terça-feira, 2 de novembro de 2010

Tom conciliador de Dilma contrastou com fala de Serra

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Daiene Cardoso

Mais do que cumprir protocolo, os discursos do candidato derrotado José Serra e da presidente eleita Dilma Rousseff na noite de ontem, após o anúncio da vitória da petista, revelam um pouco dos sentimentos vividos por ambos no domingo. Se de um lado Dilma pregou a conciliação ao "estender a mão a eles (da oposição)", como cabe ao vencedor, alguns cientistas políticos detectaram um tom de cobrança de Serra sobre o papel da oposição.

O cientista Marco Antonio Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), avalia que a petista fez um discurso de estadista por usar um tom pacificador diante da divisão eleitoral revelada pelas urnas. Dilma venceu por 56% dos votos válidos. "Não é um discurso de praxe por causa do nível de tensão da campanha", afirmou. Para Teixeira, Dilma foi cuidadosa em pontuar os assuntos que nortearam a campanha, como a liberdade de imprensa e de religião. "Foi mais um discurso de posse do que de vitória", observou.

Na opinião do cientista político e consultor da ONG Voto Consciente, Humberto Dantas, o pronunciamento seguiu o padrão de conciliação que se espera de um recém-eleito e pode ter chamado a atenção por trazer um equilíbrio que difere do embate eleitoral vivido nos últimos dias. "(os discursos de )Dilma e Serra foram mais equilibrados, diferente do tom da campanha", analisou. Apesar de seguir o protocolo, Dantas aponta que Dilma apresentou um discurso técnico, bem diferente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Foi absolutamente zero de entusiasmo. É um discurso muito distante do que os do Lula", ressaltou.

Embora tenha usado um "vocabulário de guerra", como "trincheira", "fortaleza" e enfrentamento de "forças terríveis", Serra não mandou um recado diretamente à Dilma, mas aos próprios aliados da oposição, dizem os analistas. O consultor da ONG Voto Consciente destaca que, ao lembrar as dificuldades da campanha em seu discurso, Serra pode ter passado uma mensagem de qual deverá ser o rumo da oposição a partir de agora. "Foi um recado para a oposição enquanto oposição. Se for para o partido, é muito desagregador. Mágoa só faz mal ao PSDB", avaliou Dantas.

Ressentimento

Ao não mencionar o senador eleito Aécio Neves (MG), o tucano deixou clara sua desilusão com o companheiro de partido, afirmam os especialistas. "Ele não vai curar a mágoa tão rápido", prevê Teixeira. No segundo turno, Dilma teve 58,45% e Serra 41,55% dos votos válidos em Minas Gerais, território de Aécio. "É um exagero atribuir a derrota em Minas Gerais ao Aécio. Uma eleição presidencial tem outras variáveis", afirmou Teixeira. Quanto ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que Serra só se lembrou de agradecer no discurso após ser alertado pela filha, Verônica Serra, o "ato falho" não surpreendeu: "Tem a ver com o fato dele (Serra) ter pedido para o Fernando Henrique não se mostrar na campanha", disse Teixeira.

Se por um lado Aécio pode ter entrado para a lista de desafetos de Serra, quem caiu nas graças do ex-presidenciável foi o governador eleito de São Paulo, Geraldo Alckmin."O Alckmin foi extremamente leal", disse Teixeira, ao lembrar que, em 2008, Alckmin foi "abandonado" por Serra ao apoiar Gilberto Kassab (DEM) para a Prefeitura de São Paulo. Ontem, Serra afirmou em seu discurso que Alckmin se dedicou mais à campanha presidencial do que à sua própria eleição."E o Serra não é muito de agradecer ninguém", lembrou Dantas ao comentar a gratidão de Serra demonstrada ao governador eleito paulista.

Apesar dos derrotados geralmente discursarem antes dos vitoriosos, Teixeira não viu problemas em Serra se pronunciar depois de Dilma. "Achei até que ele foi elegante, mas obviamente ficou transtornado (com a derrota)", concluiu.

Os cientistas não têm dúvidas de que Serra, ao reforçar em suas palavras que não se despede da vida ao término do pleito, voltará em breve aos holofotes. "Pelo seu capital político, ele tem que ser considerado em todos os momentos", comentou Teixeira. Humberto Dantas tem a mesma opinião, com a seguinte ressalva: "Só acho que não sairá mais para a Presidência, não há mais ambiente para isso".

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