seus arautos garantiam que os eventos trariam a redenção da economia fluminense e do País.

A tese era tão irrealista – e suas consequências, tão frustrantes – que nem é preciso nos alongarmos. Os caríssimos elefantes brancos que foram erigidos para receber os eventos trazem hoje ônus significativos para as cidades e os Estados que os hospedaram. Para exemplificar, o Estádio Mané Garrincha, além do custo absurdo de R$ 2 bilhões para sua construção, dá prejuízo anual de R$ 8 milhões.

Zeina Latif*: Menos Brasília?

- O Estado de S.Paulo

A posição dos Estados é bastante vulnerável,m parte por decisões equivocadas

As políticas públicas da União, Estados e municípios não são independentes entre si; umas impactam as outras. Sem a devida coordenação, geram desperdícios, ineficiências e perda de bem-estar da sociedade. A ação dos entes da federação necessita de regras que definam a divisão de poder, direitos e obrigações, visando o bem comum. É disso que trata o chamado pacto federativo.

O debate sobre a revisão do pacto federativo é antigo, e gira em torno, sobretudo, de questões fiscais.

A Constituição de 1988 promoveu significativa descentralização da arrecadação federal em favor de Estados e municípios, via transferência de recursos, mas sem redistribuir simultaneamente a responsabilidade sobre os serviços públicos. Com despesas e obrigações crescentes geradas pela Carta, a União reagiu com o aumento da carga tributária. Além disso, ao longo dos anos, promoveu-se o aumento das obrigações estaduais e municipais em gastos sociais, apertando o orçamento destes entes.

Outro sério problema foi que as regras de repasses estimularam a criação de municípios via emancipação de distritos. O resultado foi uma pior alocação de recursos públicos. Atualmente, a principal fonte de recursos de 60% das prefeituras é o Fundo de Participação dos Municípios, segundo a Confederação Nacional dos Municípios.

A posição dos Estados é bastante vulnerável, em parte por decisões equivocadas, em parte por fatores estruturais. O ICMS tornou-se um imposto obsoleto, como ensina José Roberto Afonso. Sua capacidade de arrecadação é decrescente devido às mudanças no setor produtivo, como o maior peso do setor de serviços. Um sério agravante é a chamada guerra fiscal entre os Estados – redução do ICMS para atrair investimentos produtivos. A arrecadação cai há décadas. Uma reforma tributária mudando o regime do ICMS (cobrar no destino sobre o valor agregado) é urgente e essencial na discussão do pacto federativo. Como está hoje, todos perdem.

Carlos Alberto Sardenberg: Incertezas seguram economia

- O Globo

Governo a cada dia oferece uma confusão em torno de assuntos que nada têm a ver com as boas propostas de Guedes e Moro

A inflação acelerou mais do que se esperava em fevereiro, mas os culpados do mês foram rapidamente identificados. O feijão, por exemplo, com alta de mais de 50%, conforme a medida do IPCA, índice do IBGE. Mas não só. Alimentos em geral tiveram alta forte. Também a energia elétrica, mais matrículas e mensalidades escolares, neste caso eventos exclusivos de fevereiro.

E daí?

Daí que nada. Todos os demais itens mostram uma inflação mais do que comportada, rodando há vários meses abaixo da meta do Banco Central. Para este ano, a meta é de 4,25%. Em fevereiro, o IPCA acumulado em 12 meses bateu 3,89%, sendo um pouquinho menor (3,85%) a previsão do mercado para o ano todo.

Tudo muito bem, portanto?

Mais ou menos. O problema é que, assim como a inflação, o Produto Interno Bruto (PIB) também está encolhendo. Cresceu apenas 1,1% no ano passado, e as previsões para 2019 vêm caindo há semanas, estando agora em 2,28% —muito baixo.

Acrescente-se ao cenário a taxa de desemprego (12%), e se verifica que a inflação baixinha —em si, um dado positivo —reflete também a fraqueza geral da economia. É por isso que muitos analistas acreditam que o Comitê de Política Monetária do BC, o Copom, deverá voltar a reduzir a taxa básica de juros, fixada em 6,5% desde março do ano passado. É um recorde de baixa e de baixa prolongada no regime de metas de inflação.

Faz sentido. Quanto menor a taxa de juros, maior o incentivo para que consumidores e investidores tomem empréstimos e gastem em alguma coisa. Mais PIB, portanto.

Ocorre que a economia brasileira tem muitos outros problemas que desestimulam e/ou adiam investimento e consumo com dinheiro emprestado. Em outras palavras, o pessoal não anda muito animado para tomar compromissos a longo prazo, sequer a médio.

Clóvis Rossi: Dignidade, a reforma que conta

- Folha de S. Paulo

É preciso olhar muito além da Previdência

Mohamed El-Erian, hoje conselheiro econômico-chefe da Allianz, uma das maiores seguradoras do mundo, é um desses pop stars do planeta economia.

Tão pop que foi eleito pela revista Foreign Policy como um dos 100 Pensadores Globais durante quatro anos consecutivos (de 2009 a 2012).

Pois é essa figura emblemática que dispara, agora, contra seus colegas de profissão, em artigo para “Project Syndicate”: “Mesmo quando o ceticismo do público sobre sua profissão está crescendo, economistas continuam ignorando as óbvias falhas em suas molduras analíticas”.

El-Erian cobra dos colegas “uma mentalidade mais aberta”, sob o risco de se tornarem irrelevantes.

El-Erian lembra que a malhação aos economistas começou porque os seus mais notórios representantes fracassaram em prever a crise financeira global de 2008. Mas, acrescenta, “agora, estamos testemunhando uma crescente lista de fenômenos econômicos e financeiros que os economistas não podem explicar rapidamente”.

Aos economistas brasileiros, cabe, creio, parte das críticas de El-Erian.

Também eles não passaram nem perto de antever o cataclisma que foi a crise de 2008/09.

Agora, ficaram prisioneiros de um debate não sobre novos problemas e situações, mas sobre um velhíssimo problema, o das contas públicas. Em consequência, cantam em uníssono um samba de uma nota só, a reforma da Previdência.

Que ela é necessária, pouca gente discute, embora haja divergências sobre o formato que deveria tomar. O problema é que há uma forte inclinação da maioria dos economistas a pintar a reforma como o abre-te Sésamo para o paraíso.

Ribamar Oliveira: Desvincular não resolve

- Valor Econômico

O problema é manter a despesa dentro do teto

Ainda não é conhecido o conteúdo da proposta de emenda constitucional (PEC) de desvinculação e desindexação do Orçamento que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende encaminhar ao Congresso. Ontem, durante a posse do novo presidente do Banco Central, Guedes acrescentou um novo objetivo para a PEC: "desobrigar" o gasto. Apenas pelas declarações do ministro até agora, não é possível saber o que ele pretende.

O problema atual do governo federal e de boa parte dos governos estaduais é que as despesas não cabem no teto de gastos. E desvincular receitas não resolve a questão. É necessário reduzir as despesas obrigatórias para produzir superávit primário nas contas. Neste sentido, a desindexação das despesas pode ajudar.

Especialistas em finanças públicas consideram muito difícil o governo cumprir o teto de gastos em 2020 ou nos anos seguintes, mesmo se a reforma da Previdência Social for aprovada. Em 2018, as despesas obrigatórias da União absorveram 99% da receita líquida, de acordo com dados do Tesouro Nacional.

Se o ritmo de crescimento dos gastos obrigatórios não for reduzido, cada vez mais o governo terá que cortar despesas de custeio e investimento para cumprir o teto, colocando em risco o funcionamento da máquina administrativa e a oferta dos serviços públicos à população.

Vinicius Torres Freire: Devagar, quase parando, de novo

- Folha de S. Paulo

Crescimento anual da indústria volta a se aproximar do zero, mostram dados de janeiro

Faz dois anos, se espera uma recuperação da economia que não veio. Faz dois meses, a gente se pergunta se deve esperar uma nova deterioração. O desempenho da indústria em janeiro tira ainda mais água do copo meio vazio.

A produção das fábricas ainda cresceu, nos últimos 12 meses contados até janeiro, soube-se nesta quarta-feira (13), pelos dados do IBGE. Mas está perto de voltar ao vermelho. Em abril de 2018, crescia animados 3,9% ao ano. Em janeiro passado, apenas 0,5%.

A perda de ritmo era notável também no comércio de varejo, até dezembro, dado mais recente. Nos serviços, havia ainda despiora, pois o setor ainda encolhe. O crescimento da massa de rendimentos, a soma do que as pessoas recebem pelo seu trabalho, também desacelerou.

A frustração das previsões tem sido sistemática. É verdade que pesam os anos de tumulto político e a dúvida a respeito do que será feito da ruína das contas públicas arruinadas. Mas muito disso estava na conta das previsões. Ou o efeito dessas incertezas era maior do que o estimado ou há mais problema na sombra.

O socialismo dos millennials

Um novo tipo de doutrina esquerdista está surgindo, mas não é uma resposta para os problemas do capitalismo

- The Economist, O Estado de S.Paulo

Após o colapso da União Soviética, em 1991, a disputa ideológica do século 20 parecia encerrada. O capitalismo havia vencido e o socialismo tornou-se sinônimo de fracasso econômico e opressão política. Hoje, 30 anos depois, o socialismo está de novo na moda. Nos EUA, Alexandria Ocasio-Cortez, deputada recém-eleita que se denomina socialista democrata, tornou-se sensação. Na Grã-Bretanha, Jeremy Corbyn, o líder de linha dura do Partido Trabalhista, ainda pode se tornar premiê.

O socialismo avança porque estabeleceu uma crítica incisiva sobre o que deu errado na sociedade ocidental. Enquanto os políticos de direita desistem da batalha das ideias e recuam em direção ao chauvinismo e à nostalgia, a esquerda se concentra na desigualdade, no meio ambiente e em como investir os cidadãos de poder, e não as elites. No entanto, embora renascida e tendo acertado algumas coisas, o pessimismo da esquerda em relação ao mundo moderno vai longe demais. Suas políticas sofrem de ingenuidade sobre orçamentos, burocracia e empresas.

A vitalidade renovada do socialismo é notável. Nos anos 90, os partidos de esquerda mudaram para o centro. Da mesma forma, líderes de Grã-Bretanha e EUA, Tony Blair e Bill Clinton, afirmaram ter encontrado uma “terceira via”, uma acomodação entre Estado e mercado. “Este é o meu socialismo”, disse Blair, em 1994, ao abolir o compromisso do trabalhismo com as estatais. Ninguém foi enganado, especialmente os socialistas.

A esquerda hoje vê a terceira via como um beco sem saída. Muitos dos novos socialistas são millennials. Cerca de 51% dos americanos entre 18 e 29 anos têm uma visão positiva do socialismo, diz o Gallup. Nas prévias de 2016, mais jovens votaram em Bernie Sanders do que em Hillary Clinton e Donald Trump juntos. Quase um terço dos eleitores franceses com menos de 24 anos, em 2017, votou no candidato da extrema esquerda.

Nem todos os objetivos dos socialistas millennials são radicais. Nos EUA, uma das políticas é a defesa do sistema de saúde universal, o que é normal em outras partes do mundo rico. Os radicais à esquerda dizem querer preservar as vantagens da economia de mercado. E, tanto na Europa quanto nos EUA, a esquerda é uma coalizão ampla e fluida, como são os movimentos com ideias em fermentação.

Diplomacia medíocre: Editorial / O Estado de S. Paulo

O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, acredita que o Brasil atrasou seu desenvolvimento ao procurar fazer negócios com a China, a Europa e a América Latina, e abandonando os Estados Unidos como principal parceiro comercial. A declaração, dada em aula magna no Instituto Rio Branco, onde estudam aspirantes à carreira diplomática, mostra a dimensão da pretendida guinada que o presidente Jair Bolsonaro pretende imprimir à política externa do País.

“Houve apostas completamente equivocadas a partir dos anos 1950 e, mais ainda, nos anos 1970, com o terceiro-mundismo, o antiamericanismo e o antiocidentalismo, com uma aposta em parceiros que não foram capazes de nos ajudar no nosso desenvolvimento”, disse o chanceler Araújo. Segundo o ministro, o Brasil teve o seu melhor período econômico “quando seu principal parceiro eram os Estados Unidos” – e, em sua visão, a atual estagnação do Brasil coincide com o fato de o grande parceiro comercial do País ser agora a China.

É com base nesses argumentos que o chanceler Araújo pretende justificar a conhecida intenção do atual governo de se aproximar dos Estados Unidos. Não seria uma aproximação qualquer. A julgar pelo ânimo demonstrado até aqui pelo presidente Jair Bolsonaro e por seu ministro das Relações Exteriores, haverá total simbiose entre o Brasil e os Estados Unidos nos próximos anos, em detrimento das relações com outros parceiros e seja qual for a pauta. Tudo isso sob a justificativa de uma suposta afinidade entre os povos brasileiro e norte-americano no que diz respeito a valores religiosos e morais.

Tragédia em Suzano põe em xeque flexibilização do acesso a armas: Editorial / O Globo

Massacre em escola estadual na Grande São Paulo deixa dez mortos e nove feridos

Além de chocar o país, o massacre na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, na Grande São Paulo, que deixou dez mortos e nove feridos ontem de manhã, põe em xeque a facilitação do acesso a armas, num momento em que o governo Jair Bolsonaro desidrata o já anêmico Estatuto do Desarmamento.

Em janeiro, um dos primeiros decretos do novo governo flexibilizou a posse de armas, reiterando promessa de campanha de Bolsonaro e atendendo a uma reivindicação da bancada da bala. A intenção é afrouxar também o controle sobre o porte, matéria que, no entanto, tem de passar pelo Congresso. Hoje, para obtê-lo, é preciso demonstrar a efetiva necessidade pelo exercício profissional (como no caso das Forças Armadas, polícias e agentes de segurança) ou risco à integridade física.

Ainda há questões a serem respondidas na tragédia de Suzano. Por enquanto, sabe-se que dois ex-alunos, Luiz Henrique Castro, de 25 anos, e Guilherme Tauci Monteiro, de 17, invadiram a escola e mataram duas funcionárias e cinco estudantes. Com a chegada da polícia, os dois se suicidaram. Antes, eles tinham passado numa locadora de automóveis, onde balearam o proprietário e roubaram um carro. A dupla portava um revólver 38 mm com numeração raspada, um machado e uma besta (arma antiga, em forma de arco).

Massacre em Suzano: Editorial / Folha de S. Paulo

Atiradores matam 8 em ataque a escola, repetindo ações registradas nos EUA

Suzano (SP) não chega a ser cidade pequena, com seus 295 mil moradores, mas se perdia num tipo de anonimato urbano em meio aos 21,6 milhões de habitantes da região metropolitana de São Paulo. Até a manhã desta quarta-feira (13).

Com a tragédia na escola estadual Professor Raul Brasil, a localidade ingressa no pequeno rol brasileiro de matanças em estabelecimentos de ensino. Em número comparável de mortes, houve no país apenas o precedente do bairro carioca de Realengo, em 2011, para esse fenômeno tipicamente americano.

Luiz Henrique de Castro, 25, e Guilherme Taucci Monteiro, 17, invadiram o colégio depois de matarem um tio do segundo num lava-jato. Na instituição, tiraram a vida de ao menos cinco alunos e duas funcionárias, deixando ainda cerca de uma dezena de feridos.

Os assassinos —eles próprios, ex-alunos dali— foram encontrados mortos pela polícia. Um deles usava roupas pretas, como os atiradores da escola Columbine (EUA), que fizeram 13 mortos em 1999, e máscara com figura de caveira, como o assassino de 26 pessoas numa igreja do Texas, em 2017.

Mau presságio para a educação com a fuzarca no ministério: Editorial / Valor Econômico

Quando, decorridos apenas 70 dias de governo, um ministro é de novo confirmado no cargo, depois de se distinguir pelo desejo fracassado de ver crianças filmadas nas escolas cantando o Hino Nacional, ou por chamar brasileiros que lhe pagam o salário de "canibais", a conclusão é que sua carreira na administração pública não será brilhante nem longa. Fosse alguém de uma pasta irrelevante, os desatinos provocariam só mal-estar passageiros. Trata-se, porém, do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, que, por todos os diagnósticos sensatos, tem uma das missões mais importantes para o futuro do país, ao lado daquela reservada ao ministro da Economia, de fazer um ajuste fiscal radical.

Dez em cada dez avaliações dos motivos de atraso da economia brasileira apontam para a péssima qualidade da educação, um dos maiores freios ao desenvolvimento e à boa distribuição de renda. Nenhum especialista sério deixa de apontar que sem avanços constantes, criatividade e esforços persistentes na área, o Brasil mal sairá de onde está - país de renda média, com viés de decadência. Há unanimidade nacional, em uma época de discórdias - sem educação massiva e de qualidade, não se vai a lugar nenhum.

A grandeza da missão e a determinação de enfrentá-la seriam alguns dos poucos motivos plausíveis para explicar a novela de golpes, contragolpes e exonerações em série na cúpula do ministério nos últimos dias. Quem acompanha os ecos desses episódios repletos de som e fúria pelos jornais e TVs acha que eles significam nada ou, caso da maioria, não entendem seu significado. Os leigos, no caso, estão na boa companhia dos especialistas, que também não conseguem explicar em torno de que se engalfinham pelo menos três alas em um órgão do governo que até agora nada fez.

Roberto DaMatta: Shakespeare em Niterói

- O Estado de S. Paulo

Foi decidido que seria ‘Hamlet’ e aí surgiu a dúvida: quem faria o papel do príncipe vingador?

Quando eu morava no bairro do Ingá nesta Niterói que ninguém quer conhecer, o Dr. Artur, um senhor muito rico, que vendia carros e colecionava selos, adorando enganar meninos igualmente colecionadores, resolveu encenar Shakespeare. Como morava num casarão com uma ampla garagem, sua ideia de encenar o bardo inglês em Niterói entusiasmou. Seria um mero “teatrinho de rua”, embora o autor seja extraordinariamente complexo, repetia o Dr. Artur adocicando sua fantasia.

Diante da possibilidade de recriar o mundo debaixo do controle de um texto que, na verdade, constitui as tais circunstâncias nas quais nossos projetos de vida se fazem (ou desfazem) no mundo real, as antipatias entre os vizinhos “dados” ou “metidos a sebo” sucumbiram diante da magia da ribalta.

O local no qual a peça seria “levada” não era problema porque o Dr. Artur cedeu a garagem e garantiu as vestimentas e os cenários. A garagem seria o palco; um enorme tapete velho, a cortina sem a qual nada tem início, meio e fim e não há teatro, de modo que o único problema era eleger a peça e os atores.

Dr. Artur e Mr. Bates, um inglês que residia em frente da casa de vovô e tinha uma filha de 20 anos que adorava nos dar beijos de língua, elegeram Hamlet e eu me lembro do debate, porque muitos achavam impossível e impróprio levar à cena aquele “dramalhão” que, além do mais, era estrangeiro. Alguns, como seu Gonzaga, defensores implacáveis da “cultura nacional”, queriam um autor brasileiro. Mas seus argumentos sobre a complexidade dos temas e a dificuldade de “fazer Shakespeare em Niterói” perderam para o prestígio endinheirado do Dr. Artur e para a pose britânica de Mr. Bates.

A coisa, porém, enguiçou quando dona Francisca perguntou, num misto de piada e bom senso, quem iria fazer o papel de Hamlet. Para o Dr. Artur, o príncipe vingador seria seu neto, Arturzinho. Para ele, o papel mais adequado seria o do Rei Claudio, o envenenador do irmão. Minha avó Emerentina queria que meu tio Mario tivesse papel central, enquanto o inglês, o único que havia assistido ao drama em Londres, dizia que Hamlet teria de ser dado a uma pessoa mais experiente. Em suma: ele próprio. Houve um certo mal-estar civilizatório, mas, como sempre, venceu o poder do proprietário e o netinho foi escolhido para ser o tresloucado príncipe vingativo que recita o célebre “To be or not to be” no Terceiro Ato.

Foi quando todos se lembraram que, além de quase 50 personagens (ou seja, toda a rua), Arturzinho era gago!

Um papel daquele calibre exige um ator adequado. Ele pode ser um imbecil diante do mundo e da política, o que – disse tio Mario – é muito comum, mas tem de estar consciente do papel.

*
Tempos depois, quando eu aprendi com alguns antropólogos americanos, e com o próprio Shakespeare, que todos atuamos no mundo por meio de papéis que nos são atribuídos por nossas sociedades, foi que me dei conta dessa discussão que sempre invoco quando tento compreender a nossa hamletiana sociopolítica.

Democracia não é peça de teatro de rua. É um regime revolucionário, difícil, fundado – como viu Tocqueville – na igualdade, na dissidência, na ideia básica de servir e na interdependência de poderes com funções específicas, mas complementares. Tanto no Legislativo quanto no Judiciário e, obviamente, no Executivo existem papéis especiais que demandam talentos igualmente singulares. Sobretudo o que mais falta no Brasil: a consciência dos seus limites e conflitos em função de suas metas.

Matador da ditadura revela seus métodos em filme

Como delegado do Dops, Cláudio Guerra integrou operações como a Radar, que matou 19 pessoas

Naief Haddad / Ilustrada/ Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Antes do início da entrevista que é o fio condutor do documentário, Cláudio Guerra foi buscar a Bíblia. “Hoje eu tenho orgulho de ser um pastor”, diz ele logo no começo do filme dirigido por Beth Formaggini, que estreia nesta quinta (14).

Não foi, porém, orando e conduzindo seus fiéis que Guerra passou a maior parte de sua vida profissional.

Ao longo de 75 minutos de “Pastor Claúdio”, acompanhamos este homem de cabelos brancos respondendo às perguntas feitas pelo psicólogo Eduardo Passos.

No estúdio montado para a gravação da entrevista, em Vitória, onde Guerra vive, aparece a certa altura um painel de fotos dos líderes do PCB, o Partido Comunista Brasileiro, nos anos 1970.

Guerra indica um deles: “Esse foi executado por mim”. Em seguida, aponta para outro: “Esse foi morto na Casa da Morte em Petrópolis. Depois foi incinerado por mim em Campos [dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro]”.

Guerra admite diante da câmera ter participado de episódios cruéis promovidos pela linha dura do regime militar. Como delegado capixaba do Dops, o Departamento de Ordem Política e Social, integrou operações como a Radar, que matou 19 integrantes do PCB entre 1973 e 1976.

Ele lembra que inicialmente tinha a função de “executor”. Como tal, assumiu o assassinato de nove militantes da esquerda —não só do PCB.

Ao conquistar a confiança de líderes da repressão, como o coronel Freddie Perdigão (1936-1996), Guerra se tornou responsável pelo planejamento de algumas das ações.

Passou a cuidar da incineração de corpos de ativistas que se opunham à ditadura militar. Guerra e sua equipe lançaram ao menos dez cadáveres no forno da usina Cambahyba, em Campos.

Diretora de produção de filmes importantes de Eduardo Coutinho, como “Edifício Master” (2002), Formaggini se interessou em levar ao cinema as histórias do ex-delegado depois de ler “Memórias de uma Guerra Suja” (2012), que reúne entrevistas dele aos jornalistas Rogério Medeiros e Marcelo Netto.

Carlos Pena Filho: Olinda, do alto do mosteiro, um frade vê

(A Gilberto Freyre)

De limpeza e claridade
é a paisagem defronte.
Tão limpa que se dissolve
a linha do horizonte.

As paisagens muito claras
não são paisagens, são lentes.
São íris, sol, aguaverde
ou claridade somente.

Olinda é só para os olhos,
não se apalpa, é só desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro.
Diz somente: é lá que eu vejo.

Tem verdágua e não se sabe,
a não ser quando se sai.
Não porque antes se visse,
mas porque não se vê mais.

As claras paisagens dormem
no olhar, quando em existência.
Diluídas, evaporadas,
Só se reúnem na ausência.

Limpeza tal só imagino
Que possa haver nas vivendas
das aves, nas áreas altas,
muito além do além das lendas.

Os acidentes, na luz,
não são, existem por ela.
Não há nem pontos ao menos,
nem há mar, nem céu, nem velas.
Quando a luz é muito intensa
é quando mais frágil é:
planície, que de tão plana
parecesse em pé.

Teresa Cristina: Lavoura