Na sua despedida, ministro classifica como crime saques dissimulados de dinheiro repassado por Valério
Jailton de Carvalho
BRASÍLIA No voto de condenação do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que foi também seu último no Supremo Tribunal Federal, o ministro Cezar Peluso afirmou ontem que parte dos R$ 10 milhões do contrato entre a Câmara dos Deputados e a agência SMP&B, de Marcos Valério, pode ter sido usada para pagar parlamentares da base governista, o chamado mensalão. A SMP&B foi contratada na gestão de João Paulo, entre 2003 e 2004.
O ministro classificou como crime os saques dissimulados de dinheiro repassado pelas empresas de Valério. Endossou uma parte central da denúncia da Procuradoria Geral da República e pode abrir caminho para a punição de todos os parlamentares e ex-parlamentares que receberam dinheiro de Valério por ordem de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT.
O ministro fez a referência à suposta transferência de dinheiro da Câmara para o "valerioduto", ao apontar o exagero que teria sido a contratação da agência de Valério. Para Peluso, tudo indica que não havia necessidade dos serviços da SMP&B. O trabalho já era executado por outra agência, contratada antes. Parte da tarefa poderia ter sido executada por servidores da própria instituição - o que teria ocorrido logo após a saída da agência de Valério da Câmara.
- Findo o contrato, na gestão subsequente, os gastos sob os mesmos títulos caíram para R$ 65 mil. De R$ 10 milhões para R$ 65 mil. Alguma coisa muita estranha estava nessa diferença de curvas. Essa hipertrofia de serviços que, no fundo, no fundo era justificação para a percepção de comissões para alimentar os cofres da SMP&B, até para efeito da distribuição de dinheiro que, depois, acabou se revelando, como aliás está no capítulo subsequente que vamos analisar um pouco mais adiante - disse Peluso.
Peluso indica que Visanet não era única fonte
Peluso não voltará a tratar do caso. Terá que se aposentar até segunda-feira, quando completará 70 anos. Ainda assim, deixa a indicação de que o fundo Visanet não teria sido a única fonte de recursos públicos do mensalão. Esclareceu que considera crime os saques dentro da estrutura montada por Valério e Delúbio. Em geral, os saques eram feitos por auxiliares de parlamentares em operações de pagamentos e recebimentos controlados pela SMP&B. A empresa aparecia nas duas pontas, como autora do pagamento e destinatária dos saques. Os nomes dos verdadeiros destinatários eram omitidos nos registros enviados às autoridades financeiras.
- Se alguém, que não aparece em documentos oficiais como credor de certa importância, aparece nos fundos de uma agência bancária, recebe dinheiro provindo de outra agência em que o sacador e o tomador é a mesma pessoa, que justifica perante os registros contábeis como forma de pagamento de fornecedores e recebe o dinheiro de um modo clandestino, porque à revelia dos registros oficiais desse recebimentos, evidentemente nós temos um fato provado que nos leva, pela observação, à regra que esse comportamento é um comportamento ilícito - afirmou Peluso.
O ministro foi mais específico ao citar como João Paulo recebeu R$ 50 mil de Valério. O dinheiro foi sacado numa agência do Banco Rural em Brasília pela mulher do deputado, Silvana Márcia Regina. Para Peluso, o deputado mandou a mulher ao banco porque queria manter em segredo a operação sabidamente ilegal.
- O denunciado mandou a mulher porque não queria que nenhum dos seus assessores soubesse do recebimento. E, segundo, porque queria a garantia da entrega do dinheiro. Já por aqui constitui um ato ilícito. Um ato que não poderia ser revelado - apontou Peluso.
O mesmo raciocínio poderia ser aplicado aos parlamentares e ex-parlamentares que enviaram assessores às agências do Rural para receber dinheiro de Valério sem aparecer como os verdadeiros beneficiários dos recursos.
Peluso votou pela condenação e prisão de João Paulo, Valério, seus sócios, e do ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil. Disse, porém,, que juízes não condenam por motivação pessoal.
- Nenhum juiz condena ninguém por ódio. Nada mais constrange um juiz que condenar um réu. As condenações são uma imposição da consciência do magistrado. Condena por imposição da Justiça e porque reverencia à lei. E por amor e respeito aos réus. Uma condenação é um chamado, uma vez cumprida a pena, se reconciliem com a sociedade - disse Peluso.
O ministro foi homenageado pelos colegas e advogados dos réus. Márcio Thomaz Bastos, ex-ministro da Justiça, foi à tribuna e destacou o brilhantismo que marcou a carreira de Peluso.
FONTE: O GLOBO
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