DEU EM O GLOBO
O momento é decisivo. O Brasil pode buscar o futuro, ou voltar a meados do século passado. A demonstração de força do presidente Lula ao eleger uma novata em eleições, sem os requisitos de carisma e capacidade de comunicação, pode ser o começo de um novo caudilhismo. O projeto de Lula voltar em 2014 lembra o lusitano sebastianismo; a saudade do rei que partiu.
Na política econômica, o país voltou a se equilibrar sobre um velho tripé: a ideia de que o excessivo gasto público não produz inflação; prática no BNDES de escolha de empresas vencedoras para as quais destinar dinheiro subsidiado; grandes projetos conduzidos por empresas estatais. Isso é setentismo, o modelo dos militares nos anos 70 que nos levou ao inflacionismo e a esqueletos nos armários. Qual é o ideário da presidente Dilma? Os sinais que deu são de que aposta nesse velho tripé do regime que, por ironia, combateu; e desconfia do tripé do novo Brasil que saiu do Plano Real e da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Uma mulher no mais alto cargo da República é um grande avanço. E esse progresso ficou bem definido pela presidente eleita em seu primeiro discurso. Ela disse que é o fim de uma barreira, o entendimento de que esse mesmo movimento precisa ser feito em todos os campos, organizações, empresas. O Brasil está atrasado no esforço por igualdade de gênero. O risco, no entanto, é a confirmação dos estereótipos. Ela chegou lá pela força política de um homem, que a escolheu e a defendeu contra tudo e contra todos, passando por cima dos mais elementares limites institucionais da Presidência da República. Dilma tem méritos e terá que mostrá-los agora. Se ela se comportar como a segunda em seu próprio governo, por gratidão ou reverência ao seu criador, ela confirmará a ideia do papel subalterno da mulher. As mulheres que estão na política não entraram todas pela mesma porta: algumas constroem sua própria trajetória; outras são usadas para ampliarem o poder patriarcal de algum chefe político ou de um clã no poder. Está aí a família Roriz que não me deixa mentir. Como Dilma tem conteúdo e força própria, ela pode se afastar do modelo paternalista com que foi ungida e deixar sua marca na História.
Que assim seja. De retrocessos as mulheres não precisam mais. O país pode estar quebrando o monopólio da presidência para os homens e no início da era em que será natural, como disse a presidente, uma mulher no cargo; ou pode ser mais um caso de paternalismo.
A popularidade do presidente Lula também tem duas facetas. Uma moderna e outra velha. Em que vertente ela vai se consolidar é a grande questão.
Um líder ser querido e ter alto índice de aprovação é bom. O estilo de Lula, de líder de mobilização, ajudou a leválo ao patamar em que se encontra, mas a aprovação vem também do aumento da capacidade de consumo da população que se deve a inúmeros fatores, alguns remontando às decisões tomadas no governo de FHC, que ele tanto critica. O risco é Lula usar essa popularidade para reconstruir no Brasil o ultrapassado modelo do caciquismo populista em voga em meados dos anos 50 na América Latina. Aí, o lulismo seria um evento da categoria do getulismo e do peronismo.
A presidente eleita tem dito que vai erradicar a pobreza no país. Estudiosos têm dito há anos que está no horizonte das nossas possibilidades erradicar a pobreza extrema.
Como isso será feito é que definirá se estamos indo em direção ao futuro ou rumo ao passado. As políticas de transferência de renda têm que ser uma ponte para que o Estado chegue às famílias e, através de outras políticas, de educação, emprego e renda promova a emancipação dos pobres. Se for consolidada a atual forma de apresentar o Bolsa Família, como se fosse uma doação de um pai ou mãe dos pobres, o país estará confirmando velhos defeitos históricos como o messianismo e o clientelismo.
O culto à personalidade a que Lula e o PT se entregam tem como objetivo manter viva sua mística para 2014. Se for isso, o país viverá os próximos quatro anos no ambiente com o qual se manipulou a população portuguesa no século XVI, embalado pelo sonho de volta do rei D. Sebastião, o Desejado.
Lula conheceu vales e picos, mas por alguma mágica até os analistas independentes falam apenas dos picos como se ele tivesse sempre sido imbatível. Derrotado três vezes para a Presidência, só conseguiu vitória no segundo turno nas eleições que disputou, e chegou a ter popularidade baixíssima em 2005 após o estouro do caso do mensalão. Se ele se sentir posto de lado, como reagirá o seu enorme ego? Se ele permanecer como uma sombra pairando sobre a sua sucessora e aguardado como um Dom Sebastião, o país estará em pleno retrocesso.
O nacionalismo foi manipulado como arma de campanha eleitoral. Ele pode ser bom, se for confiança na força do país com visão estratégica do seu futuro. Ou pode ser retrocesso se for a defesa do modelo autárquico, com estatais se agigantando em nome de um falso patriotismo. O futuro do Brasil tem que incluir um forte setor privado, e integração com o mundo.
O país está numa encruzilhada.
Pode ser moderno, com uma classe média pujante, que busca a igualdade de gênero e promove os pobres através de rede de proteção e educação; ou pode ser de novo um país dos velhos ismos que nos apequenaram no passado e ainda estão presentes.
O momento é decisivo. O Brasil pode buscar o futuro, ou voltar a meados do século passado. A demonstração de força do presidente Lula ao eleger uma novata em eleições, sem os requisitos de carisma e capacidade de comunicação, pode ser o começo de um novo caudilhismo. O projeto de Lula voltar em 2014 lembra o lusitano sebastianismo; a saudade do rei que partiu.
Na política econômica, o país voltou a se equilibrar sobre um velho tripé: a ideia de que o excessivo gasto público não produz inflação; prática no BNDES de escolha de empresas vencedoras para as quais destinar dinheiro subsidiado; grandes projetos conduzidos por empresas estatais. Isso é setentismo, o modelo dos militares nos anos 70 que nos levou ao inflacionismo e a esqueletos nos armários. Qual é o ideário da presidente Dilma? Os sinais que deu são de que aposta nesse velho tripé do regime que, por ironia, combateu; e desconfia do tripé do novo Brasil que saiu do Plano Real e da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Uma mulher no mais alto cargo da República é um grande avanço. E esse progresso ficou bem definido pela presidente eleita em seu primeiro discurso. Ela disse que é o fim de uma barreira, o entendimento de que esse mesmo movimento precisa ser feito em todos os campos, organizações, empresas. O Brasil está atrasado no esforço por igualdade de gênero. O risco, no entanto, é a confirmação dos estereótipos. Ela chegou lá pela força política de um homem, que a escolheu e a defendeu contra tudo e contra todos, passando por cima dos mais elementares limites institucionais da Presidência da República. Dilma tem méritos e terá que mostrá-los agora. Se ela se comportar como a segunda em seu próprio governo, por gratidão ou reverência ao seu criador, ela confirmará a ideia do papel subalterno da mulher. As mulheres que estão na política não entraram todas pela mesma porta: algumas constroem sua própria trajetória; outras são usadas para ampliarem o poder patriarcal de algum chefe político ou de um clã no poder. Está aí a família Roriz que não me deixa mentir. Como Dilma tem conteúdo e força própria, ela pode se afastar do modelo paternalista com que foi ungida e deixar sua marca na História.
Que assim seja. De retrocessos as mulheres não precisam mais. O país pode estar quebrando o monopólio da presidência para os homens e no início da era em que será natural, como disse a presidente, uma mulher no cargo; ou pode ser mais um caso de paternalismo.
A popularidade do presidente Lula também tem duas facetas. Uma moderna e outra velha. Em que vertente ela vai se consolidar é a grande questão.
Um líder ser querido e ter alto índice de aprovação é bom. O estilo de Lula, de líder de mobilização, ajudou a leválo ao patamar em que se encontra, mas a aprovação vem também do aumento da capacidade de consumo da população que se deve a inúmeros fatores, alguns remontando às decisões tomadas no governo de FHC, que ele tanto critica. O risco é Lula usar essa popularidade para reconstruir no Brasil o ultrapassado modelo do caciquismo populista em voga em meados dos anos 50 na América Latina. Aí, o lulismo seria um evento da categoria do getulismo e do peronismo.
A presidente eleita tem dito que vai erradicar a pobreza no país. Estudiosos têm dito há anos que está no horizonte das nossas possibilidades erradicar a pobreza extrema.
Como isso será feito é que definirá se estamos indo em direção ao futuro ou rumo ao passado. As políticas de transferência de renda têm que ser uma ponte para que o Estado chegue às famílias e, através de outras políticas, de educação, emprego e renda promova a emancipação dos pobres. Se for consolidada a atual forma de apresentar o Bolsa Família, como se fosse uma doação de um pai ou mãe dos pobres, o país estará confirmando velhos defeitos históricos como o messianismo e o clientelismo.
O culto à personalidade a que Lula e o PT se entregam tem como objetivo manter viva sua mística para 2014. Se for isso, o país viverá os próximos quatro anos no ambiente com o qual se manipulou a população portuguesa no século XVI, embalado pelo sonho de volta do rei D. Sebastião, o Desejado.
Lula conheceu vales e picos, mas por alguma mágica até os analistas independentes falam apenas dos picos como se ele tivesse sempre sido imbatível. Derrotado três vezes para a Presidência, só conseguiu vitória no segundo turno nas eleições que disputou, e chegou a ter popularidade baixíssima em 2005 após o estouro do caso do mensalão. Se ele se sentir posto de lado, como reagirá o seu enorme ego? Se ele permanecer como uma sombra pairando sobre a sua sucessora e aguardado como um Dom Sebastião, o país estará em pleno retrocesso.
O nacionalismo foi manipulado como arma de campanha eleitoral. Ele pode ser bom, se for confiança na força do país com visão estratégica do seu futuro. Ou pode ser retrocesso se for a defesa do modelo autárquico, com estatais se agigantando em nome de um falso patriotismo. O futuro do Brasil tem que incluir um forte setor privado, e integração com o mundo.
O país está numa encruzilhada.
Pode ser moderno, com uma classe média pujante, que busca a igualdade de gênero e promove os pobres através de rede de proteção e educação; ou pode ser de novo um país dos velhos ismos que nos apequenaram no passado e ainda estão presentes.
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