Sem o presidente Lula, a ministra Dilma Rousseff nem candidata teria sido. Com ele, acaba de entrar para a história como a primeira mulher eleita para governar o Brasil e a segunda pessoa a chegar à Presidência sem nunca antes ter disputado uma eleição. A primeira foi o marechal Eurico Dutra, em 1945, com o apoio, aliás, do recém-deposto ditador Getúlio Vargas. E Lula se consagra como o primeiro presidente brasileiro a fazer o sucessor na plenitude democrática, pinçando uma figura de quem a grande maioria do eleitorado não tinha ouvido falar. O que o obrigou a levá-la consigo para cima e para baixo, afrontando a lei, antes do início da campanha.
À época, políticos e comentaristas se perguntavam se a popularidade única do presidente bastaria para eleger "um poste", na expressão clássica que parecia feita sob medida para Dilma. Jejuna em disputas eleitorais, com empatia zero e imagem de tecnocrata de fala pedregosa, incapaz de expor uma ideia sem a muleta do PowerPoint, Dilma era a carga que, em circunstâncias normais, nem o mais desesperado dos marqueteiros aceitaria transportar de bom grado. Mas, transformada num estranho híbrido de si mesma com a versão para consumo eleitoral, sob adversidades que poderiam perfeitamente bem desestabilizá-la (Erenice, aborto, um inesperado segundo turno), ela deu conta do recado.
O seu mérito próprio - sem o qual o fator Lula talvez não fosse suficiente - foi o de inspirar confiança na sua aptidão para dar continuidade às políticas que levaram legiões de seus beneficiários a endeusar o presidente. Isso ajudou a neutralizar os seus problemáticos traços de personalidade e o fato de não ser, diferentemente do patrono, "uma de nós", nem ter um grama que seja do carisma dele. Se, de acordo com as estimativas, 20% dos que acham Lula o máximo votaram no tucano José Serra, assim como a metade dos que consideram bom o seu governo, sabe-se lá qual teria sido o desfecho do pleito se a maioria concluísse que Dilma não era bem aquilo que Lula dizia.
Embora esta tenha sido a vitória mais apertada de um candidato ao Planalto desde 1989, a vencedora pode se gabar de que não fez feio na comparação com a última disputa do padrinho, considerando o abismo que os separa como caçadores de votos. No segundo turno contra Geraldo Alckmin, em 2006, Lula colheu 58,4 milhões de sufrágios. Dilma, agora, obteve 55,7 milhões. A julgar pelas urnas de anteontem, pelo menos, não será descabido prognosticar que há base para o surgimento de um lulo-dilmismo. É óbvio que não se pode prever qual será o grau de dependência da criatura em relação ao criador quando ela ocupar a cadeira que ele vagará a contragosto em 1.º de janeiro de 2011.
No discurso da vitória, por sinal no único trecho em que ela se emocionou abertamente, contendo as lágrimas, Dilma avisou que baterá "muito" à porta desse homem "de tamanha grandeza e generosidade". Mas várias de suas declarações chamaram a atenção por se referir a questões em relação às quais Lula fez má figura. Sobre corrupção, por exemplo, ela prometeu que "não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito". Em contraste com o governante de um país democrático que se permitiu investir contra a imprensa do alto dos palanques, ela agradeceu à mídia e disse que não carregará "nenhum ressentimento" pelas críticas recebidas porque prefere "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".
Tão ou mais importante do que isso, a eleita devotada a um líder que fez praça de dividir os brasileiros em "nós e eles" - por classe social, renda e região -, afirmou que "agora é hora de união" e que será "presidenta de todos, respeitando as diferenças de crença e de orientação política". Por fim, exortou os políticos, "independente de cor partidária" a somar esforços pelo País. Dir-se-á que seria espantoso se ela dissesse algo diferente ou calasse sobre qualquer desses temas. Dir-se-á também que a distância entre intenções e atos é irremediavelmente imensa. Mas não há como negar que Dilma começou bem o percurso entre as urnas e o poder e que a sua primeira fala desperta esperanças que não apareciam no horizonte da campanha.
À época, políticos e comentaristas se perguntavam se a popularidade única do presidente bastaria para eleger "um poste", na expressão clássica que parecia feita sob medida para Dilma. Jejuna em disputas eleitorais, com empatia zero e imagem de tecnocrata de fala pedregosa, incapaz de expor uma ideia sem a muleta do PowerPoint, Dilma era a carga que, em circunstâncias normais, nem o mais desesperado dos marqueteiros aceitaria transportar de bom grado. Mas, transformada num estranho híbrido de si mesma com a versão para consumo eleitoral, sob adversidades que poderiam perfeitamente bem desestabilizá-la (Erenice, aborto, um inesperado segundo turno), ela deu conta do recado.
O seu mérito próprio - sem o qual o fator Lula talvez não fosse suficiente - foi o de inspirar confiança na sua aptidão para dar continuidade às políticas que levaram legiões de seus beneficiários a endeusar o presidente. Isso ajudou a neutralizar os seus problemáticos traços de personalidade e o fato de não ser, diferentemente do patrono, "uma de nós", nem ter um grama que seja do carisma dele. Se, de acordo com as estimativas, 20% dos que acham Lula o máximo votaram no tucano José Serra, assim como a metade dos que consideram bom o seu governo, sabe-se lá qual teria sido o desfecho do pleito se a maioria concluísse que Dilma não era bem aquilo que Lula dizia.
Embora esta tenha sido a vitória mais apertada de um candidato ao Planalto desde 1989, a vencedora pode se gabar de que não fez feio na comparação com a última disputa do padrinho, considerando o abismo que os separa como caçadores de votos. No segundo turno contra Geraldo Alckmin, em 2006, Lula colheu 58,4 milhões de sufrágios. Dilma, agora, obteve 55,7 milhões. A julgar pelas urnas de anteontem, pelo menos, não será descabido prognosticar que há base para o surgimento de um lulo-dilmismo. É óbvio que não se pode prever qual será o grau de dependência da criatura em relação ao criador quando ela ocupar a cadeira que ele vagará a contragosto em 1.º de janeiro de 2011.
No discurso da vitória, por sinal no único trecho em que ela se emocionou abertamente, contendo as lágrimas, Dilma avisou que baterá "muito" à porta desse homem "de tamanha grandeza e generosidade". Mas várias de suas declarações chamaram a atenção por se referir a questões em relação às quais Lula fez má figura. Sobre corrupção, por exemplo, ela prometeu que "não haverá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito". Em contraste com o governante de um país democrático que se permitiu investir contra a imprensa do alto dos palanques, ela agradeceu à mídia e disse que não carregará "nenhum ressentimento" pelas críticas recebidas porque prefere "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".
Tão ou mais importante do que isso, a eleita devotada a um líder que fez praça de dividir os brasileiros em "nós e eles" - por classe social, renda e região -, afirmou que "agora é hora de união" e que será "presidenta de todos, respeitando as diferenças de crença e de orientação política". Por fim, exortou os políticos, "independente de cor partidária" a somar esforços pelo País. Dir-se-á que seria espantoso se ela dissesse algo diferente ou calasse sobre qualquer desses temas. Dir-se-á também que a distância entre intenções e atos é irremediavelmente imensa. Mas não há como negar que Dilma começou bem o percurso entre as urnas e o poder e que a sua primeira fala desperta esperanças que não apareciam no horizonte da campanha.
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