sexta-feira, 28 de novembro de 2008

O viés da crise na reforma tributária


Maria Cristina Fernandes
DEU NO VALOR ECONÔMICO


A dificuldade de se arregimentar adesão pública a quaisquer propostas de reforma tributária vem do temor de que a demonstração de apoio diminua o poder de barganha numa negociação em que parte alguma quer sair perdendo.

A votação do projeto de reforma tributária pelo plenário da Câmara na próxima semana vai ser um teste da influência dos governadores sobre as bancadas de seus Estados. Vendida como uma proposta destinada a desonerar a produção, enfrenta, presumivelmente, a resistência dos Estados do Sudeste e conta com mais apoio dos governadores do Norte e Nordeste.

O argumento de que a crise econômica inviabiliza a reforma antes explica a resistência que a justifica. Não há grita significativa do setor produtivo. A desoneração da folha é responsável por grande parte desse apoio. "Se houvesse evidências de aumento da carga não seria previsível que gritassem?", indaga o deputado Pepe Vargas (PT-RS), que tem encaminhado a posição de sua bancada na tramitação do projeto. Entre as muitas projeções que circulam pela Câmara, de um e outro lado, Vargas exibe aquela em que o ganho do PIB com a reforma aprovada chega a 10%.

É compreensível que em Estados como São Paulo, onde a concentração industrial e financeira fará com que a crise emita seus sinais mais eloquentes, o governo tenha receio de perder receita.

Mas não há como rechaçar as evidências de que a desoneração pode vir a amortecer os efeitos da crise em alguns setores da economia. Esses efeitos são conhecidos, mas a decisão de conceder isenções e benefícios fiscais é pouco do federalismo que restou depois que os governadores ficaram sem bancos e estatais.

É o que fundamenta, por exemplo, a resistência de um dos Estados nordestinos mais resistentes à reforma - o Ceará - onde é conhecida a posição do deputado Ciro Gomes (PSB) e do seu irmão governador sobre o tema.

Os governistas argumentam que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional subsidiará políticas de atração de investimento de maneira mais transparente que a guerra fiscal mas não negam que os governadores perderão poder político com a troca.

Na disputa, os militantes pró e anti-reforma terão que arregimentar os Estados do Centro-Oeste e do Sul. Entre os primeiros, sobressai por exemplo, a resistência do Mato Grosso. Cortado pelo gasoduto Brasil-Bolívia, o Estado não aceita tributação do no destino.

No Sul, não bastasse o temor de que as compensações de perdas não sejam suficientes, o alerta soou com a emenda que propõe a desoneração da cesta básica. De autoria da deputada Ana Arraes (PSB-PE), mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, a emenda foi incorporada à reforma na madrugada em que o texto foi aprovado pela comissão especial na Câmara.

Apesar das grandes divergências em torno do texto final, a decisão é de levar ao plenário na próxima semana. A julgar pela sessão da comissão especial, que só terminou ao amanhecer da quinta-feira passada, a votação promete. Na hipótese, ainda incerta, de que a votação, em dois turnos, seja concluída este ano pela Câmara, a dura batalha do Senado ficará para 2009. Como a legislatura se iniciará no auge da esperada desaceleração da economia, a expectativa governista é de que a pressão do setor produtivo escude a reforma contra a resistência dos Estados.

A indústria da insensibilidade

Foi-se o tempo em que os catarinenses reagiam aos caprichos da natureza com procissões religiosas. Catarinense de Itajaí, onde viveu até a adolescência, o historiador Luiz Felipe de Alencastro, titular de História do Brasil da Universidade de Paris IV, acompanha à distância a tragédia que se abateu sobre sua cidade, mas acredita que a cobrança ao poder público se avolumará. Nunca tinha visto nada igual, mas contabiliza avisos que já teriam sido suficientes para alertar as autoridades: as grandes enchentes dos anos 80, o ciclone Catarina em 2004, tido como o primeiro da América do Sul, e um furacão de baixa intensidade há dois anos. Recorre ao furacão Katrina, que demonstrou uma capacidade de reação do governo George W.Bush restrita a tragédias que afetassem seus interesses geopolíticos, para alertar sobre o desgaste da inércia pública. Nos anos 80, os moradores da região tiveram uma reação organizada às enchentes. Dela resultou, por exemplo, a Octoberfest de Blumenau que, pensada para angariar recursos, tornou-se tradição. Desta vez, não há empreendedorismo local que resolva a terra arrasada do Vale do Itajaí. No Brasil, a tradição do poder público de reagir a desastres naturais gerou indústrias como a da seca. A imagem de catarinenses com água pelo pescoço catando produtos que bóiam em supermercados demonstra que a única indústria que floresceu nessas décadas em que não faltaram avisos foi a da insensibilidade.

Maria Cristina Fernandes é editora de Política. Escreve às sextas-feiras

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