Para antropóloga, debate sobre direitos civis estão "chacoalhando" a ideia de que 56 se faz política dentro das legendas.
Ha algo de novo na política brasileira - e não são os políticos nem os partidos. E uma lenta mas persistente invasão do cenário por assuntos ditos menos votados. Homofobia, racismo, aborto, casamento gay e direitos civis, em geral, "estão obrigando o mundo político a se acostumar com novas demandas do eleitorado", afirma a antropóloga Lilia Schwarcz.
Atenta ao fervilhar desses debates, principal mente em grandes cidades, e ao divorcio entre a rotina dos partidos e o Brasil real, ela adverte: "A ideia de que o único lugar de fazer política é dentro dos partidos esta sendo chacoalhada". E o próprio mundo acadêmico esta consciente disso, como ela constatou ao lançar, com o sociólogo André Botelho, da PUC-Rio, Agenda Brasileira - uma coleção de cerca de SO ensaios, assinados por grandes nomes das universidades, sobre tudo o que vale a pena discutir no Pais.
Como sinal das mudanças, Lilia observa: "Se no passado as ONGs iam atrás dos partidos, em busca de apoio, hoje são estes que vão atrás delas, para falar a públicos influentes". Nesta entrevista, a antropóloga faz uma advertência sobre o autoritarismo nos debates. "Não poder falar das diferenças e uma forma de fascismo."
• Por que os direitos civis e temas sociais tem hoje mais espaço nos debates?
Vejo como um ciclo. A ditadura já passou há tempos. Hoje os brasileiros podem votar e exercer seus direitos. Os anos 90 foram para arrumar a casa. Enfim, a agenda "mais seria" foi cumprida e agora outra agenda vem à tona. E isso coincide com um ambiente em que as comunicações ficaram mais fáceis. Cada dia mais, a sociedade civil esta exigindo espaço para demandas que lhe interessam mais diretamente.
• Para onde isso aponta?
Assuntos como aborto, casamento gay, racismo e violência sempre foram temas políticos, mas nos os tratamos de forma subalterna. Ultimamente, eles ganharam força e dão a cara desse Brasil real. 0 barulho em torno do kit-homofobia é um exemplo, a questão do racismo e outro, e este tem como pano de fundo questões mais amplas, como exclusão e desigualdade social. Na questão de gênero, os homossexuais, o movimento LGBT, o que quiserem chamar, muitos políticos já entenderam: terão de prestar atenção e tomar posição, pois cada vez mais serão cobrados pelos seus eleitores.
• Já se viu um pouco disso na campanha de 2010, não?
Sim, mas foi uma coisa odiosa aquele debate na TV entre Dilma Rousseff e José Serra sobre aborto. Podiam ter aproveitado para discutir uma questão substantiva. O que cada um fez? Tentou garantir seu eleitorado. Vestiram a carapuça tradicional.
• Os partidos não dão sinal de que vão mudar para se adaptar a isso. Como vai ficar?
Na Europa, principalmente nos países nórdicos, já existe um modelo mais fluido de relações entre partidos e organizações sociais. Por aqui, a ideia de que o único lugar de fazer política e dentro dos partidos já está sendo chacoalhada. A política vai se deparar cada vez mais com a explicitação dos conflitos. E evidente que os movimentos por direitos civis tem tido mais espaço e isso não tem volta. Hoje, os partidos e que correm atrás das ONGs, para se associar a causas que estão crescendo.
• Esse debate social não lhe parece prejudicado pelo politicamente correto?
Essa ideologia do politicamente correto e uma das piores cegueiras que se abateram sobre nos. Ela não permite expor as diferenças em um dialogo normal. Por exemplo, neste Pais ninguém e de direita ... Como ensinava Claude Levi-Strauss, e preciso diferenciar sem hierarquizar. 0 fato e que o empenho de alguns em combater pré conceitos os leva a criar outro, que e dizer "somos todos iguais". Não somos. E ainda bem que não somos. Você não poder falar das diferenças e uma forma de fascismo. Agindo dessa forma, você não produz conhecimento, não produz conscientização, não produz cidadania.
Quem é?
Doutora em Antropologia Social e professora da USP e da Universidade de Princeton (EUA). Especializada em relações raciais, e autora de Raça e Diversidade e As Barbas do Imperador - D. Pedro II, um Monarca nos Trópicos.
FONTE: O ESTADO DE S. PAULO
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