Maria Cristina Fernandes
VALOR ECONÔMICO
Na primeira terça-feira do mês, o gerente de uma fábrica de portas e janelas de Chicago comunicou aos seus 240 operários que as portas estariam fechadas em três dias. Lideranças sindicais haviam pressentido o movimento quando, semanas antes, equipamentos desaparecidos da fábrica tinham sido vistos num vagão de trem. Descobririam mais tarde que o maquinário tinha ido parar numa nova fábrica adquirida pelo grupo, em Iowa, sem trabalhadores sindicalizados. Assim que o anúncio do fechamento foi feito, colocaram em prática o plano de ocupação da fábrica. Reivindicavam os 60 dias de aviso prévio negados pelo fechamento repentino.
Durante oito dias, os trabalhadores se revezaram em turnos para manter a fábrica ocupada. Receberam a visita de dezenas de parlamentares. Saíam criticando o Bank of America que, aquinhoado com milhões de dólares de recursos públicos, havia suspendido a linha de crédito à indústria. O governador do Estado suspendeu os negócios com o banco para pressioná-lo a rever a decisão. No quinto dia da ocupação, até o presidente eleito Barack Obama declarou solidariedade aos trabalhadores, a maior parte dos quais latinos e negros.
Como resultado da pressão, o Bank of America cedeu e o JP Morgan ofereceu crédito para que a empresa pudesse pagar os direitos trabalhistas dos demitidos. O resultado da mobilização surpreendeu os próprios trabalhadores e o caso transformou-se em símbolo de resistência num país de baixo grau de sindicalização que já acumula mais de 2 milhões de desempregados este ano.
Não há quaisquer previsões de que o desemprego no Brasil atinja as proporções que vem assolando a economia americana. Mas a onda já começou e não há dúvidas de que vá se espraiar no primeiro trimestre do próximo ano. Encontrará um movimento sindical que tem obtido acordos coletivos acima da inflação graças à economia em expansão. E que precisará provar se esses seis anos de ocupação do poder não o acomodaram a ponto de minar seu poder de mobilização numa conjuntura economicamente desfavorável.
O avanço da agenda sindical no governo Luiz Inácio Lula da Silva acompanhou a velocidade das crises políticas. No início do segundo ano de seu primeiro mandato, o presidente chegou a defender, em conversa informal com jornalistas, a revisão da multa de 40% do FGTS e o adicional de 30% sobre as férias. Era a mesma época em que núcleos importantes de poder no Palácio do Planalto defendiam a aproximação entre PT e PSDB.
Dias depois, eclodiu a primeira das grandes crises de seu governo, a que atingiu Waldomiro Diniz, assessor do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. As crises se sucederiam com o mensalão, a saída de Dirceu e Antonio Palocci, e os malfeitos dos aloprados. O movimento sindical botou a boca no trombone para defender o presidente politicamente fragilizado e ganhou espaço. Até os comandados do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), rachados na eleição presidencial de 2002, juntaram-se à república sindical no segundo mandato.
A reforma trabalhista saiu de pauta e, em seu lugar, pontos da reforma sindical foram avançando. No ano passado, o governo mobilizou sua base para aprovar o reconhecimento das centrais, ponto da reforma que mais lhes interessava.
As críticas do presidente à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) são antigas. É conhecida sua posição em favor de uma relação em que o negociado prevaleça sobre o legislado. Mas é só olhar a bomba-relógio em que se transformou o PMDB hoje para se concluir que o presidente dificilmente brigará com sua base mais fiel.
Da Bahia aos corredores do Congresso, são cada vez mais concretas as evidências de que o eterno fiel da balança ameaça a base política do presidente. O governador do maior Estado comandado pelo PT rompeu com o prefeito aliado do ministro mais poderoso do PT. E, enquanto Jaques Wagner e Geddel Vieira Lima se enfrentam na Bahia, o PT assiste ao PMDB ficar maior que a encomenda na disputa pelas Mesas da Casa.
Seria portanto esperado que o presidente não embarcasse na onda da supressão dos direitos trabalhistas como meio de enfrentar a crise. Vide a veemência com que ontem rejeitou a proposta feita pelo governo de São Paulo - uma versão ampliada de seguro desemprego que livraria as empresas de verbas recisórias às custas do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O que ainda está por se provar é se os sindicatos, mantidos à sombra do poder, serão capaz de resistir ao crescimento do desemprego.
Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras
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