quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Tarde e envergonhado - Sérgio C. Buarque

Durante décadas, o Partido dos Trabalhadores, na oposição e nas diversas campanhas eleitorais, demonizou a privatização de empresas públicas como uma perversa entrega do patrimônio nacional. Este discurso do PT atrapalhou a realização dos investimentos na infraestrutura, contribuindo para travar a economia e comprometer a competitividade econômica do Brasil, mais do que isso, formou na opinião pública brasileira uma visão distorcida das relações do Estado com o setor privado.

Agora, com enorme atraso, o governo do PT realiza uma ampla transferência de negócios públicos para o setor privado, e o faz em uma cerimônia festiva como se estivesse inventando uma nova e brilhante estratégia de desenvolvimento. Embora de forma tardia e ainda precisando ser testado nas licitações, o programa do governo prevê a concessão ao setor privado da exploração de 7.500 quilômetros de rodovias e 10 mil quilômetros de ferrovias com investimento privado de R$ 133 bilhões.

“Antes tarde do que nunca”, dirão alguns. Não, tarde é tarde mesmo e já deixou um passivo de estrangulamento na economia brasileira. O Brasil perdeu muito tempo na construção de uma economia competitiva para se projetar no mundo globalizado, as ferrovias, os portos, as estradas estão saturadas, degradadas e deficientes e mesmo que o plano do governo seja bem sucedido, ainda vamos precisar de vários anos para recuperar e ampliar o sistema logístico do Brasil. Perdemos o timing também porque, ao contrário do início da década passada, a situação atual é muito desfavorável em termos de liquidez e disposição ao risco para financiamento e investimentos de longo prazo de maturação.

E, no entanto, para que não pensem que seu governo se entregou de vez ao neoliberalismo, a Presidente Dilma fez um discurso – deselegante e envergonhado – para dizer que não estava privatizando. É claro que existe uma diferença entre concessão e privatização, mas ambas representam uma transferência da gestão dos serviços públicos para o setor privado, permitindo que as empresas obtenham lucros com a oferta e venda destes serviços. Nada demais, principalmente quando o Estado não tem recursos nem capacidade gerencial, e, claro, desde que os serviços sejam controlados pelas agências reguladores, aquelas pouco valorizadas pelo governo do PT. O setor privado vai investir R$ 133 bilhões passando a ser proprietário de parte da infraestrutura, e nas ferrovias, as empresas vão contar ainda com a garantia de compra do volume total de carga, mesmo que não haja demanda, negócio sem risco para o empreendedor que compre a concessão. Nada demais. Mas, companheiros, vamos falar claro e direto, sem vergonha ou maneirismos verbais: o Estado tem um papel central como provedor de serviços públicos para a sociedade, mas, vários destes serviços podem (e devem) ser oferecidos e geridos (melhor geridos) pelo setor privado. Sendo o provedor, o Estado não tem que ser o produtor e executor de tudo, nem pode. Felizmente.

Sérgio C. Buarque é economista e consultor

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

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