"A tudo suporto porque nada fiz para envergonhar meu partido, o Senado, Goiás e o Brasil" (Demóstenes Torres)
O que espera Roberto Gurgel, Procurador Geral da República, para pedir ao Supremo Tribunal Federal a abertura de inquérito contra Demóstenes Torres, líder do DEM no Senado, acusado de ser sócio do empresário Carlinhos Cachoeira na exploração de jogos ilegais em Goiás? O próprio Demóstenes quer ser investigado. Cumpra-se a sua vontade, ora!
Foi em setembro de 2009 que Gurgel recebeu da Polícia Federal o primeiro relatório com gravações e outras provas da ligação de Cachoeira com Demóstenes. Cabia-lhe pedir ao Supremo que investigasse o senador. Ou então arquivar o caso alegando insuficiência de provas. Gurgel não fez nem uma coisa nem outra.
Em 29 de fevereiro último, a Polícia Federal (PF) deflagrou a Operação Monte Carlo para desmontar a quadrilha comandada por Cachoeira e integrada, no mínimo, por 82 pessoas — entre elas dois delegados da própria PF, seis da Polícia Civil e 29 policiais militares, todos de Goiás.
A quem lhe perguntou por que não agiu ao receber em 2009 o primeiro relatório da PF, Gurgel respondeu que preferira esperar os resultados da Operação Monte Carlo. Esperar como, se ele não sabia à época que três anos depois uma operação com esse ou outro nome seria executada?
A desculpa rota foi corrigida em seguida por Gurgel. Ele não agiu "por uma questão de estratégia", disse. Teria sido mais honesto admitir que não agiu porque não quis. Demóstenes integra o Ministério Público de Goiás desde 1983. Gurgel é chefe do Ministério Público Federal. Sabe como é...
Os partidos esperam um sinal de Gurgel para decidir o futuro de Demóstenes. Alastra- se entre eles a vontade de cassar-lhe o mandato por quebra de decoro. Imaginam assim fazer Justiça e se redimir do vexame coletivo que marcou a sessão do Senado destinada a proclamar a inocência de Demóstenes.
Do alto da tribuna do Senado, depois de se defender com meia dúzia de argumentos capengas, Demóstenes ouviu com prazer a fala de 44 dos seus pares. Na tarde de 7 de março passado, com a solenidade requerida pela ocasião, os senadores esgotaram seu estoque de lisonjas em favor de um deles.
O mínimo que chamaram Demóstenes foi de amigo, companheiro legal, competente e verdadeiro homem público. Pedro Simon (PMDB-RS): "Vossa Excelência é uma das pessoas mais competentes e que atuaram com bravura em toda sua vida". Aécio Neves (PSDBMG): "Vossa Excelência é um dos homens públicos mais preparados que há".
Não estava em questão o companheirismo de Demóstenes, nem a sua competência. Os senadores estavam obrigados a ouvir a defesa dele. Mas a prudência aconselhava que esperassem os desdobramentos da operação policial responsável pela prisão de Cachoeira e de mais 30 pessoas. Só então poderiam absolver ou condenar Demóstenes.
De resto, àquela altura, os senadores conheciam em detalhes uma série de fatos que tornavam Demóstenes suspeito da autoria de vários crimes. Há quase 300 gravações de telefonemas trocados entre Demóstenes e Cachoeira. A partir de certo momento, os dois passaram a se falar por meio de um aparelho de telefone imune a grampos. Por quê?
Em uma das gravações, o senador pede R$ 3 mil a Cachoeira para pagar o aluguel de um jatinho. Em outra, pede um jatinho emprestado. Numa terceira, queixa-se do seu iPad que deixou de funcionar. Cachoeira providenciou outro. Antes, presenteara Demóstenes com um fogão e uma geladeira no valor de R$ 30 mil.
Relatórios da PF informam que Cachoeira e Demóstenes são parceiros desde 2006. O império do jogo de Cachoeira se amparava em oito mil máquinas caça-níqueis e 1,5 mil pontos de bingos. Arrecadou nos últimos seis anos R$ 170 milhões. Um terço da dinheirama ficou com o senador, que fez do combate à corrupção seu filão eleitoral.
Há políticos de sobra dispostos a chafurdar na lama com gente como Cachoeira. Demóstenes nem de longe parecia ser um deles. É isso, afinal, o que mais surpreende.
FONTE: O GLOBO
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